Andréa Mascitto

Fernanda Donnabella Camano

Um dos desafios práticos enfrentados pela advocacia tributária na atualidade é o de ter apreciada pelo Poder Judiciário a alegação de compensação em sede de embargos à execução fiscal, após a decisão do Superior Tribunal de Justiça (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/stj">STJ</a>) exarada no EREsp 1.795.347/RJ (2021), que assim teria “vedado”, não obstante estivesse até então autorizada pela mesma corte em sede de recurso repetitivo 1.008.343/SP (2010).
O primeiro ponto problemático reside no fato de que, até o julgado do EREsp referido (2021), incontáveis embargos à execução foram opostos para alegar a extinção do crédito tributário pela via da compensação, ocorrida antes do ajuizamento da execução fiscal. Não raro, estes processos contam com perícia concluída o que denota prejuízo para a efetividade da justiça se desconsiderada, uma vez que foram consumidos tempo e recursos das partes, do Poder Judiciário e dos seus auxiliares (peritos, assistentes técnicos), em afronta aos princípios ditados pelo Código de Processo Civil (CPC).
A superação de tal aspecto do problema – que se daria pela permissão ao contribuinte de permanecer na via dos embargos já apresentados, sem o descarte dos atos processuais ocorridos – depende da interpretação do EREsp 1.795.347/RJ e da forma com que a ele se dê observância.
De um lado, a convolação dos embargos à execução em ação anulatória nos parece o melhor e mais pragmático caminho para fazer cessar essa discussão processual e se alcançar e priorizar a decisão de mérito que efetivamente solucione a questão e é, afinal, o que se busca ao acionar o Judiciário.
Mas ainda que assim não se entenda, é de fato possível alegar que este julgado não superou o REsp repetitivo 1.008.343/SP (2010). Não houve a tão propalada “virada” jurisprudencial.
E por duas razões: (i) a primeira, porque a exegese atribuída pelo acórdão de 2021 ao REsp 1.008.343/SP, no sentido de que este somente seria aplicado quando a compensação tiver sido homologada à época do ajuizamento do executivo fiscal, é logicamente impossível. Ora, se o fisco a reconheceu como válida, não haverá execução fiscal a ser aparelhada, tampouco embargos fundados em compensação; (ii) a segunda, a de que nos termos prescritos pelo EREsp 1.795.347/RJ, aquele de 2010 (REsp 1.008.343/SP) continuaria a ser aplicável nos casos de pleito administrativo de compensação indeferido nesta esfera.
Esta situação ocorria, por exemplo, no âmbito federal, na vigência da IN SRF 21/1997, em que o contribuinte deveria apresentar “Pedido de Restituição” acompanhado do respectivo “Pedido de Compensação”. Portanto, a depender da situação fática de cada caso, não se aplica o julgado de 2021.
Não sendo a hipótese em que o contribuinte estava obrigado a requerer administrativamente a compensação, seguida de indeferimento, mas sim do exercício de seu direito por uma declaração de compensação, a sua alegação em embargos à execução é cabível atraindo a solução do REsp 1.008.343/SP.
Apesar de toda essa discussão e análise detida dos julgados, reiteramos que faz sentido o requerimento da convolação dos embargos para outra espécie de medida judicial antiexacional.
Mas aqui reside o segundo ponto do problema a ser enfrentado, qual seja, o que se relaciona ao prazo prescricional para a pretendida conversão.
Pensemos na situação em que o contribuinte requer a conversão dos embargos à execução em ação anulatória (“ordinária” ou a do artigo 169 do CTN) e a Fazenda Pública invoque o transcurso do prazo prescricional nos mesmos moldes em que previsto para o ajuizamento da ação originária a ser convolada. Noutros termos, o fisco poderia suscitar que transcorreram cinco anos da data da glosa da compensação, de modo a pleitear a aplicação do artigo 1º do Decreto 20.910/1932, ou 2 anos da decisão administrativa denegatória da compensação (glosa em sentido amplo), se valendo do prazo do artigo 169 do CTN. Tal raciocínio, no entanto, poderia ser afastado por quatro razões.
