Arthur Felipe dos Santos Accorsi

O crescente rombo fiscal no horizonte impôs ao governo a adoção de medidas que, sob a ótica de muitos, se mostram paliativas e socialmente questionáveis, por atacarem os sintomas do problema, não as verdadeiras causas estruturais. Ganham destaque a elevação do Imposto sobre Operações Financeiras (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/IOF">IOF</a>) e a edição da MP 1.303/2025.
Em maio, o Executivo majorou o IOF, visando inicialmente arrecadar R$  61 bilhões em dois anos, mas reduziu tal projeção <a href="https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2025/06/25/senado-aprova-texto-alternativo-da-camara-e-suspende-aumento-do-iof#:~:text=Com%20o%20novo%20decreto%2C%20a%20arrecada%C3%A7%C3%A3o%20era%20estimada%20em%20torno%20de%20R%24%2030%20bilh%C3%B5es">para R$ 30 bilhões até 2026</a>. Economistas lembram que o IOF é um imposto tóxico ao crescimento. Samuel Pessôa (FGV/IBRE) define-o como “<a href="https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2025/06/05/iof-nao-tem-sentido-economico-ao-agir-sobre-o-credito-analisa-economista.htm#:~:text=Com%20certeza%20o%20ideal%20%C3%A9%20acabar%20com%20o%20IOF.%20%C3%89%20um%20imposto%20horroroso.%20%C3%89%20um%20imposto%20sobre%20crescimento%20econ%C3%B4mico%2C%20sobre%20efici%C3%AAncia.%20O%20fato%20gerador%20do%20imposto%20do%20IOF%20%C3%A9%20um%20fato%20gerador%20que%20n%C3%A3o%20tem%20sentido%20econ%C3%B4mico.">horroroso. É um imposto sobre crescimento econômico, sobre eficiência</a>”, devendo ser zerado, salvo situações excepcionais.
<h3><a href="https://conteudo.jota.info/marketing-lp-newsletter-por-dentro-da-maquina">Quer acompanhar os principais fatos ligados ao serviço público? Inscreva-se na newsletter Por Dentro da Máquina</a></h3>
Não surpreende, portanto, que o Congresso, exausto de aumentos emergenciais, tenha derrubado, via <a href="https://www.camara.leg.br/noticias/1172611-projeto-suspende-decreto-do-governo-que-determinou-aumento-do-iof#:~:text=A%20proposta%20pode%20ser%20votada,propostas%2C%20mas%20ainda%20manteve%20aumentos.&amp;text=O%20autor%20do%20PDL%20314,cargos%20de%20confian%C3%A7a%E2%80%9D%2C%20afirmou.&amp;text=Se%20for%20aprovado%20na%20C%C3%A2mara,seguir%C3%A1%20para%20an%C3%A1lise%20do%20Senado.&amp;text=A%20reprodu%C3%A7%C3%A3o%20das%20not%C3%ADcias%20%C3%A9,assinatura%20'Ag%C3%AAncia%20C%C3%A2mara%20Not%C3%ADcias'.">Decreto Legislativo 314/2025</a>, os atos que elevaram o IOF – fato <a href="https://www.cnnbrasil.com.br/politica/congresso-nao-derrubava-um-decreto-presidencial-desde-1992-relembre/">inédito em 33 anos</a>. O recado foi dado: não é prudente aumentar a arrecadação por meio de tributos com função primordialmente regulatória da atividade econômica, ainda que se tente vender a ideia de que somente os mais ricos pagarão.
Diante o revés, o governo editou a <a href="https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2025/mpv/mpv1303.htm">MP 1.303/2025</a>, por meio da qual se busca arrecadar <a href="https://www.cnnbrasil.com.br/economia/macroeconomia/e-muito-facil-aumentar-imposto-diz-haddad-em-meio-a-crise-do-iof/#:~:text=A%20equipe%20econ%C3%B4mica%20decidiu%20aumentar,R%24%2041%20bilh%C3%B5es%20em%202026">R$ 31,4 bilhões até 2026</a>. Desta vez, o pretexto é buscar arrecadar dos “rentistas”, no entanto, mas impõe um custo social altíssimo, afetando diretamente a renda de pequenos investidores e revogando isenções fiscais que até então serviam para fomentar a economia em setores estratégicos como o imobiliário (FIIs) e o agronegócio (Fiagro).
Em contrapartida à elevação de tributos, reside uma alternativa de longo prazo mais eficaz: o investimento na valorização dos auditores-fiscais da Receita Federal. Esses servidores públicos têm se mobilizado desde novembro de 2024, buscando a recomposição de seu vencimento básico, significativamente corroído pela inflação.
A petição “<a href="https://change.org/AuditoresFiscaisRFB">Instalação da Mesa Específica dos Auditores-Fiscais da RFB e reajuste do vencimento básico</a>”, idealizada com a colaboração de mais de 600 auditores-fiscais de todo o país, foi lançada no Dia do Servidor Público de 2024 com pretensões de evitar a eclosão de uma greve. Apesar de reunir mais de 7.000 assinaturas, o Ministro da Fazenda não recebeu a representação da classe, não deu importância ao abaixo-assinado e pagou para ver.
