Tomás Júlio Ferreira

Otávio de Toledo Piza

Não é de agora que as parcerias entre o setor público e o setor privado são apontadas como o presente e o futuro da execução das políticas públicas no país. 
Nas eleições de 2022, assistimos a candidatos de partidos de diferentes matizes ideológicos apontando as parcerias entre o setor público e o privado como um caminho para alavancar o desenvolvimento socioeconômico do país. Muitos desses debates trataram da priorização de projetos de infraestrutura, tanto social e urbana – revitalização de prédios públicos ou parques, por exemplo –, como logística – projetos no setor de saneamento ou rodovias federais.
Nos setores de infraestrutura, a necessidade de parcerias parece ser um consenso, e os debates em geral circundaram o formato e o papel atribuído a cada parte na relação jurídica entre elas mantida. Diversos são os temas controversos da área, dentre os quais podem ser mencionados aqueles relacionados à legitimação da política, à regulação contratual e à governança da parceria.   
Projetos de parcerias entre o setor público e privado ganharam protagonismo no país devido a um contexto forjado, entre outros aspectos, por (i) restrições orçamentárias dos entes públicos (ainda mais no cenário pós pandêmico), (ii) a crescente demanda por utilidades públicas, e agendas sociais em geral, e (iii) marcos regulatórios reformados, incluindo uma nova lei geral de contratações públicas. 
Não por outro motivo, em sequência ao já consolidado ciclo de concessões e permissões contratadas pela União e pelos estados, as <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/PPPs">PPPs</a> popularizaram-se entre os municípios, com um número cada vez maior de projetos estruturados nos últimos anos. Destacam-se, também, as parcerias realizadas com de entidades do terceiro setor, como as OSCs (Organizações da Sociedade Civil) e as OS (Organizações Sociais). 
O cenário é otimista, e para que o ciclo dos novos projetos seja virtuoso é importante analisar e endereçar soluções para questões fáticas que costumam impactar os contratos, desde sua estruturação até sua execução.
Identificar essas questões e o modo por qual podem ser manejadas se revela essencial para garantir a viabilidade de projetos e oferecer mais segurança ao setor privado para investir em parcerias. Esse objetivo perpassa a construção de um ambiente de contratação com estabilidade e previsibilidade, o que requer contratos bem redigidos, clareza na distribuição de responsabilidades, encargos e riscos, e arranjos institucionais adequados para a gestão e fiscalização de contratos.
A partir dessa ótica, e visando solucionar alguns dos gargalos hoje existentes para a contratação e execução exitosa de projetos de infraestrutura, apresentamos abaixo comentários sobre temas de ordem prática que devem ser considerados pelos gestores que atuam na área. 
<h3> Análise de benchmarks</h3>
O primeiro ponto que merece destaque é a possibilidade de aprimorar a modelagem de projetos, a partir de experiências pretéritas, internacionais e nacionais, e das boas práticas do setor de infraestrutura em diversas localidades. Algumas questões, sobretudo relacionadas à inovação, muitas vezes encontram pouco ou nenhum respaldo normativo, no ordenamento brasileiro, para que possam ser levadas a cabo. 
Em razão disso, surgem dificuldades para que os gestores construam mecanismos e instrumentos contratuais e regulatórios que não sejam amplamente utilizados ou conhecido no país. Isso não significa, porém, abandonar essas boas práticas, à míngua de expressa previsão legal. 
Ao contrário: muitas das inovações advêm de trocas de informações, muitas vezes impulsionadas por organizações multilaterais, que, a título de exemplo, podem condicionar a concessão de empréstimos à adoção de determinadas medidas inovadoras. Um desses casos é a adoção de dispute boards no contexto de projetos de infraestrutura. A medida foi inicialmente implementada em projetos de infraestrutura no país, como forma de alinhamento às diretrizes do banco mundial para a concessão de financiamento (ver RIBEIRO, Ana Paula Brandão; RODRIGUES, Isabella Carolina Miranda. Os dispute boards no direito brasileiro, Revista de Direito Mackenzie,  v. 9, n. 2, p. 129-159, 2015).
A observância de boas práticas nacionais e internacionais pode servir como fundamento de decisões públicas, contribuindo para uma maior segurança do gestor público na adoção de medidas inovadoras. Esses benchmarks se prestam não apenas como forma de aprendizado, como também como meio para fomentar e incentivar uma prática positiva, reverberando-a para outros locais e gestores. 
A análise de benchmark é importante, por servir de parâmetro para a adoção de boas práticas do setor, o que pode resultar em inovações na gestão pública do país, incorporando-se na legislação ou em contratos mecanismos importantes para projetos de infraestrutura
<h3> Inclusão da jurisprudência dos Tribunais de Contas na modelagem dos projetos</h3>
Todo projeto de parceria com o setor privado passa por uma análise jurídico-regulatória durante a fase interna da licitação, quando da preparação dos atos e documentos editalícios. A avaliação do sistema de normas aplicáveis ao projeto idealizado é fundamental e, apesar de causais equívocos, se tornou uma prática costumeira nas assessorias jurídicas dos órgãos públicos. 
Nesse contexto, cresce cada vez mais a atuação dos Tribunais de Contas no acompanhamento de contratos de parcerias, ampliando o já extenso acervo jurisprudencial no tema. 
