Hector Augusto Berti Corrêa

Em 22 anos desde a aprovação da <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9998.htm">Lei nº 9.998/2000</a>, que instituiu o Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust), praticamente nenhum recurso recolhido foi aplicado na expansão das telecomunicações no país. Segundo dados do Tribunal de Contas da União, entre 2001 e 2016, 99,56% dos recursos foram contingenciados pelo Tesouro da União por meio de medidas provisórias (MPs) ou desvinculações de receitas da União (DRUs), sendo que tais valores foram utilizados, notadamente, para o pagamento da dívida pública federal e benefícios previdenciários<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>. Ou seja, o Fust serviu como um caixa de emergência para que a União cumprisse suas metas fiscais.
De acordo com o Ministério das Comunicações (MCom), o não uso dos recursos ocorria em razão da redação inadequada da lei. Segundo a pasta, a norma apenas autorizava o governo a aplicar os valores em projetos em regime de direito público, ou seja, em telefonia fixa. Como este modal já está universalizado no país, não haveria no que gastar.
Ocorre que, em 2020, a <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/lei/l14109.htm">Lei nº 14.109</a> reformou a Lei nº 9.998/2000, permitindo a aplicação dos recursos do fundo tanto em projetos submetidos ao regime de direito público como de direito privado. Dessa maneira, autorizou a aplicação dos valores em projetos de telefonia móvel e de internet banda larga. Conforme o relator da reforma, Vinicius Poit (Novo-SP), essa modificação teve como objetivo não só tornar tais recursos acessíveis, como também liberá-los para projetos em zonas rurais e em escolas públicas<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>.
É, pois, neste contexto que, no dia 21 de março o Poder Executivo deu o passo que faltava para conferir eficácia ao Fust: editou o <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2022/decreto/D11004.htm">Decreto nº 11.004/2022</a>, criando e regulamentando o Conselho Gestor, assim como distribuindo as competências e a atuação do MCom, Anatel e agentes financeiros.
<h3>O Conselho Gestor</h3>
A Lei nº 14.109/2020 previu a criação do Conselho Gestor (CG) como um órgão de composição potencialmente plural, mas que conta com a predominância do governo federal em sua composição<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>. Trata-se do coração desta política pública, atuando como intermediário entre o MCom e os agentes financeiros.
De acordo com a Lei do Fust e o Decreto nº 11.004/2022, as suas principais atribuições são: (i) administrar o fundo; (ii) formular políticas, diretrizes e prioridades, definindo programas, projetos e atividades; (iii) elaborar o relatório de gestão anual; (iv) aprovar o repasse de recursos para os agentes financeiros; (v) estabelecer os critérios de seleção de propostas de aplicação de recursos; e (vi) publicar, anualmente, demonstrativo das receitas e das aplicações.
Em relação ao funcionamento do CG, o decreto definiu que o órgão se reunirá, em caráter ordinário, no mínimo, quadrimestralmente e, em caráter extraordinário, mediante a convocação de seu presidente ou por requerimento de quatro de seus membros. Além disso, o CG poderá convidar especialistas e representantes de órgãos e entidades públicas ou privadas para participar de suas reuniões, sem direito a voto, em complemento ao caráter técnico da <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/anatel">Anatel</a>. Ademais, o regulamento estabeleceu que deverá ser editado Regimento Interno do CG, que será aprovado por maioria absoluta de seus membros e, posteriormente, pelo ministro do MCom. Tal possibilidade, vale observar, tem o potencial de retirar certa parcela da autonomia do CG, vez que submete assuntos interna corporis ao ministério.
Por fim, as vagas reservadas aos representantes das prestadoras de telecomunicações e da sociedade civil serão ocupadas por indicados dessas entidades representativas. Com efeito, essas organizações deverão encaminhar ao MCom lista tríplice para cada vaga, dentro de 30 dias da publicação do decreto, acompanhada de demonstração das características da entidade que a habilitem como representante da categoria, da qualificação dos indicados e de outros elementos solicitados em edital convocatório. Trata-se, pois, de um filtro qualificatório que busca garantir que os indicados tenham conhecimento mínimo prévio para exercerem seus cargos.
