Jaana Flávia Fernandes Nogueira

A Organização das Nações Unidas (ONU) declarou 15 de setembro como o Dia Mundial da Democracia, em 2007, para celebrar a assinatura da Declaração Universal da Democracia, em 1997. Rememorar essa data é especialmente importante em meio a contextos que a ameaçam, como atuais governos extremistas, de diferentes orientações ideológicas, e movimentos em favor do uso desregulamentado de tecnologias que, sob o dissimulado mantra da liberdade de expressão, produzem desinformação e minam a possibilidade de vivenciarmos sociedades verdadeiramente democráticas.
A citada Declaração reforça as articulações entre democracia e educação, faces que são de uma mesma moeda, ao afirmar que uma sociedade democrática deve ser voltada à educação, ao mesmo tempo em que destaca o papel dessa para a manutenção do Estado democrático. Direito humano fundamental previsto em diferentes normativos, como na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, em âmbito internacional, e na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em âmbito nacional, a educação é central para o exercício da cidadania.
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Com efeito, a chamada Constituição Cidadã, a mais democrática constituição da história do nosso país, estabeleceu garantias importantes ao povo brasileiro no campo da educação. De um lado, traz uma ampla definição de suas finalidades, qual seja, o “pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (art. 205).
De outro, estabelece deveres do Estado, inicialmente prevendo como obrigatório e gratuito o ensino fundamental e, posteriormente, a educação básica dos 4 aos 17 anos de idade (art. 208, I, alterado pela Emenda Constitucional 59, de 2009).
Como mostram dados da publicação Education at a Glance 2024, divulgada recentemente pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/OCDE">OCDE</a>), o Brasil tem um número de anos de escolaridade obrigatória elevado (13 anos), superior inclusive à média dos países da OCDE (11 anos). As leis, contudo, não bastam para a garantia dos direitos, tal qual nos ilustram a nossa história, cheia de reformas educacionais sem mudanças na prática, e as evidências do nosso presente.
Atualmente, o Brasil tem uma taxa de atendimento das populações de 4 e 5 anos de idade de 92,9%, de 6 a 14 anos de 99,4% e de 15 a 17 anos de 91,9%, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) Contínua, de 2023. São números elevados e que retratam o esforço que o país fez para colocar sua população na escola, mas considerando a obrigatoriedade da escolarização, é preciso atentar para cerca de 1 milhão de crianças e jovens nessas faixas etárias que não frequenta e nem concluiu a educação básica.
Não é possível deixar de mencionar, ainda, os mais de 68 milhões de brasileiros e brasileiras com 18 anos ou mais de idade que não concluíram esse nível educacional e nem frequentam a escola, ou os cerca de 5,1 milhões de pessoas com 15 anos ou mais que não sabem sequer ler e escrever, competências básicas para a vida plena na sociedade.
Se os problemas de acesso à educação ainda não foram superados, a eles associam-se aqueles relacionados à qualidade do ensino. Os resultados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) oferecem uma mostra, ainda que limitada, do tamanho do desafio. Esse indicador agrega informações sobre o fluxo escolar dos estudantes (taxa de aprovação) e rendimento escolar (nota em língua portuguesa e em matemática advinda do Sistema de Avaliação da Educação Básica).
Em 2023, o país obteve um Ideb de 6,0 nos anos iniciais do ensino fundamental, 5,0 nos anos finais do ensino fundamental e 4,3 no ensino médio, etapas que tinham metas para 2021 de 6,0; 5,5 e 5,2, respectivamente. Não desconsiderando os impactos trágicos da pandemia da Covid-19 na educação nacional, é possível afirmar que são resultados aquém dos desejáveis, mais ainda se considerarmos que esse indicador afere uma pequeníssima parte do necessário para o alcance da já mencionada finalidade da educação.
O preparo das crianças e jovens para o exercício da cidadania no Brasil requer uma educação pública forte, sobretudo levando-se em conta que 80% dos estudantes da educação básica estão nesse setor. Para tanto, é preciso enfrentar pautas há muito postergadas na agenda educacional.
É o caso, por exemplo, da construção do Sistema Nacional de Educação, inscrito na Constituição pela mesma Emenda Constitucional que ampliou a escolaridade obrigatória, há 15 anos, mas cuja relevância já está declarada por educadores do país pelo menos desde o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, de 1932. Dada a forma federativa de organização do Estado brasileiro, o regime de colaboração entre a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios, articulado por meio de tal sistema, é estratégico para a garantia do direito à educação.
Nesta semana em que se comemora o Dia Mundial da Democracia cabe refletir sobre sua relação com a educação, sobre os avanços observados nesses dois campos – mesmo que lentos e incrementais – e sobre as demandas do presente. O letramento digital da população, em todas as etapas da vida, é uma dessas demandas urgentes. Compreender, utilizar e, para além disso, criar informações e conhecimentos mediante o uso de tecnologias digitais pressupõe uma postura crítica e reflexiva diante dessas mesmas tecnologias. Um dos muitos desafios para a educação e para a democracia contemporâneas.

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JOTA

Preparo das crianças e jovens para o exercício da cidadania no Brasil requer uma educação pública forte

Democracia e educação: entre avanços e desafios

Cabe a reflexão sobre a relação da democracia com a educação, sobre os avanços observados nesses dois campos e sobre as demandas do presente