O resultado foi inevitável: a deflagração de um movimento paredista que produziu grande impacto nas contas públicas, a ponto de <a href="https://www.metropoles.com/brasil/economia-br/governo-retira-r-815-bi-das-projecoes-de-receitas-extras">frustrar as expectativas de arrecadação em R$ 81,5 bilhões</a>. Ou seja, negligenciar essa questão não foi uma boa estratégia.
Apenas em um dos diversos processos de trabalho impactados pela greve, verificou-se a não conclusão de <a href="https://www.metropoles.com/distrito-federal/por-reajuste-auditores-lancam-nova-operacao-para-reduzir-arrecadacao#:~:text=O%20impacto%20real%20da%20greve,mais%20de%20R%24%2014%20bilh%C3%B5es">R$ 14,3 bilhões</a> em transações tributárias nos meses de janeiro e fevereiro de 2025. Essa arrecadação perdida já representaria quase metade da receita adicional esperada com o aumento do IOF até 2026.
O próprio Superior Tribunal de Justiça (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/stj">STJ</a>) reconheceu que a paralisação dos auditores da Receita “<a href="https://apet.org.br/noticia/sindifisco-nacional-confirma-suspensao-da-greve-dos-auditores-fiscais/#:~:text=internas%20ou%20no%20atendimento%20ao,ao%20poder%20p%C3%BAblico%2C%20segundo%20o">interrompe serviços essenciais</a>” e “<a href="https://apet.org.br/noticia/sindifisco-nacional-confirma-suspensao-da-greve-dos-auditores-fiscais/#:~:text=internas%20ou%20no%20atendimento%20ao,ao%20poder%20p%C3%BAblico%2C%20segundo%20o">afeta diretamente a capacidade do Estado de manter e custear a estrutura estatal e” “de financiar as políticas públicas</a>”. A descontinuidade dessas atividades vitais acarreta a redução da arrecadação, aprofundando a crise fiscal.
A eficiência da Receita Federal é notável, com um custo operacional inferior a 0,5% do montante arrecadado, um índice microscópico comparado a praticamente qualquer outro órgão público. Cada real investido na valorização dos auditores-fiscais gera um retorno significativo para o Estado. Casos como a extinção do Sicobe em 2023, que provocou <a href="https://www.poder360.com.br/poder-economia/brasil-perde-r-88-bi-sem-controle-fiscal-de-bebidas/#:~:text=O%20Brasil%20perdeu%20pelo%20menos,Eis%20a%20%C3%ADntegra%20do%20estudo">perdas de R$ 88 bilhões</a> no setor de bebidas e uma <a href="https://www.poder360.com.br/poder-economia/brasil-perde-r-88-bi-sem-controle-fiscal-de-bebidas/#:~:text=O%20sistema%20funcionou%20por%208,de%20arrecadar%20sem%20o%20Sicobe">redução anual de até R$ 30 bilhões</a> na arrecadação, ilustram a importância da fiscalização eficiente. Situações semelhantes ocorrem nos setores de combustíveis, cigarros e eletrônicos.
Cada carga contrabandeada e cada documento fiscal omitido representam tributos que deixam de ser arrecadados — ilícitos cuja detecção e responsabilização dependem, exclusivamente, da expertise técnica e da competência legal dos auditores-fiscais.
O Sindifisco Nacional estima que, com a normalização das atividades da Receita, mediante o satisfatório atendimento das demandas da categoria, o aumento imediato da arrecadação seria expressivo, alcançando cerca de <a href="https://www.poder360.com.br/poder-governo/parados-desde-novembro-auditores-dizem-que-podem-arrecadar-r-35-bi/">R$ 35,5 bilhões em seis meses e R$ 53,3 bilhões em 12 meses</a>, provenientes de autuações, cobranças e combate a fraudes.
Apesar da complexidade e relevância de suas funções, os auditores-fiscais da Receita Federal enfrentam uma década sem recomposição salarial real, desde o último <a href="https://www.correiobraziliense.com.br/economia/2025/06/7173451-greve-da-receita-federal-gera-prejuizo-de-rs-19-bilhoes-a-uniao.html#google_vignette:~:text=O%20governo%20federal%2C%20os,2019%22%2C%20informou%20o%20sindicato">acordo em 2016</a>. Em 2024, a Receita ficou de fora das mesas específicas e temporárias abertas pelo governo federal para a reestruturação de carreiras, nas quais foram concedidas recomposições salariais que variaram de 12,8% (magistério federal) a 30,4% (carreiras da Previc) para o biênio 2025-2026.
Essa desvalorização, refletida na remuneração inferior à de todos os seus pares nos fiscos estaduais e, por incrível que pareça, até mesmo de muitos fiscos municipais, resultou na desistência de 14 candidatos aprovados no último concurso para auditor-fiscal da Receita, que optaram por vagas mais atrativas.
