Thaís Dantas

Ana Cláudia Cifali

Glicia Salmeron

No último ano, decretos presidenciais vieram a enfraquecer a participação social no país, especialmente a atuação dos Conselhos Nacionais de Direitos. Nesse contexto, também o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), órgão essencial para formulação, defesa e controle dos direitos de crianças e adolescentes no Brasil, foi fragilizado. 
O Decreto Presidencial 10.003 de 2019 cassou o mandato de organizações democraticamente eleitas, além de alterar profundamente o funcionamento e fluxo de trabalho do Conanda e suas características, estabelecendo: (a) reuniões trimestrais com participação por meio de videoconferência no caso de membros de outros estados- ao invés de mensais presenciais-; (b) processos seletivos no lugar de eleições; (c) presidência indicada em vez de eleita, com direito a voto extra em caso de empate; (d) redução do número de organizações conselheiras e supressão da necessidade de paridade entre governo e sociedade civil; (e) proibição de recondução; (f) supressão da prerrogativa da sociedade civil de convocar reuniões extraordinárias; (g) extinção da Secretaria Executiva do Conanda; (h) limites à criação de comissões e grupos de trabalho; (i) eliminação da possibilidade de destinação de recursos para a implementação de ações do Conanda e para deslocamentos de seus membros e (j) alteração de “organizações da sociedade civil” para “entidades não governamentais de âmbito nacional de atendimento” como possíveis membros.
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As alterações previstas significam um risco para a continuidade da execução das políticas para crianças e adolescentes. E, nesse sentido, é inegável a violação aos direitos desse público, garantidos constitucionalmente com absoluta prioridade, bem como à cidadania, à democracia e à participação social, preceitos constitucionais de primeira importância em nosso também fragilizado Estado Democrático de Direito. 
Não por acaso, a Procuradoria Geral da República questionou a normativa por meio da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 622. Na inicial, alerta: "A participação popular direta é dimensão essencial do exercício da democracia, tanto na função fiscalizatória, como na tarefa de elaboração de políticas públicas. Isso porque o modelo de democracia adotado pela Constituição Federal de 1988 é misto –democracia semidireta–, em que se combina representação política com institutos de participação popular direta". Não há dúvidas: referido decreto é, além de uma violação aos direitos de crianças e adolescentes, um ataque à própria democracia.
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<li>+JOTA:<a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/educacao-inclusiva-em-xeque-26102020"> Educação inclusiva em xeque. Tensões entre a criação e o rompimento de barreiras desde a infância</a></li>
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Desde o último dezembro, decisão liminar do relator, <a href="https://www.jota.info/stf/do-supremo/barroso-fala-em-constitucionalismo-abusivo-ao-suspender-decreto-de-bolsonaro-30122019" target="_blank" rel="noopener noreferrer">ministro Roberto Barroso, reconheceu que “As novas regras que disciplinam o funcionamento do Conanda, a pretexto de regular, frustram a participação das entidades da sociedade civil na formulação de políticas públicas e no controle da sua execução, como exigido pela Constituição”,</a> colocando em risco a proteção integral e prioritária da infância e adolescência. Tão importante decisão, no entanto, deixou de conceder pedidos importantes, como a vedação ao voto extra em caso de empate, a redução do número de organizações conselheiras e a proibição de sua recondução. 
<blockquote class="jota-article__eye">Com o julgamento em plenário, o STF tem o poder de sanar inaceitáveis inconstitucionalidades.</blockquote>
Entre as principais violações, destaca-se a disposição acerca do voto extra do presidente do Conanda, de caráter antidemocrático e inconstitucional, pois coloca em xeque a missão do órgão, qual seja, deliberação dialógica na construção e no controle social de políticas públicas para infância e adolescência.
