Carlos Ragazzo

Na última semana, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) organizou uma audiência pública para discutir e colher sugestões a respeito do sistema de processo eletrônico que começará a ser utilizado em breve pelo órgão: o Sistema Eletrônico de Informações, mais conhecido como SEI. Para quem não conhece, o SEI é um software livre criado e, em certa medida, popularizado pelo TRF da 4ª. Região para transferir a criação e a gestão de documentos para um ambiente sem papel. O SEI foi criado pelo departamento administrativo no TRF e possui algumas diferenças com relação ao processo eletrônico para demandas judiciais, embora tenha premissas parecidas.
Embora esse seja um passo natural, que já foi adotado por outros órgãos públicos e é relativamente comum no Poder Judiciário, acho que vale à pena gastar algumas linhas para tentar prever o que isso representa para o órgão. E, mais ainda, como o processo eletrônico poderá alterar a vida dos advogados e demais profissionais que militam na área concorrencial.
A implantação do sistema vai se dar em duas fases. Na primeira, o processo eletrônico vai transferir para o ambiente virtual rotinas de trabalho do CADE. São exemplos clássicos os modelos de documentos, o trâmite interno de revisão e assinatura de notas técnicas, além do gerenciamento de procedimentos internos, como o pedido de férias dos servidores. Mas já irá incluir alguns pontos relevantes para o dia-a-dia dos advogados, que poderão consultar a qualquer momento e em qualquer lugar os processos em trâmite no órgão, tornando desnecessários os pedidos de cópia e vista dos autos. A segunda fase, ainda sem prazo (mas com previsão para o segundo semestre de 2015), é que dá o ponto de partida para a revolução tecnológica no CADE. Ela inclui a submissão eletrônica de atos de concentração, intimação e toda uma rotina de interação com os advogados meramente por meio do ambiente virtual, num esforço para colocar em prática o projeto chamado “CADE sem Papel”.
<h4>Submissão eletrônica de atos de concentração, intimação e toda uma rotina de interação com os advogados meramente por meio do ambiente virtual, será ponto de partida para revolução tecnológica no CADE.</h4>
A mudança de paradigma de gestão do CADE não é de agora. O órgão vem investindo em melhorias administrativas, de forma a vencer o problema causado pela falta de funcionários suficientes para conduzir os processos administrativos e os atos de concentração. A criação de uma coordenação de triagem foi um divisor de águas, permitindo a queda brutal nas médias de tempo para análise de casos simples, hoje em torno de 20 dias. Esse feito não foi nada trivial, já que as médias ficavam em torno de 150 dias no ano anterior à entrada em vigor da nova lei. Processos de complexidade média também tiveram resultados positivos, mas dessa vez por conta de outra mudança estrutural: a criação de coordenações especializadas, o que gerou expertise setorial e viabilizou análises mais rápidas pelos agentes públicos.
Só que um detalhe, que talvez pouca gente saiba, é que esses resultados foram alcançados sem que o CADE tivesse um sistema eletrônico. Essencialmente, os dados eram guardados em tabelas de Excel, sem qualquer sofisticação. No final dos anos 2000, o CADE iniciou um movimento para desenhar e adotar um formulário eletrônico para a notificação de atos de concentração, submetendo o usuário a uma plataforma nada amigável e pouco adaptável às customizações que seriam necessárias para cada operação (por conta dos diferentes setores e por conta dos graus diferentes de complexidade que cada operação tem). Com um número enorme de críticas dos advogados, o formulário eletrônico foi sabiamente abandonado.
Agora o que se avizinha nada tem a ver com o projeto abandonado. O SEI parte de algumas premissas interessantes e que podem sim ajudar o órgão na sua cruzada pró-eficiência.
O primeiro ponto é que o SEI já é uma plataforma de processos administrativos utilizada por outros órgãos públicos, entre os quais CVM, Embrapa e, em breve, Anatel. Por que isso é importante? Basicamente, por dois motivos. Não é difícil imaginar um futuro em que os sistemas eletrônicos estejam razoavelmente padronizados, fazendo com que advogados que militam em áreas diferentes (regulatória e concorrencial, por exemplo) não tenham qualquer custo adicional no aprendizado no sistema. E, além disso, como qualquer sistema operacional, um número maior de usuários e órgãos utilizando o SEI, fará com que mais programadores estejam interessados em melhorá-lo, fazendo com que inovações se tornem mais frequentes.
Aliás, hoje o sistema está focado na criação, gestão e armazenamento de documentos. E essa função apenas já gera resultados impressionantes na produtividade. Mas amanhã o sistema pode evoluir para outras funções relacionadas à atividade fim do CADE. Imagino um futuro não tão distante em que é possível acessar informações que vão tornar a análise mais rápida. Ao receber uma operação, o sistema já pode identificar imediatamente todos os precedentes do CADE no setor, além de fornecer as bases de dados públicas e privadas (quando o CADE as tiver adquirido, claro), agilizando os processos e também reduzindo o custo privado de prover essas informações. A autoridade de concorrência de Portugal já possui um sistema semelhante, permitindo pesquisas avançadas até sobre temas específicos dentro de setores, o que fez com que o órgão conquistasse prêmios da Outsystems (agility e innovation awards).
O segundo ponto diz respeito ao aumento do acesso à informação. Embora o CADE seja reconhecido internacionalmente como um dos órgãos de concorrência mais transparentes do mundo, com sessões públicas de julgamento transmitidas pela internet, a pesquisa a decisões jurisprudenciais é, no mínimo, complicada. O mecanismo de busca não é dos mais eficientes e as opções de pesquisa tampouco. O problema é antigo e relacionado à forma como as decisões eram estocadas: em formato de imagem, tornando mais difícil a pesquisa por palavras. A transição para o modelo sem papel trará uma transformação nas possibilidades de acesso à informação para pesquisas, acadêmicas ou profissionais. O ponto sensível, claro, diz respeito às informações de caráter sigiloso que o órgão guarda. Sem exceção de outros elementos de controle de confidencialidade, o cadastro prévio de usuários parece um bom início.
É importante chamar a atenção para o fato de que o projeto “CADE sem Papel” irá aumentar substancialmente a produção de informação. Não só o mapeamento de jurisprudência se tornará mais fácil, como também será muito mais viável criar bases de dados internas, gerando resultados de gestão (como o controle de prazos de fases intermediárias de um processo), e estatísticas que são relevantes para demonstrar o padrão de funcionamento do órgão, como, por exemplo: (i) número de operações reprovadas ou sujeitas a restrições; (ii) tipos de setores em que ocorreram concentrações; (iii) quantidade de acordos celebrados pelo CADE; (iv) miscelâneas, como partes requerentes ou processadas, datas, tipos de operações, prazos, gun jumping, emendas à notificação original. Enfim, as possibilidades são infinitas.
O futuro próximo é o processo eletrônico nacional. A criação de um sistema integrado que poderá ter compatibilidade não só entre órgãos do Poder Executivo, mas também envolver e ter interoperabilidade com os Poderes Judiciário e Legislativo, criando-se plataformas integradas. Talvez em pouco tempo, em um movimento de incrível simplificação, o Poder Público poderá também investir na informalidade, com respeito ao registro das informações, viabilizando, por exemplo, reuniões por meio de videoconferências. E isso é só o começo.

human hand and computer keyboard as symbol of high technology

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Defesa da Concorrência

O Processo Eletrônico no CADE