No dia 11 de julho, após a maior greve da história recente, uma <a href="https://www.sindifisconacional.org.br/auditores-fiscais-aprovam-a-proposta-do-governo-suspendem-greve-e-mantem-estado-de-mobilizacao/">proposta insuficiente foi aceita</a> – majoritariamente por auditores-fiscais aposentados – e ofereceu-se 9,22%, exclusivamente para quem já está em final de carreira, e tão-somente a partir de abril de 2026. Tal índice corresponde a menos da metade do concedido à Procuradoria da Fazenda Nacional, com cuja remuneração básica os auditores-fiscais da Receita mantinham histórica equivalência.
A importância da valorização da administração fazendária é reconhecida por representantes de diferentes correntes políticas. Deputados como Sóstenes Cavalcante (PL-RJ) e Erika Kokay (PT-DF) <a href="https://www.youtube.com/watch?v=wquEP79dPJ8&amp;t=11570s">manifestaram apoio aos pleitos da categoria</a>. A precedência dessa classe de servidores públicos tem estatura constitucional, conforme prescrevem os incisos <a href="https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm#art37XVIII:~:text=XVIII%20%2D%20a%20administra%C3%A7%C3%A3o%20fazend%C3%A1ria%20e%20seus%20servidores%20fiscais%20ter%C3%A3o%2C%20dentro%20de%20suas%20%C3%A1reas%20de%20compet%C3%AAncia%20e%20jurisdi%C3%A7%C3%A3o%2C%20preced%C3%AAncia%20sobre%20os%20demais%20setores%20administrativos%2C%20na%20forma%20da%20lei%3B">XVIII</a> e <a href="https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm#art37XVIII:~:text=XXII%20%2D%20as%20administra%C3%A7%C3%B5es,42%2C%20de%2019.12.2003)">XXII</a> do artigo 37 da Constituição Federal de 1988: por exercerem atividades essenciais ao próprio funcionamento do Estado, devem contar com recursos prioritários para a realização de suas atividades.
Em resumo, aumentar o IOF ou implementar o disposto na MP 1.303/2025 são medidas pontuais e injustas, que elevam a carga tributária desnecessariamente, pressionam o consumo e a renda sem resolver o desequilíbrio fiscal. São políticas de curto prazo e efeito regressivo, que oneram especialmente as camadas médias e baixas da população.
<h3><a href="https://www.whatsapp.com/channel/0029VaDKpye0LKZ7DgvIBP1z">Inscreva-se no canal de notícias tributárias do JOTA no WhatsApp e fique por dentro das principais discussões!</a></h3>
Em contrapartida, valorizar a Receita Federal – concedendo a justa recomposição das perdas inflacionárias, oferecendo condições de trabalho e tecnologia – é investir na eficiência do Estado e na sustentabilidade fiscal, gerando ganhos robustos, de longo prazo. Essa estratégia amplia a base de arrecadação efetiva, promove justiça fiscal e combate, com eficácia, privilégios indevidos, a sonegação e as fraudes nos pontos em que de fato se concentram.
Como bem resumiu o Sindifisco, “<a href="https://www.metropoles.com/distrito-federal/auditores-da-receita-federal-mantem-mobilizacao-e-fazem-manifestacao">Valorizar os auditores é valorizar a República, a proteção à sociedade e prover os cofres públicos de dinheiro para as necessidades sociais</a>” e corresponde a uma ínfima fração do custo representado pelo aumento de tributos.
Embora tenham acabado com a paralisação, o problema estrutural da Receita Federal ainda não foi resolvido. Os 9,22% prometidos para somente daqui a 9 meses, depois de uma década do <a href="https://www.correiobraziliense.com.br/economia/2025/06/7173451-greve-da-receita-federal-gera-prejuizo-de-rs-19-bilhoes-a-uniao.html#google_vignette:~:text=O%20governo%20federal%2C%20os,2019%22%2C%20informou%20o%20sindicato">último acordo de reajuste</a>, perpetuam a desvalorização, revelando-se insuficientes para colocar a máquina arrecadatória novamente nos trilhos e a todo o vapor.
Nas palavras da deputada Erika Kokay, os auditores-fiscais da Receita são “servidores absolutamente fundamentais para o país” e sua atuação “se transforma em políticas públicas”. Portanto, senhor ministro da Fazenda, antes de novas elevações na carga tributária, priorize a valorização daqueles que fiscalizam e arrecadam os tributos já existentes, reconhecendo seu papel crucial para a garantia da saúde financeira do país e para a oferta de serviços públicos de qualidade a todos os brasileiros.

https://images.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/copy-of-jota-logo-high-cmyk.jpeg

JOTA

A chave para evitar novos aumentos de impostos

Desafio fiscal e urgente valorização da Receita Federal

Antes de novas elevações na carga tributária, é preciso priorizar a valorização daqueles que fiscalizam tributos já existentes