Ester Gammardella Rizzi

Carolina Gabas Stuchi

<blockquote>Cambia lo superficial
Cambia también lo profundo
Cambia el modo de pensar
Cambia todo en este mundo
<footer class="jota-article__quote-cite">Todo cambia, Julio Numhauser</footer>
<footer class="jota-article__quote-cite">Compositor chileno</footer>
</blockquote>
A sociedade chilena decidiu, em 2019, promover uma revolução jurídica. Decidiu, por meio de alterações na Constituição de 1980, atualmente vigente, realizar uma Convenção Constituinte com plenos poderes para reformular o documento que organiza as instituições do Estado, os objetivos do Chile como coletividade, o papel do Estado nesta sociedade, os direitos que devem ser garantidos a todas as cidadãs e todos os cidadãos.
O que está por trás desse desejo tão profundo de refundação? Quais são os desejos que motivam a revolução, ainda que seja uma revolução sem armas, uma revolução em âmbito institucional e jurídico? Estas são perguntas que se colocam para quem quer entender este momento do processo político chileno.
<a href="https://www.jota.info/produtos/poder?utm_source=Banner%20site&amp;utm_medium=Artigos&amp;utm_campaign=CTA_Poder_materias"><img class="size-medium wp-image-292717 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-poder.jpg" alt="" width="688" height="688" /></a>Em linhas gerais, a sociedade chilena parece querer romper definitivamente com o seu passado autoritário, a ditadura de Augusto Pinochet. A Constituição de 1980 foi elaborada em meio ao período autoritário que se estendeu até 1990. A volta do Chile para a democracia não passou por uma mudança constitucional. Assim, a atual Constituição chilena ainda representa o vínculo simbólico com esse passado ditatorial.
Ainda um outro elemento, porém, soma-se ao desejo de mudança corporificado no processo constituinte atual: a sociedade e o Estado chilenos encarnam, na América Latina, o que <a href="http://www.facso.uchile.cl/noticias/119113/modelo-neoliberal-de-la-educacion-es-analizado-por-victor-orellana" target="_blank" rel="noopener noreferrer">Victor Orellana</a> chamou de “neoliberalismo real”. A incorporação quase completa dos paradigmas preconizados por Banco Mundial, Consenso de Washington, Fundo Monetário Internacional, Escola de Chicago e outros sobre a forma como o Estado deveria agir sobre a sociedade e (não) garantir direitos sociais.
(a) As mobilizações dos estudantes chilenos em 2011-2012 e, mais recentemente, contra o aumento das tarifas de transporte público em 2019;
(b) as reivindicações por seguridade social (e mudanças em suas regras) também em 2019;
(c) as muitas manifestações de mulheres, também no final de 2019 e início de 2020, reivindicando os mais diferentes direitos e reconhecimentos;
(d) as poucas mas significativas tentativas de desafiar a hegemonia neoliberal dos últimos governos a partir de prefeituras locais, como foi o caso da farmácia popular do município de Recoleta, implementada por Daniel Jadue Jadue, que discutiu o papel do Estado no direito à saúde desde uma política local que reverberou em várias outras administrações locais;
(e) a luta dos Mapuche e outras comunidades indígenas por terras e água, somando-se também à pauta ambientalista liderada por outros grupos do espectro político;
(f) os debates sobre a intensa desregulação do trabalho, a instabilidade dos contratos temporários e as más condições de vida dos trabalhadores chilenos.
<blockquote class="jota-article__eye">Todos esses focos de manifestação de insatisfações com o papel do Estado Chileno na sociedade também estão na origem deste desejo de mudança radical.</blockquote>
Decidiram os chilenos, assim, ser necessária uma nova constituição para que pudessem romper definitivamente com o passado autoritário chileno; para que pudessem repensar e repactuar o papel do Estado e o significado dos direitos na sociedade; para que se pudesse construir um Chile mais igualitário do ponto de vista de gênero e que reconhecesse sua plurinacionalidade interna.
Em um primeiro momento, esses anseios tomaram a forma de uma mudança constitucional que incluiu na Constituição de 1980 um capítulo sobre o procedimento para se elaborar uma nova constituição para o Chile (Ley num. 21.200, de 23 de dezembro de 2019).
Nesta mudança constitucional estava previsto, entre outras regulações, um plebiscito nacional que ocorreria no dia 26 de abril de 2020. O plebiscito se deu apenas em 25 de outubro de 2020, em função das restrições derivadas da pandemia de Covid-19. Para a pergunta "¿Quiere usted una Nueva Constitución?", 78% dos eleitores chilenos responderam “Apruebo” e apenas 22% responderam “Rechazo”. A revolução constitucional contava com grande apoio popular.
Nesse mesmo plebiscito de outubro de 2020, perguntou-se também à população se a Convenção Constituinte seria uma convenção exclusiva (com membros eleitos exclusivamente para realizar o processo constituinte) ou se seria uma Convenção Mista, com deputados eleitos na forma da Constituição de 1980, contando também com parlamentares já em exercício. A resposta foi semelhante à primeira pergunta: 79% dos eleitores votaram a favor da constituinte exclusiva.