<h3>O Ministério das Comunicações, a Anatel e o secretário-executivo</h3>
O decreto atribuiu ao MCom a competência para estabelecer, a partir da apresentação de proposta da Anatel, os objetivos estratégicos quinquenais para a destinação dos recursos do Fust. Assim sendo, tanto o MCom quanto a Anatel diminuem a discricionariedade do CG, pois este órgão deverá atuar em consonância com tais diretrizes.
À Anatel, além de contar com uma cadeira no CG, compete exercer funções principalmente de fiscalização, acompanhamento, arrecadação, sancionamento e de apoio técnico ao CG.
Por fim, representante da Anatel exercerá a função de secretário-executivo do CG, acumulando diversas funções operacionais, tais como a de secretariado, organização de reuniões e fluxo de matérias a serem apreciadas. Ainda, competirá ao secretário organizar e preparar as pautas das sessões e reuniões, expedir convocações e notificações, submeter minutas de instrumentos relativos às matérias aptas à deliberação, entre outras. Trata-se, pois, de um papel estratégico que garante à agência, indiretamente, importante influência na gestão do fundo.
<h3>Os agentes financeiros como operacionalizadores do Fust</h3>
O regulamento determinou que o Fust terá como agentes financeiros (AF) o BNDES, a Finep, as caixas econômicas, os bancos de desenvolvimento, as agências de fomento e demais instituições financeiras. A relação entre os AFs e o CG se dará mediante contrato ou instrumento equivalente, sendo que os AFs prestarão contas de execução orçamentária e financeira ao CG.
A rigor, caberá a tais agentes, em conjunto com o CG, realizar o processo de seleção de propostas do Fust, notadamente cuidando da avaliação técnica e econômica. Com efeito, a escolha das propostas obedecerá a alguns critérios já fixados pela Lei nº 9.998/2000 e seu regulamento, especialmente quanto ao estímulo a expansão, o uso e a melhoria da qualidade das redes e de serviços de telecomunicações, procurando sempre privilegiar o meio rural e as unidades públicas de ensino.
Nesta esteira, serão privilegiadas propostas que envolvam conjuntamente poder público, iniciativa privada, cooperativas, organizações da sociedade civil, estabelecimentos públicos de ensino e escolas sem fins lucrativos que atendam pessoas com deficiência. Após a seleção da proposta, os AFs formalizarão instrumento com a pessoa jurídica executora, estabelecendo o valor dos recursos a serem repassados e os prazos de execução e de prestação de contas. Para tanto, os agentes poderão selecionar os interessados por meio de leilão reverso ou de outro mecanismo a ser definido pelo CG.
Em outras palavras, a existência dos AFs busca dar capilaridade e celeridade ao Fust.
<h3>Conclusão</h3>
Apenas o tempo dirá se o Fust funcionará. Fato é que já não existe óbice jurídico que impeça a aplicação dos recursos recolhidos para a universalização dos serviços de banda larga e telefonia móvel. Resta, portanto, acompanharmos se seus valores continuarão a ser contingenciados em prejuízo de um importante mecanismo de inclusão e transformação social.
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 <a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Conforme o Acórdão nº 749/2017/TCU, entre 2004 e 2010, mais de R$2 bilhões foram contingenciados por meio de DRUs pela União, enquanto, entre 2008 e 2015, cerca de R$15,98 bilhões foram retirados do Fust por MPs. Ainda, em pedido feito pela Lei de Acesso à Informação, a ANATEL informou que, entre 2016 e 2020, ao menos R$1,44 bilhão foi contingenciado com o uso de DRUs.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> É importante pontuar que a Lei nº 14.109/2020 fixou como meta dotar todas as escolas públicas brasileiras, em especial as situadas em zonas rurais, de acesso à internet banda larga até 2024, reservando, ainda, 18% do total recolhido para a aplicação em estabelecimentos públicos de ensino.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> O Conselho será composto por 7 representantes de diferentes Ministérios, 1 da ANATEL, 2 das prestadoras dos serviços de telecomunicações, dos quais 1 representará as prestadoras de pequeno porte, e 3 representantes da sociedade civil.

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JOTA

Já não existe óbice jurídico que impeça a aplicação dos recursos para a universalização da telecomunicação

Decreto que regulamenta Fust permite finalmente o uso de seus recursos

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