A primeira é a de que não se pode confundir o prazo prescricional para o ajuizamento originário de ação anulatória (seja a “ordinária”, seja a prevista no artigo 169 do CTN) com aquele previsto para a convolação. Registre-se que na maioria dos casos, a glosa da compensação ocorreu há muitos anos e o contribuinte utilizou-se do instrumento adequado à época para se insurgir em face dela, isto é, opôs no prazo legal os embargos à execução fiscal que, aliás, na situação examinada neste artigo, foram recebidos e processados pelo juiz.
Como decorrência, a segunda razão para o afastamento de suposto argumento fazendário encontra fundamento na teoria da actio nata, pressuposto para a fluência prescricional pois, para que este prazo se configure, é imprescindível a inércia do titular do direito. De pronto, o argumento da ocorrência da prescrição é afastado, visto que o ataque à exigibilidade do crédito tributário objeto da compensação, somado ao encadeamento dos atos processuais que se seguiram, refutam qualquer estado de inércia por parte do contribuinte.
A terceira razão é a de que há um ingrediente importante a ser levado em conta: o interesse do contribuinte para requerer a convolação só surgiu em 25/11/2021, quando publicado o acórdão do EREsp 1.795.347/RJ, que supostamente provocou a “virada” jurisprudencial. Antes deste evento, não havia motivo para a formulação do pedido de conversão dos embargos em ação anulatória, o que é logicamente incompatível com a fluência de prazo para a adoção de tal providência.
Por fim, ao opor tempestivamente os embargos à execução suscitando a validade da compensação glosada, de acordo com os requisitos exigidos no REsp 1.008.343/SP, não seria possível cogitar – anos mais tarde – de fluência de novo prazo prescricional, agora para o pleito de conversão para outra espécie antiexacional. O prazo para o contribuinte atacar a exigibilidade do débito compensado se esgotou justamente pelo exercício de tal direito. A questão se resolve por analogia à preclusão consumativa em favor do contribuinte, que pode ser definida como a “consumação de uma posição jurídica operada no curso do processo”<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>.
E o artigo 200 do CPC corrobora o que se afirma, ao prescrever que: “Os atos das partes consistentes em declarações unilaterais ou bilaterais de vontade produzem imediatamente a constituição, modificação ou extinção de direitos processuais”. Ou seja, se o contribuinte colocou em xeque a exigência daquele débito glosado pelo fisco, daí decorre o imediato efeito de impedir o transcurso do prazo prescricional bem como de reinaugurá-lo.
Assim é porque se o prazo originário foi cumprido de acordo com o entendimento até então prevalecente no âmbito do STJ, não se pode reinstaurar novo prazo prescricional, ainda mais considerando que este rege o marco temporal para o ajuizamento da ação originária, o que não é a hipótese, pois se assim fosse, equivaleria a apagar as relações jurídicas perfectibilizadas no passado.
Ainda que se possa admitir que a interrupção do prazo prescricional (que se deu com a intimação válida da Fazenda Pública nos embargos à execução fiscal, por força do § 1º do art. 240 do CPC) pudesse ter um termo final, com reinício de sua contagem para que o contribuinte pleiteie a conversão dos embargos para outra espécie antiexacional, indaga-se qual seria ele.
Não há dúvida de que se admitíssemos um marco interruptivo final da prescrição sucedido de seu reinício este seria a data em que transitar em julgado a decisão nos embargos à execução fiscal, seja a de “mérito” sobre o pedido de convolação, rejeitando-o, seja a que decreta a sua extinção sem análise sequer dos argumentos que subsidiam aquele pleito. A inércia configura requisito para o fluxo da prescrição, o que não se verifica na situação tratada.
Como se vê, trata-se de imenso desafio prático que, espera-se, seja enfrentado considerando a máxima da efetividade da tutela jurisdicional.
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Luiz Guilherme Marinoni, in Curso de Processo Civil, volume 2. São Paulo: Thomson Reuters RT, 2019, p. 685.

Fachada do edifício sede do  Superior Tribunal de Justiça (STJ)

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JOTA

Não houve a tão propalada 'virada' jurisprudencial no STJ

Desafio da convolação de embargos à execução em anulatória alegando compensação

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