Gabriel F. Leonardos

Priscila M. Kashiwabara

Nosso país sofre, há 8 (oito) anos, de um declínio constante no número de pedidos de patente depositados no INPI – Instituto Nacional da Propriedade Industrial. Em 2013 foram protocolados 34.050 pedidos de patente, e, em 2020, a estimativa é que o INPI tenha recebido aproximadamente 27.000 pedidos de patente, ou seja, uma redução de 20% no período.
Enquanto isso, no resto do mundo, houve um crescimento constante dos pedidos de patente, e a tendência é que esse incremento continue a ocorrer. O que, então, estamos fazendo errado? Diversas coisas, mas, com alguns ajustes em nossa legislação, podemos começar a reverter esse quadro.
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Não trataremos, aqui, dos ataques ao sistema de patentes feitos por alguns setores da indústria farmacêutica, os quais contribuem para uma imagem negativa de nosso país na atração de investimentos externos.
Muito embora as patentes de medicamentos representem menos de 8% do total de patentes depositadas e concedidas pelo INPI, o ruído causado por parte dessa indústria faz parecer que as patentes servem somente para proteger a indústria farmacêutica de pesquisa, o que não poderia ser mais longe da realidade.
Contudo, lamentavelmente, as controvérsias políticas relacionadas às patentes de medicamentos acabam por colocar em risco o sistema de patentes em todas as demais áreas tecnológicas, sem as quais nosso país não atingirá jamais o nível de desenvolvimento econômico e social que todos almejamos.
Desejamos, nesse breve artigo, dar sugestões para que o Brasil desenvolva plenamente seu potencial de potência mega-biodiversa, com a utilização do sistema de patentes como uma poderosa alavanca de inovação relacionada à biodiversidade e biotecnologia. Este é, em nossa opinião, o maior desafio que nosso país deveria se propor a vencer na questão de patentes.
O Brasil faz parte do grupo de 17 países que, juntos, concentram cerca de 70% da diversidade biológica do planeta. Segundo estimativas do Ministério do Meio Ambiente, cerca de 20% da biodiversidade mundial são detidos pelo nosso país. Estudos para avaliar o valor patrimonial da biodiversidade ou das florestas são controversos e revelam números discrepantes dependendo da metodologia utilizada.
No entanto, falar em riqueza da biodiversidade resulta em dar um significado ou uma ideia mais tangível à intangibilidade da natureza. Há estudo que atribui à nossa biodiversidade valores como US$ 1,83 trilhões/ano<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>, e, mesmo sem considerar o valor da biodiversidade, apenas com a exploração comercial de produtos das florestas preservadas poderíamos chegar a US$250 bilhões / ano <a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>!
Independentemente das diferentes estimativas retratarem a realidade, o que se sabe é que o interesse socioeconômico mundial hoje recai sobre a biodiversidade, que não somente tem um valor intrínseco à própria existência das diferentes espécies e das suas interrelações, mas também por ser, em si, uma depositária de recursos e informações que representam infinitas possibilidades de desenvolvimento de soluções biotecnológicas incrementais ou disruptivas, na forma de novos produtos e processos médicos, biotecnológicos, farmacêuticos, alimentares, sementes e cosméticos.
No entanto, infelizmente, o Brasil ainda tira pouquíssimo proveito desta riqueza. A exploração inteligente e sustentável da biodiversidade para criar oportunidades para a geração de novos negócios e soluções para a sociedade exige pesquisa e desenvolvimento extremamente intensivos e investigativos, com altíssimos investimentos de tempo e recursos financeiros.
Neste cenário entra a propriedade intelectual. Ela assume papel importante e essencial nas sociedades cujo desenvolvimento está associado ao desenvolvimento tecnológico e à capacidade criadora e empreendedora dos indivíduos, das empresas e das instituições públicas de pesquisa.
Quando o empreendedor decide investir no desenvolvimento de produtos ou processos biotecnológicos, ele não o faz com garantia prévia de sucesso ou sabendo que o resultado será economicamente rentável. A insegurança e o risco são mitigados com o sistema patentário, já que a exclusividade temporária proporcionada pela patente representa a possibilidade de um retorno financeiro pelo seu esforço e investimento.
