Gustavo Oliva Galizzi

A abertura, pela Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”), de processo administrativo para averiguar a regularidade da utilização de hedge – proteção cambial – pela Petrobrás suscita questões importantes, que interessam não só a companhias abertas ou estatais, mas também a companhias fechadas e de controle privado, inclusive no contexto de uma operação de M&amp;A. Tais questões se relacionam à regularidade das demonstrações financeiras e eventual responsabilidade dos administradores – conselheiros e diretores – de companhias.
No caso da Petrobrás a investigação foi motivada por queixa feita por um ex-conselheiro, tendo por objeto o reexame dos balanços patrimoniais de 2013 a 2015 da estatal. Após a avaliação, a CVM pode abrir um processo sancionador, aprofundar a análise de legalidade das operações de hedge por meio de um inquérito ou, ainda, se dar por satisfeita com as explicações da estatal e encerrar o caso. Seja qual for o resultado, interessa tratar aqui da posição do administrador: até onde vai sua responsabilidade caso constata a irregularidade dos informes financeiros? Qual o procedimento a ser adotado em caso de suspeita de irregularidade? Há algo previsto em lei que abone a responsabilidade do administrador?
No regime da lei societária o administrador não é pessoalmente responsável pelas obrigações que contrair em virtude de ato regular de gestão; responde, porém, civilmente, pelos prejuízos que causar quando proceder com culpa ou dolo. Portanto, para fins de responsabilização, é necessário provar que o administrador, mesmo dentro das suas atribuições, agiu com culpa ou dolo, como no caso de aprovar negócio da companhia sem se informar devidamente se o valor proposto condiz com a avaliação do ativo, ou se há razoabilidade nas condições de pagamento tendo em vista operações de porte similar. De igual modo, em se tratando de operações de hedge, é preciso verificar se as condições do contrato são razoáveis, se os riscos da operação superam os potenciais benefícios de proteção cambial, se o agente financeiro intermediador goza de credibilidade e solvência, entre outros fatores.
Ainda segundo a lei, exime-se de responsabilidade o administrador que faça consignar sua divergência em ata de reunião do órgão de administração – conselho ou diretoria – ou, não sendo possível, dela dê ciência imediata e por escrito ao órgão da administração, ao conselho fiscal ou à assembleia de acionistas. Nesse sentido parece ter sido o procedimento adotado pelo antigo conselheiro da Petrobrás, representante dos acionistas minoritários: ao rejeitar as contas de 2013 e 2014 e solicitar à CVM a abertura de processo administrativo ele registra seu inconformismo e se exime de eventual responsabilidade nos termos da lei societária.
De certa forma parte das questões abordadas acima foi enfrentada em caso movido pela Sadia contra seu antigo diretor financeiro, que envolvia também a utilização de hedge com o objetivo de amenizar os impactos financeiros da crise de 2008. Os contratos cambiais, firmados pela Sadia na queda do dólar, teriam rendido lucros à companhia, mas a situação se inverteu depois da desvalorização do real. Com um prejuízo de aproximadamente 2,5 bilhões de reais em operações consideradas de alto risco, a Sadia recorreu ao Judiciário buscando reaver do ex-diretor financeiro as perdas sofridas. A ação, contudo, foi julgada improcedente, tendo a Justiça entendido que, uma vez aprovadas pelos acionistas as demonstrações financeiras e as contas da administração, não se justifica buscar a responsabilidade do diretor por atos de gestão.
A decisão foi fundamentada em um dispositivo da lei societária segundo o qual a aprovação, sem reserva, das demonstrações financeiras e das contas exonera de responsabilidade os administradores e fiscais, salvo erro, dolo, fraude ou simulação. O dispositivo, que à época da promulgação da lei, em 1976, tinha por objetivo fomentar a atividade de administração de companhias, adquiriu com o tempo utilidades distintas, sendo invocado inclusive no contexto de operações de M&amp;A entre companhias fechadas. Não é raro, em operações de M&amp;A, a inclusão pelo vendedor, no contrato de compra e venda de ações, de cláusula determinando ao comprador a convocação de assembleia de acionistas para data imediatamente posterior a do fechamento tendo como ordem do dia a aprovação das contas da companhia até aquela data.
Na essência a cláusula tem dois objetivos: (i) um aparente, de obter quitação do comprador em relação à situação patrimonial da companhia que lhe foi entregue; (ii) um subcutâneo, de conferir quitação aos administradores antigos da companhia pela regularidade das contas apresentadas até ali. Como se vê, a cláusula, aparentemente simples, gera efeitos relevantes para a operação, sendo essencial às partes uma assessoria jurídica qualificada para compreendê-la e endereça-la na mesa de negociação.

Mallet of justice!

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JOTA

Para fins de responsabilização, é necessário provar que o administrador, mesmo dentro das suas atribuições, agiu com culpa ou dolo

Demonstrações financeiras e responsabilidade dos administradores

Para fins de responsabilização, é necessário provar que o administrador, mesmo dentro das suas atribuições, agiu com culpa ou dolo