direito ao esquecimento

Depp v. Amber: As variáveis econômicas de um caso sem vencedores

O que a Análise Econômica do Direito nos ensinaria sobre o julgamento?

depp heard
Crédito: Pixabay

O início de junho coincidiu com o fim de um litígio sobre direitos da personalidade que envolveu duas estrelas de cinema mundialmente conhecidas e que, nos últimos meses, ocupou os noticiários e o imaginário dos criadores de memes. Quando a disputa entre o ator Johnny Depp e a também atriz Amber Heard começou, ninguém sabia ao certo quando e como ela terminaria, mas a tragédia do resultado sempre foi anunciada: a história nunca teve herói ou heroína, vilão ou vilã e, do ponto de vista da Análise Econômica do Direito, nenhum vencedor ou vencedora.

Enquanto aguardavam por um veredicto, Depp e Amber tiveram que lidar com inúmeros custos, desde os mais óbvios até os shadow prices não tão evidentes. A demora do processo judicial certamente maltratou os envolvidos. Foram longos anos de espera e cada dia sem solução representava, para as partes, o agravamento na exposição e no constrangimento de ambos, além da expressiva quantidade de dinheiro que precisaram gastar com custas processuais e honorários advocatícios.

O júri entendeu, de forma unânime, que houve difamações, o que culminou na condenação ao pagamento de uma indenização de US$ 15 milhões (a ser paga por Amber) e de US$ 2 milhões (a ser paga por Depp). Após a decisão, Depp declarou que o “júri devolveu a minha vida”. Será mesmo? Uma indenização pecuniária é suficiente para restabelecer o status quo ante dos litigantes?

Não discutiremos neste artigo quem tem e quem não tem razão, mas, considerando que a decisão dada para o caso implicou, entre indenizações compensatórias e punitive damages, ao menos US$ 12,35 milhões, concentraremos nossa análise nos possíveis impactos econômicos e nos custos que um pedido de reparação moral, procedente ou não, pode provocar em um indivíduo ou na sociedade. Será mesmo que a discussão do caso Depp v. Amber é (só) sobre os limites das demais liberdades comunicativas? Pensamos que não.

Jack Sparrow, um famoso pirata do Caribe hollywoodiano, costumava dizer “para que lutar se podemos negociar?”, mas, embora a fala do pirata flertasse com o Teorema de Coase[1] (e com sua premissa de que, em um cenário de baixos custos de transação e direitos de propriedade bem definidos, os acordos privados necessariamente acontecerão, sendo o direito, nestes casos, indesejável e desnecessário) –, o intérprete do pirata não deixou que a vida imitasse a arte e, ao melhor estilo “faça o que eu digo, não o que eu faço”, preferiu o litígio ao acordo.

Depp processou sua ex-esposa e pleiteou uma indenização de US$ 50 milhões por difamação por conta de uma publicação feita por Amber em artigo publicado no jornal The Washington Post em 2018, quando a atriz já estava divorciada do ator. Dizia a publicação que Amber tornou-se uma figura pública de expressão na sociedade ao decidir falar sobre violência sexual e doméstica. A publicação não mencionava expressamente o nome de Depp, mas o ator argumentou que o conteúdo da publicação poderia induzir o público a pensar que poderia ter sido ele o autor dos abusos relatados por Amber.

Como contragolpe, Amber não deixou por menos e reagiu à ação de seu ex-marido com oferecimento de um countersuit, reconvindo em face de Depp e pedindo US$ 100 milhões de indenização, também por difamação, em razão de ter se sentido ofendida com uma publicação de 2020 na qual foi dito que as alegações de abuso contra Depp eram uma farsa.

Os jurados e juradas do caso decidiram que houve difamação e que Amber deveria ser condenada a pagar para Depp uma indenização US$ 10 milhões e mais US$ 5 milhões por danos punitivos (os quais, em razão de uma limitação da legislação do estado da Virgínia, local do julgamento, foram reduzidos para US$ 350 mil). Do mesmo modo, o júri entendeu que Amber também foi difamada por Depp e que este deveria pagar-lhe uma indenização de US$ 2 milhões, sem condenação por punitive damages.

Todavia, convenhamos: US$ 15 milhões, US$ 10,35 milhões, US$ 2 milhões ou mesmo o décuplo disso não chegam nem perto de reparar a honra ou restabelecer o status quo ante de Depp e Amber. O imbróglio custou-lhes muito mais e, sem segredo de justiça, implicou mais que um processo e indenizações: deixou cicatrizes indeléveis e irreparáveis para ambos. Todos perderam. O ator. A atriz. A dramaturgia. O público. O custo social e as externalidades negativas[2] não podem ser desconsiderados e é preciso pensar que uma indenização ou obrigação de fazer ou não fazer subestimadas ou superestimadas podem ocasionar uma série de incentivos perversos.