O Tribunal de Contas da União (TCU), por exemplo, publica periodicamente seus boletins de jurisprudência com os excertos das principais decisões da corte, muitas delas que podem antecipar questões de modelagem de projetos. Cita-se o exemplo do Boletim de Jurisprudência 413/2022, que trouxe o enunciado do Acórdão 1786/2022, que enfrenta o entendimento da corte de que “<a href="https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9637.htm">a Lei 9.637/1998</a>, e não a Lei 13.019/2014, é a norma de regência a ser aplicada aos ajustes cujo objeto envolva parceria e fomento à atuação do setor privado sem fins lucrativos para a prestação de serviços de caráter complementar no SUS, sendo o contrato de gestão a única forma de se firmar a parceria entre as organizações sociais e o setor público”. 
A avaliação de tais decisões pretéritas se mostra essencial para garantir, desde a concepção, um maior alinhamento dos projetos aos entendimentos exarados pelas Cortes de contas, evitando-se atrasos de cronograma, auditorias e suspensões de projetos.
<h3> Definição e engajamento do órgão responsável pela gestão contratual </h3>
A gestão contratual é um desafio histórico dos contratos públicos, e já foi objeto de tentativas de aperfeiçoamento por diversos modelos de gestão, desde os tradicionais gestores de contratos, previstos no artigo 67 da Lei 8.666/1993 (art. 117 da Lei 14.133/21), até medidas mais complexas, como os órgãos gestores de PPPs, previsto no artigo 14 da Lei 11.079/2004. 
Uma questão que emerge como elemento central para a melhoria da gestão contratual pelo poder público diz respeito à alocação de competências entre órgãos e entidades da administração pública responsáveis pelos projetos. 
O tema, de fato, é bastante complexo. Não são uniformes as práticas relacionadas ao tema sequer em âmbito federal (a exemplo da atuação de agências como poder concedente em contratos de infraestrutura rodoviária e ferroviária, em contraposição a figuração da União como poder concedente em projetos de concessão de terminais portuários). 
Todavia, em uma abordagem mais pragmática, cumpre realçar a importância de haver uma definição prévia e inequívoca acerca daquele órgão ou entidade que atuará como gestor e como fiscal do contrato, as atribuições de cada qual, inclusive quanto a responsabilidade para a condução dos processos relacionados ao projeto. 
Nesse sentido, é crucial que o projeto seja gerido por uma pessoa a quem, por direito, caberá executar as atividades de ente contratante e a seu alinhamento, quando for o caso, com o órgão titular ou responsável pela gestão de determinado bem ou ativo que é delegado. Essas definições devem estar amparadas em atos definitivos que não podem ser, sob qualquer forma, ignorados ou desfeitos por alguém que, no cargo em exercício, é contrário ao projeto.
Em resumo, a indicação de um órgão competente para a gestão do contrato, guarnecendo-lhe das capacidades institucionais e jurídicas para assegurar a efetividade de suas decisões, não pode ser olvidada na estruturação do projeto. Buscar uma melhor governança entre os órgãos e entidades, a partir de um ato normativo definitivo, é uma forma de mitigar os riscos de o projeto ser interrompido por falta de interesse político em sua condução. 
<h3> Formação técnica dos gestores contratuais</h3>
A formação técnica dos gestores contratuais, é também, fator essencial para uma boa gestão das parcerias. Tal formação precisa ser realizada de acordo com a complexidade do objeto contratual. 
Essa formação deve ser pautada nas atividades necessárias para o cumprimento dos encargos do poder público estabelecidos para o projeto. Exemplo disso é a compreensão acerca dos riscos, dos prazos, das obrigações, das formas de pagamento, entre outros atividades inerentes à relação jurídica contratualizada. 
A título ilustrativo, tornou-se comum a inclusão nos contratos de parcerias a figura de verificadores independentes, como entidades auxiliares do poder público, com atribuições geralmente relacionados com a emissão de relatórios periódicos para avaliação do desempenho da parceira privada. O conhecimento da atuação dos verificadores, e das tarefas por ele desempenhadas deve ser conhecida dos gestores públicos, seja para assunção dessas atividades, seja para o devido acompanhamento dos relatórios emitidos pelos verificadores independentes.
Sugere-se, assim, a adoção de práticas, seja por meio da previsão contratual, seja por meio da institucionalização de programas de capacitação, que garantam uma melhor formação técnica de gestores responsáveis pela gestão de contratos de parceria. Não por outro motivo, diversos cursos de formação em parcerias público-privadas hoje são conhecidos dos gestores públicos e vem se tornando parte de programas de capacitação (a exemplo do curso CP3P, oferecido no Brasil pela APGM em conjunto com a Radar PPP). 
<h3> Conclusão</h3>
Em conclusão, as parcerias entre o setor público e o setor privado têm se destacado cada vez mais como uma alternativa para a execução de políticas públicas no Brasil. O crescente número de projetos estruturados e assinados nos últimos anos em nível federal, estadual e municipal, demonstra a importância que o setor tem ganhado no âmbito dos investimentos realizados. No entanto, é preciso endereçar obstáculos que dificultam a execução exitosa de projetos no país, tais como a falta de previsibilidade e segurança jurídica para atrair investimentos privados. 
Nesse sentido, é fundamental que os gestores públicos considerem temas de ordem prática na concepção e modelagem desses projetos, incluindo o endereçamento de pontos já trazidos pela jurisprudência dos Tribunais de Contas na modelagem dos projetos, a análise de benchmarks, a definição o engajamento prévio de gestores contratuais e a capacitação desses para acompanhamento dos projetos.
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As opiniões aqui expressas não representam necessariamente as opiniões da companhia à qual os autores estão vinculados.

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JOTA

PPPs têm se destacado cada vez mais como alternativa para execução de políticas públicas no Brasil

Desafios e soluções para modelagem de parcerias entre setor público e privado

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