<blockquote class="jota-article__eye">Todavia, o Brasil optou por adotar um posicionamento mais restritivo com relação à possibilidade de proteção de invenções biotecnológicas, em comparação com outros países que são mais avançados nessa área.</blockquote>
Neste sentido, a Lei nº 9.279/96 (Lei de Propriedade Industrial – LPI), em seu artigo 10, IX, estabelece que seres vivos ou parte deles, e materiais biológicos encontrados na natureza não são considerados invenção e, portanto, não são patenteáveis.
Além disso, exclui-se de patenteabilidade todas as plantas e animais, ou parte deles, exceto os microrganismos transgênicos que atendam aos requisitos de patenteabilidade (novidade, atividade inventiva e aplicação industrial) (art. 18).
Lançamos aqui um convite à reflexão. Possuindo o Brasil uma “biblioteca” viva e vasta de moléculas biológicas com potencialidade de aplicação, imediata ou não, como atender às expectativas das inúmeras empresas e instituições de pesquisas nacionais que têm como foco o estudo e a exploração justamente destes componentes biológicos isolados da natureza?
Um exemplo é o setor farmacêutico que se utiliza de extratos vegetais para produção de fitomedicamentos, mas poderíamos elencar muitos outros setores que enfrentam a mesma dificuldade.
Ao contrário do que se poderia imaginar, as restrições do art. 10 da LPI não têm relação com o desejo do legislador de proteger a biodiversidade brasileira de biopirataria, pois Lei 13.123/2015 (Lei da Biodiversidade) já estabelece um mecanismo eficiente para resguardar o patrimônio genético brasileiro, por meio da obrigatoriedade do cadastro do acesso da biodiversidade perante o CGEN (Conselho de Gestão do Patrimônio Genético).
Além disto, o legislador cuidou de estabelecer uma interrelação entre a concessão de patente com à exigência de informar ao INPI o número de cadastro, caso o acesso tenha ocorrido. Com isto, além de controlar quem está trabalhando com biodiversidade brasileira, há o estabelecimento da obrigatoriedade de repartir benefícios decorrentes da sua exploração econômica.
Em relação aos regulamentos internos do INPI, como as Diretrizes de Exame de Pedidos de Patente na área de Biotecnologia, já houve avanços importantes. Recentemente, em 1º de dezembro de 2020, entrou em vigor a versão revisada das diretrizes (Instrução Normativa INPI PR N° 118/2020).
Um dos pontos positivos, por exemplo, é que agora é permitido o patenteamento de sequências de DNA degeneradas, que certamente está mais de acordo com a própria natureza biológica da matéria. Certamente, este passo importante diminuiu a ansiedade e a insegurança dos titulares de patentes cujas invenções se relacionam ao uso de sequências genéticas.
No entanto, mais um ponto de reflexão: as Diretrizes não mencionam em seu texto diversas tecnologias de ponta, como por exemplo, os órgãos feitos através de impressão 3-D, organoides, metodologias de edição genômica usando o sistema CRISPR-Cas e as terapias contra câncer utilizando células CAR-T (células de defesa do próprio paciente reprogramadas para atacar células cancerosas).
De fato, o sistema de patentes no Brasil e no mundo é constantemente desafiado pela biotecnologia, uma ciência que evolui a passos largos, trazendo questões particulares.
Necessitamos um ordenamento jurídico que consiga evoluir e se adaptar mais rapidamente, acompanhando pari passu a evolução científica e tecnológica de modo a assegurar proteção por patentes adequada e segurança jurídica suficiente para estimular investimentos na exploração sustentável da nossa diversidade biológica.
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O episódio 48 do podcast Sem Precedentes faz uma análise sobre a atuação do Supremo Tribunal Federal (STF) em 2020 e mostra o que esperar em 2021. Ouça:
https://youtu.be/-hMj5lwWXEE
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Costanza, Robert et al. Changes in the global value of ecosystem services. “Global Environmental Change”, v. 26, pp. 152 – 158. 2014.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Strand, Jon et al. Spatially explicit valuation of the Brazilian Amazon Forest’s Ecosystem Services. “Nature Sustainability”, v. 1, pp. 657-664, 2018.

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JOTA

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