Depp foi chamado de “espancador de esposas” pelo conhecido The Sun[3]. Mais recentemente, deixou de ser o vilão do novo filme da franquia "Animais Fantásticos". O sexto filme de "Piratas do Caribe" foi cancelado, sendo que Depp, protagonista icônico dos primeiros cinco filmes, era figura indissociável da franquia. O mesmo vale para Amber: além de ser condenada a indenizar um dano milionário (que, talvez, sequer seja pago por ela), a atriz, já há um tempo, vem sofrendo forte repressão por parte da opinião pública (o famoso cancelamento). Não por outra razão, quase 5 milhões de pessoas, por meio de abaixo-assinado virtual, já pleiteiam pela remoção da atriz em seu próximo grande filme, visto que o público acredita que a atriz fabricou maliciosamente as alegações contra Depp.

O que a Análise Econômica do Direito nos ensinaria sobre o caso Depp v. Amber? Num primeiro momento, podemos analisar a questão a partir da ótica de que quanto maiores os níveis de relevância da informação, menores serão os benefícios advindos do cerceamento desse conteúdo[4], do que resulta o que chamamos de fórmula do direito ao esquecimento[5], a qual serviria para recomendar ou desaconselhar a aplicação da responsabilidade civil nos meios de comunicação como mecanismo de enforcement.

E, tendo em vista que o júri do caso Depp v. Amber decidiu que as falas eram 1) falsas, 2) difamatórias e 3) dolosas, ou seja, havia actual malice, knowledge of the falsity e reckless disregard, o caso necessariamente implicaria um dever de indenizar porque o benefício social auferido das publicações é pouco ou nenhum, pelo que, em regra, será eficiente sancionar informações falsas ou dolosamente descuidadas porque os proveitos dessa regulação superarão os seus custos.

Por outro lado, não há como fechar os olhos para a realidade. Ainda que Depp tivesse requerido como solução o apagamento da publicação ou um pedido de retratação pública de Amber ou uma obrigação de não fazer para que a atriz não mais falasse publicamente sobre o ator, ainda assim, as conclusões anteriores se manteriam: a magnitude do dano reputacional e a probabilidade de que tal se pulverizasse, justamente por se tratarem de pessoas famosas, tornaria inócuo um deferimento de bloqueio ou exclusão de informações.

Em um cenário de altos custos de transação, o dano em questão é de dificílima mensuração, todavia, já temos um indicativo. Apenas considerando a perda de riqueza (sem pensarmos em utilidade) na franquia "Piratas do Caribe", Depp deixou de ganhar US$ 22,5 milhões. O mesmo vale para Amber, visto que não sabemos qual serão os próximos passos da franquia "Aquaman" (embora possamos imaginar). Uma conta simples já indicaria que as perdas de Depp e Amber já ultrapassaram, de forma substancial, o valor acumulado das condenações.

A tutela ex post dos direitos da personalidade não nos parece ser o caminho mais eficiente para tratar do problema. A depender do caso, o direito ao esquecimento tende a causar um efeito reverso de lembrança como backfire ou bumerangue. A propositura de um processo acaba chamando atenção para informações sobre as quais poucas pessoas sabiam ou não mais se lembravam. Será que alguém algum dia esquecerá o caso Depp v. Amber? Depp e Amber conseguirão se esquecer do episódio?

Há males que vêm para males, ninguém logrou êxito nesta disputa. "Nem todo tesouro se resume à prata ou ouro”, diria, com mais razão do que nunca, o Capitão Sparrow.

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As conclusões deste artigo representam as opiniões de seus autores, não refletindo necessariamente a linha de pensamento da FGV Direito Rio, mas sim a percepção acadêmica dos responsáveis por sua elaboração.


[1]ULEN, Thomas; COOTER, Robert. Law and Economics. Berkeley Law Books: Berkeley, 6a Ed.2016. p.428

[2] PORTO, Antonio José Maristrello. GAROUPA, Nuno. Curso de Análise Econômica do Direito. Rio de Janeiro: Grupo Gen, 2020, p. 259.

[3]CHRISTODOULOU, Holly; POLLARD, Chris.OUT OF HIS DEPP Wife-beater Johnny Depp LOSES bid to appeal ruling after The Sun revealed he beat ex Amber Heard 12 time. The Sun. 2021. Disponível em:https://www.thesun.co.uk/news/14449711/johnny-depp-appeal-high-court-ruling-abuse-amber-heard/. Acesso em: 01 de jun de 2022.

[4]Porto, Antônio Maristrello; Franco, Paulo Fernando de Mello. Por uma Análise Econômica do Direito ao Esquecimento: A Fórmula do Direito ao Esquecimento. Em: Revista de Direito, Economia e Desenvolvimento Sustentável .6.n,1. p..98, 2020.

[5] Franco, Paulo Fernando de Mello. Por uma Análise também Econômica do Direito ao Esquecimento. Tese de Doutorado aprovada e apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito, Instituições e Negócios (PPGDIN) da UFF, sob a orientação do prof. Edson Alvisi (UFF) e co-orientação do prof. Guillermo Blázquez (UVIGO).logo-jota