Lara Caroline Miranda

No atual contexto pandêmico, em que o <a href="https://coronavirus.jhu.edu/map.html" target="_blank" rel="noopener noreferrer">Brasil ultrapassou a marca dos 580.000 e, o mundo, dos 4,6 milhões de óbitos</a> em decorrência da Covid-19, as controvérsias a respeito do quadro sanitário nacional movimentam o Poder do Judiciário, demandando soluções que, não raramente, impõem a análise das políticas públicas de enfrentamento à Covid-19 tomadas pelos poderes executivos nacionais.
A despeito da inexistência de consenso doutrinário a respeito dos indicadores que permitam avaliar em que medida o Poder Judiciário é deferente ao ato técnico da Administração ou interveniente nas políticas públicas, compreender como os Tribunais Superiores têm se comportado é assunto de interesse jurídico, sociológico e político.
<a href="https://www.jota.info/produtos/saude?utm_source=Banner%20site&amp;utm_medium=Artigos&amp;utm_campaign=CTA_Saude_materias"><img class="aligncenter wp-image-292716 size-full" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/cta-jota-pro-saude.png" width="688" height="688" /></a>O Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem sido demandando a resolver uma série de questões afetas à pandemia. No presente artigo, as controvérsias a respeito da determinação de internação imediata de pacientes em leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) destinados ao tratamento da Covid-19 ganha relevância, com o objetivo de compreender qual o nível de sindicância efetuado pelo Tribunal sobre as políticas públicas implementadas pelos entes federados.
Nas Suspensões de Liminar e de Sentença – SLS nº 2.918 e 2.922, o município de Cuiabá e o estado de Mato Grosso, respectivamente, diante da negativa obtida no Tribunal de Justiça do Mato Grosso, pleitearam perante o STJ a suspensão de mais de duzentas liminares que determinavam a internação de pacientes com Covid-19 em leitos de UTI.
Em ambas as situações, o presidente da Corte, min. Humberto Martins, entendeu caracterizada lesão à saúde pública e suspendeu as liminares postuladas tendo, inclusive, estendido os efeitos de sua decisão para futuros casos similares.
<blockquote class="jota-article__eye">Os fundamentos jurídicos utilizados podem nos guiar ao mapeamento inicial de possíveis critérios a serem empregados pelo Poder Judiciário ao decidir se imiscuir, ou não, nas decisões técnicas tomadas pelo Poder Executivo.</blockquote>
De início, sedimentando as bases para o conhecimento das referidas SLS’s, a comprovação da lesão grave e iminente a algum bem jurídico é analisada e, admitida, sob o argumento de um sistema de saúde público prestes a colapsar.
Em seguida, adentrando ao mérito, o raciocínio jurídico parece ser desenvolvido em torno da avaliação de 2 critérios básicos: a presunção de legalidade atos administrativos e o respeito ao princípio constitucional da eficiência.
No que pertine à legalidade, a remissão à <a href="http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5880765" target="_blank" rel="noopener noreferrer">ADI nº 6.341/2020</a>, por meio da qual o Supremo Tribunal Federal decidiu pela competência concorrente dos entes federados na adoção de medidas de enfrentamento da pandemia, deu o tom de uma decisão calcada em normas jurídicas recentes, especialmente projetadas para fazer frente à crise sanitária e tendentes à deferência para com o ato técnico da administração.
É, contudo, na construção em torno do princípio constitucional da eficiência, que a discussão ganha ares mais interessantes.
Sem citar expressamente o mandamento do artigo 37 da Constituição Federal, a decisão o aborda sob dois diferentes vieses: (i) a especialização técnica peculiar ao Poder Executivo e (ii) a necessidade de medição do desempenho do administrador na condução da política pública.
Resta evidente, no primeiro viés, o acolhimento da doutrina da deferência administrativa – doctrine of administrative deference, uma vez que a decisão discorre sobre a necessidade de respeito às escolhas do agente público, considerando que elas representam, in casu, uma acomodação razoável das possibilidades que estavam ao seu alcance.
Ainda sobre o assunto, a decisão remete ao existente sistema de regulação dos leitos de UTI, gerido de modo a atender às prioridades clínicas elencadas pelas secretarias estaduais e municipais de saúde para, ao final, sustentar a importância do respeito à especialização dos órgãos executivos, que avaliam e resolvem problemas complexos e específicos de suas áreas de atuação.
A medição do desempenho do administrador público, por sua vez, é fundamentada juridicamente na obediência à <a href="https://atos.cnj.jus.br/files/original170116202103306063595c4cb6b.pdf" target="_blank" rel="noopener noreferrer">Recomendação nº 92/2021</a>, do Conselho Nacional de Justiça, e ao <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del4657compilado.htm" target="_blank" rel="noopener noreferrer">art. 22 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro</a>, normas que balizam as decisões judiciais na análise das políticas públicas, estipulando que compete aos magistrados considerar os obstáculos enfrentados pelo gestor ao concretizar as políticas de sua competência.
No âmbito fático, a decisão ressalta que a falta de leitos de UTI, que originou os pedidos liminares combatidos, “não se deu por má gestão da administração pública”, que tem baseado suas escolhas em uma série de condições que interferem no funcionamento do Sistema Único de Saúde.
Cite-se, em arremate, que nenhuma das decisões analisadas foi objeto de recurso e, portanto, transitaram em julgado sem a alteração dos fundamentos acima expostos, uma vez que não foram sequer levadas à apreciação de algum órgão colegiado da Corte.
O fato é que, de um lado, o Poder Executivo deve ter preservada sua liberdade de conformação política e, de outro, as práticas decisórias do Poder Judiciário precisam zelar, a um só tempo, tanto pela efetivação dos direitos fundamentais, quanto pelo controle da atuação do gestor público.
Nas ações ora examinadas, nota-se que o STJ se utilizou de dois critérios para não intervir no ato técnico de planejamento da política pública de enfrentamento à Covid-19, quais sejam, a presunção de legalidade dos atos administrativos e o respeito ao princípio constitucional da eficiência.
Ainda não há consenso doutrinário que nos indique serem esses os únicos ou os principais parâmetros para a avaliação jurisdicional de uma política pública.
Nos resta, todavia, no cotidiano de aplicação do Direito, acompanhar como o comportamento do Judiciário para compreender qual o modelo mais adequado que, sem aniquilar a discricionariedade do gestor público, possibilite o controle contramajoritário dos direitos fundamentais, tipicamente realizado pela jurisdição.
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ARRUDA, Carmen Silvia Lima de. Harmonia entre os Poderes: judicialização, autocontenção e deferência. In: CUNHA FILHO, Alexandre Jorge Carneiro da (coord.) et al. Direito em tempos de crise: COVID-19. São Paulo: Quartier Latin, 2020. v. 3, pp. 215-230.
JOHNS HOPKINS UNIVERSITY &amp; MEDICINE. Covid-19 Dashboard by the Center for Systems Science and Engineering (CSSE) at Johns Hopkins University, 2021. Disponível em: &lt;https://coronavirus.jhu.edu/map.html&gt;. Acesso em: 18 de setembro de 2021.
SCALIA, Antonin. Judicial Deference to Administrative Interpretations of Law. Duke Law Journal, v. 1989, jun., n. 3, pp. 511-521, 1989. Disponível em: &lt;https://scholarship.law.duke.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=3075&amp;context=dlj&gt;. Acesso em: 19 de julho de 2021.

UTI equipada com respirador mecânico no Hospital Leonardo da Vinci, no Ceará. Crédito: Tatiana Fortes/Gov. do Cearáa

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JOTA

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