Antes do plebiscito, porém, a sociedade chilena já começava a estabelecer o desenho institucional que daria forma às eleições para a Convenção Constituinte. Assim, em 20 de março de 2020, foi aprovada a Ley nº 21.216/2020, que trazia duas importantes mudanças institucionais para as eleições que aconteceram agora, em 15 e 16 de maio de 2021: (a) “Para la elección de los integrantes de la Convención Mixta Constitucional o Convención Constitucional se podrán presentar listas de candidatos independientes, las que se regirán por las siguientes reglas” e “la lista de un partido político, pactos electorales de partidos políticos o listas celebradas entre candidaturas independientes, deberán señalar el orden de precedencia que tendrán los candidatos en la cédula para cada distrito electoral, comenzando por una mujer y alternándose, sucesivamente, éstas con hombres.”
Depois do plebiscito de outubro de 2020, ainda uma outra importante modificação na composição do que viria a ser a Convenção Constituinte do Chile foi aprovada, na Lei nº 21.298, de 23 de dezembro de 2020: “la Convención Constitucional incluirá diecisiete escaños (assentos) reservados para pueblos indígenas.”
A Convenção Constituinte que  tem previsão de ser instalada e começar seus trabalhos no próximo mês, é composta por 155 “Convencionales”, 78 homens e 77 mulheres na divisão final, sendo 8 homens e 9 mulheres representando os povos indígenas. A maneira de realizar a equidade de gênero nestas eleições foi realizar o pleito por meio de listas fechadas que foram votadas em distritos. Tais listas alternaram mulheres e homens (nesta ordem, sempre a primeira da lista uma mulher), como visto nos trechos selecionados acima.
Qualquer pessoa que cumprisse os requisitos de elegibilidade da Constituição de 1980, poderia se candidatar em uma dessas listas. Excluiu-se, no entanto, um requisito fundamental: não seria necessário ser filiado a nenhum partido. Basicamente, qualquer eleitor alistado no Chile, maior de dezoito anos (art. 13 Constituição Chilena 1980) poderia ser candidato.
Inclusão de número mínimo de representantes indígenas; determinação de paridade de gênero e listas abertas para independentes, sem filiação partidária, são três mudanças institucionais muito importantes que influenciam muito a composição da Convenção Constituinte que será responsável por elaborar a nova constituição chilena.
A Lei 21.200, aprovada em dezembro de 2019, determina que as deliberações da Convenção devem  ser tomadas com quórum de dois terços. Basta, assim, ter pouco mais de um terço dos membros da convenção para bloquear a votação de assuntos ou determinados encaminhamentos.
Obviamente que uma Convenção Constituinte não é limitada por regras anteriores e externas. Mas a regra de dois terços tinha sido acordada entre as forças políticas chilenas para fazer avançar o processo de convocação da própria Convenção, era uma regra forte.
As forças conservadoras da sociedade chilena esperavam garantir seu um terço da composição que seria suficiente para os vetos. Não foi o que aconteceu. A força dos vários candidatos independentes distribuídos nos 28 distritos foi subestimada (ou não foi captada pelas métricas e métodos de medição da política tradicional, partidária, institucionalizada).
Ao final do processo – e a expectativa é que isso aconteça em junho de 2022 – um novo plebiscito será convocado, desta vez para perguntar à sociedade chilena se ela aprova ou rejeita o texto constitucional que será elaborado pela Convenção Constituinte.
Quem se interessa pela relação entre direito, política e políticas públicas deve observar o resultado desta Convenção que é, desde sua convocação, um verdadeiro exercício de imaginação institucional, pelo menos no que se refere às formas de participação política e composição.
Se no início do século XX a participação da classe trabalhadora e das mulheres como eleitores e elegíveis em processos eleitorais parlamentares representou uma mudança profunda na forma de funcionamento e no próprio significado dos poderes legislativos, parece-nos que estamos diante de uma mudança institucional de igual dimensão. Talvez a forma de eleição da Convenção Constituinte chilena represente novos ventos para a forma como a democracia será exercida no próximo período histórico.
Estamos curiosas e atentas para acompanhar este processo que começa agora, para compreender essas mudanças institucionais, mas principalmente para entender os efeitos que uma convenção composta com número significativo de independentes, com paridade de gênero e garantia de representação indígena terá sobre o modelo de Estado e os direitos a serem garantidos na nova constituição
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JOTA

A sociedade chilena decidiu, em 2019, promover uma revolução jurídica

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