Diego Franco de Araújo Jurubeba

A ascensão de partidos populistas de direita em diversos países tem suscitado debates e reflexões profundas acerca de seu papel nas democracias. Com uma mistura pouco clara de ideologias e muita insatisfação com as rápidas mudanças sociais e econômicas, o discurso de seus membros frequentemente se inclina para o divisionismo, a intolerância, a xenofobia e o ataque aos direitos humanos.
Diante das tensões geradas, não raro esses partidos têm sido alvo de propostas de proibição em variados países.
Na Alemanha, por exemplo, há um debate em curso sobre a possibilidade de banir o partido de extrema direita Alternativa para a Alemanha (Alternative für Deutschland ou AfD na sigla em alemão). Ao mesmo tempo que a agremiação registra avanço nas pesquisas, alcançando 21% de apoio popular,<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a> as autoridades de inteligência têm alertado para o crescente extremismo entre seus apoiadores.<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>
Nas comemorações do 75º aniversário da convenção constitucional, o presidente Frank-Walter Steinmeier apelou pela preservação da democracia na Alemanha. Afirmando ser necessário contradizer “mentiras de inimigos da liberdade”, Steinmeier acrescentou os inimigos da constituição querem destruir seus oponentes políticos e promover a dominação total, contrariando a democracia prescrita pela Constituição Alemã.<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>
Embora não tenha citado expressamente a AfD, ficou evidente que Steinmeier tinha o partido em mira. Seu discurso ocorreu após a publicação de estudo do Instituto de Direitos Humanos da Alemanha que explorou a possibilidade de o Tribunal Constitucional Federal banir a AfD, em conformidade com o artigo 21 do texto constitucional.<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>
Desde então, a controversa medida tem levantado questões fundamentais relacionadas à liberdade política, à preservação do pluralismo ideológico e à manutenção dos pilares democráticos. Até um editorial da revista Der Spiegel clamou para que os “inimigos da constituição” fossem banidos, alegando que “é hora de defender a democracia com armas mais afiadas”.<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a>
Há razões, contudo, para não banir grupos com uma agenda tão obscura e ocasionalmente conduzidos por oportunistas e demagogos?
De fato, a discussão em torno da proibição de partidos populistas é complexa e suscita considerações importantes. Todavia, exemplos do passado mostram que, em alguns casos, o banimento de partidos extremistas levou a uma ressurgência desses grupos com maior apoio e radicalismo. Além disso, a proibição pode conferir aos seus membros uma aura de “mártires” e gerar simpatia entre alguns setores da sociedade.
Na própria Alemanha, no período entreguerras, os partidos extremistas foram banidos ou restringidos pelas autoridades. Isso não apenas falhou em conter o extremismo, como contribuiu para a polarização e para a percepção de que as vozes dissidentes estavam sendo silenciadas. Alimentou-se, com isso, um ambiente propício para a ascensão de movimentos radicais, como o nazismo.
Do mesmo modo, em algumas regiões que enfrentam movimentos separatistas, a proibição de partidos que advogam a independência frequentemente resultou no fortalecimento dos grupos proibidos. Um exemplo é o ETA, no País Basco, onde o banimento de partidos nacionalistas ocasionou um aumento do apoio ao movimento separatista.
Nesse contexto, permitir que partidos populistas de direita – e de esquerda também – operem dentro dos limites legais é recomendável até como forma de monitorar suas atividades e expor suas ideologias ao escrutínio público. Do contrário, o banimento puro e simples pode levar esses grupos a operarem na clandestinidade, dificultando o acompanhamento e a compreensão de suas atividades.
A par disso, a existência desses partidos não deixa de ser um teste para a sociedade civil e para os demais partidos políticos. Sua presença pode incentivar uma reflexão mais profunda sobre a representatividade, a comunicação política e as políticas públicas, potencialmente levando a reformas construtivas.
A despeito dos exageros, não há dúvidas que esses partidos muitas vezes exploram questões que são de preocupação genuína para parcela importante da população, como imigração, segurança nacional e economia. Com o simples banimento, pode-se negligenciar a discussão e o enfrentamento de problemas sociais de maneira aberta e eficaz. Ademais, a marginalização generalizada de suas vozes pode resultar em protestos violentos ou outras formas de desordem social.
Por último, a proibição de partidos políticos, mesmo aqueles com ideologias controversas, não deixa de ser uma grave restrição à liberdade de expressão e à participação política. Em uma sociedade democrática, é fundamental que uma variedade de opiniões e perspectivas seja representada no cenário político, possibilitando um debate robusto e uma escolha informada por parte dos eleitores.
É claro que esses argumentos não negam a existência de adversidades e preocupações legítimas relacionadas aos partidos populistas. No entanto, eles enfatizam a necessidade de equilibrar os princípios democráticos fundamentais com a busca por soluções eficazes e sustentáveis para lidar com as questões que esses partidos levantam. Regular e reprimir discursos que afrontam a democracia e os direitos humanos é o desafio que se impõe nesse caminho.
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Müller, Claudia. AfD erreicht neuen Höchstwert. Tagesschau. Disponível em: https://www.tagesschau.de/inland/deutschlandtrend/deutschlandtrend-3388.html. Acesso em 23 ago. 2023.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a>Verfassungsschutz beobachtet die AfD auch in Hessen. Hessenschau. Disponível em: https://www.hessenschau.de/politik/verfassungsschutz-beobachtet-die-afd-auch-in-hessen,verfassungsschutzbericht-hessen-afd-100.html. Acesso em 23 ago. 2023.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> Steinmeier-Rede auf Herrenchiemsee: “Verächter der Demokratie in die Schranken weisen”. Tagesschau. https://www.tagesschau.de/inland/innenpolitik/steinmeier-bundespraesident-122.html. Acesso em 23 ago. 2023.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> CREMER, Hendrik. Warum die AfD verboten werden könnte. Berlim: Deutsche Institut für Menschenrechte, 2023. Disponível em: https://www.institut-fuer-menschenrechte.de/fileadmin/Redaktion/Publikationen/Analyse_Studie/Analyse_Warum_die_AfD_verboten_werden_koennte.pdf. Acesso em 23 ago. 2023.
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> HIPP, Dietmar. Verfassungsfeinde verbieten! Der Spiegel. Disponível em: https://www.spiegel.de/politik/radikalisierung-der-afd-verfassungsfeinde-verbieten-a-50bdd3e1-8968-47e7-ba9c-5072b4e304f5. Acesso em 23 ago. 2023.

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JOTA

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