O princípio da paridade visa estabelecer uma composição igualitária entre governo e sociedade civil, para que ambos possuam poderes iguais nos processos decisórios de formulação da política de promoção, proteção, defesa e atendimento dos direitos da criança e do adolescente. Assim, o Conselho deve ser composto por membros do governo e da sociedade civil iguais em número e em poder de deliberação, o que restaria prejudicado caso a presidência passasse a ter voto de qualidade e fosse indicada pelo governo. 
No que toca à redução do número de organizações, alerta-se que o Conanda trata de múltiplos temas no tocante aos direitos da criança e do adolescente. As infâncias no Brasil são heterogêneas, constituídas de pluralidade étnico-racial, de gênero, social, econômica e cultural. Nesse sentido, a diminuição do número de conselheiros também impede a representatividade adequada dessa pluralidade no âmbito do Conselho. 
No que se refere à representação da sociedade civil, destaca-se a importante alteração de “organizações da sociedade civil” para “entidades não governamentais de âmbito nacional de atendimento”. Cabe recordar que, com a nova redação, retirar-se-ia a participação das organizações de defesa de direitos e entidades de classe, como a Ordem dos Advogados do Brasil e o Conselho Federal de Psicologia, dentre outras, que não realizam o atendimento direto, mas zelam pelo respeito e pela garantia dos direitos das crianças e adolescentes. 
Além do princípio da paridade, o princípio do controle social assegura a participação da sociedade civil no controle das ações governamentais. Desse modo, a sociedade e, em particular, as organizações voltadas aos interesses das crianças e dos adolescentes e ao monitoramento de políticas públicas temáticas - não apenas aquelas responsáveis pelo atendimento - assumem o papel de agentes fiscalizadores do cumprimento dos direitos assegurados nas leis e nas políticas para a infância e a adolescência. Assim, a inobservância e/ou o enfraquecimento dos princípios da participação, da paridade e do controle social gera a impossibilidade de funcionamento adequado do Conselho. É preciso reconhecer que reduzir as funções e o número de entidades, ora equitativa, implica em reduzir direitos da criança e do adolescente.
Por fim, cabe ressaltar que o aumento nos números de violações em desfavor da infância e adolescência é evidente. Isso ocorre em razão de a rede de garantia dos direitos de crianças e adolescentes ainda não ter sido totalmente implementada com todos os serviços em território nacional. E é, também, para avançar nesse aspecto que o Conanda existe. A articulação dos esforços da sociedade civil e do poder público deve consistir no equilíbrio e equidade na construção de soluções públicas para infância e adolescência, como consagrado juridicamente, nos termos do artigo 88 do ECA.
O STF tem, portanto, a oportunidade de ampliar a decisão liminar, garantindo o funcionamento adequado do Conanda, guardião dos direitos das crianças e adolescentes, bem como seu caráter democrático, essenciais para assegurar os direitos de crianças e adolescentes. O julgamento pode - e deve - ser encarado como um chamado: <a href="http://www.escute-esse-conselho.bonde.org/" target="_blank" rel="noopener noreferrer">escute esse Conselho</a>. Escute a população, diversidade, as instituições. É também um lembrete, nesses 30 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente, da intensa mobilização social que trouxe à luz o artigo 227 da Constituição e a garantia de proteção absolutamente prioritária dos direitos de crianças e adolescentes. São deveres constitucionais. São chamados urgentes e imperativos em nosso país.
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O episódio 42 do podcast <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/sem-precedentes" target="_blank" rel="noopener noreferrer">Sem Precedentes</a> analisa as acusações de Donald Trump questionando a legalidade do pleito eleitoral nos EUA. Ouça:
https://www.youtube.com/watch?v=xRgH-5h1gH8&amp;feature=emb_title

luis-roberto-barroso-stf

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JOTA

STF tem a oportunidade de ampliar a decisão liminar, garantindo o funcionamento adequado do órgão

Defender o Conanda é defender a democracia

Conanda e STF: Supremo tem a oportunidade de ampliar a decisão liminar, garantindo o funcionamento adequado do órgão. Leia em artigo