Nivaldo Dias

Nos últimos anos a sociedade brasileira presenciou uma infinidade de provas sobre atos de corrupção na Petrobras e em outros órgãos e entes públicos. Empresas ofereciam suborno a agentes públicos e políticos em troca de contratos superfaturados. O Tribunal de Contas da União e outros órgãos de controle vinham apontando esses danos ao erário há anos, mas nunca o corpo probatório contou com tantas provas variadas, que incluem confissões, delações e reconhecimento contábil.
A dificuldade de se analisar a ocorrência de sobrepreços em obras da Petrobras se dá, principalmente, por três fatores: i) excesso de sigilo sobre a metodologia de orçamentação da Petrobras; ii) sistemática de orçamentação e contratação única e distinta<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a> da utilizada pelos demais entes e órgãos das esferas federal, estadual e municipal que também contratam obras de construção civil e infraestrutura; e iii) falta de referenciais públicos para vários itens contratados.
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Esse último fator também afeta a análise de outras obras e empreendimentos públicos nos casos em que muitos itens contratados não constam dos referenciais oficiais. Ademais, mesmo nos casos em que o percentual de itens referenciados é alto, o que se verifica com frequência é uma grande perda de efetividade processual em decorrência de inúmeras discussões e questionamentos sobre minúcias dos referenciais de preços adotados, que, no limite, chegam a inviabilizar o ressarcimento do dano causado pelo superfaturamento.
<blockquote class="jota-article__eye">O conhecimento dos custos reais incorridos pela contratante tem o potencial de rapidamente esclarecer os fatos, mas a regra até então era um enorme esforço para a manutenção do sigilo fiscal, tanto por parte das contratadas, quanto pelo Fisco.</blockquote>
Com o advento da Operação Lava Jato, esses três fatores dificultadores foram parcialmente superados, na medida em que algumas camadas de sigilo foram forçosamente removidas e novos dados e informações foram trazidas ao conhecimento do TCU, inclusive informações fiscais, das quais fazem parte notas fiscais custodiadas à Corte de Contas, inicialmente por autorização judicial, mas também depois por solicitação administrativa.
A viabilidade do uso de Notas Fiscais Eletrônicas (NF-e) foi demonstrada, inicialmente, no processo do TCU TC 004.025/2011-3, que resultou no Acórdão 1990/2015-TCU-Plenário, de relatoria do Ministro Benjamin Zymler, quando, ao se utilizar apenas algumas notas fiscais em formato pdf, pela ampliação da amostragem, restou evidenciado ainda mais o sobrepreço no contrato da Unidade de Coqueamento Retardado da Refinaria Abreu e Lima.
Em seguida, o uso em grande escala de NF-e para o cálculo de sobrepreços teve a sua viabilidade demonstrada no processo de Tomada de Contas Especial do TCU, TC 000.168/2016-5, que resultou no Acórdão 2109/2016-TCU-Plenário, bem como no TC 004.038/2011-8, que resultou no Acórdão 2428/2016-TCU-Plenário, ambos também de relatoria do Ministro Benjamin Zymler. Outros processos no TCU passaram a utilizar dessas técnicas.
A juridicidade do compartilhamento do sigilo fiscal mediante solicitação de autoridade administrativa, calcada no inciso II do <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L5172.htm#art198">art. 198 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 - Código Tributário Nacional</a>, tem sido exercida pelo TCU, com fundamento <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8443.htm#art42">art. 42 da Lei nº 8.443, de 16 de julho de 1992</a> (Lei Orgânica do TCU - LOTCU), no art. 157 do Regimento Interno do TCU (RITCU), de acordo com os preceitos da Resolução-TCU 207/2007.
Conforme os entendimentos da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional – PGFN consubstanciados nos Pareceres PGFN nº 1251/1999, 712/2005 e 851/2005, o compartilhamento do sigilo fiscal por autoridade administrativa dependeria da comprovação da instauração regular de processo administrativo específico com o objetivo de investigar prática de infração administrativa pelo sujeito passivo a que se refere a solicitação, sempre com a delimitação do período dos atos em apuração, no interesse da Administração Pública;
Além dos os requisitos acima, as solicitações de compartilhamento de dados fiscais pelo TCU têm se dado nos casos em que sem tais dados não seria possível conferir a mesma efetividade ao controle externo exercido pela Corte de Contas. São casos em que a verificação da economicidade e da legalidade dos contratos fiscalizados e a própria fiscalização financeira da aplicação dos recursos públicos envolvidos, dependem dessa documentação fiscal.
<blockquote class="jota-article__eye">Não se trata de quebra de sigilo, mas de compartilhamento, pois o TCU mantém o mesmo nível de sigilo e de segurança da informação aplicados no órgão de origem, sendo que os auditores, demais servidores e autoridades estão sujeitos a idênticas regras de sigilo profissional a que estão os auditores fiscais.</blockquote>
Quanto à questão do sigilo envolvendo o fornecimento de informações ao TCU, em 26/5/2015 a 1ª Câmara do Supremo Tribunal Federal proferiu decisão, denegando a ordem, no âmbito do Mandado de Segurança 33.340<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a> (Ministro Luiz Fux) impetrado pelo BNDES e BNDESPar, os quais se recusavam, de forma injustificada, a fornecer informações à Corte de Contas referentes a operações financeiras, sob a alegação de sigilo bancário e empresarial.
Ainda nessa linha, a jurisprudência do STF é no sentido da prevalência do princípio da publicidade (art. 37, caput), no que toca ao acesso e à transparência relativos a documentos e à própria Administração Pública, em se tratando de requisição de informações para instruir procedimento administrativo em defesa do patrimônio público (MS 21.729, ADI 2.361, ADI 2.444).
A fundamentação acima foi utilizada no TC 024.183/2015-6, que resultou no atendimento, pela Receita Federal do Brasil, do compartilhamento de sigilo fiscal que que fora determinado no Acórdão 1.217/2016-TCU-Plenário, relatado pelo Ministro-Substituto André Luís de Carvalho.
Em atuação mais recente, em 28/11/2019, por ocasião do julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 1055941, o plenário do STF acabou por deliberar pela dispensa de autorização judicial para o compartilhamento com o Ministério Público e as autoridades policiais, para fins de investigação criminal, da integralidade dos dados bancários e fiscais do contribuinte obtidos pela Receita Federal.
No mesmo processo, em 4/12/2019, o STF definiu tese de repercussão geral reafirmando o acima, ressaltando a necessidade de ser resguardado o sigilo das informações em procedimentos formalmente instaurados e sujeitos a posterior controle jurisdicional. Ainda que o julgado tratasse de casos criminais, é certo que as diretrizes também valem para processos administrativos e de controle interno e externo.
Por fim, com a edição do <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2020/Decreto/D10209.htm">Decreto 10.209 de 22 de janeiro de 2020</a>, nos incisos I a IV do § 1º do art. 3º, ficam positivadas as condições que obrigam atendimento de solicitações de compartilhamento de sigilo fiscal feitas pelos órgãos de controle interno e externo:
I. existência de processo administrativo regularmente instaurado que contenha clara definição do objetivo e do escopo da auditoria;
II. entrega das informações mediante recibo que formalize a transferência, facultado o uso de tecnologia e observadas as políticas de segurança da informação e comunicação do gestor de dados;
III. existência de manifestação fundamentada que demonstre a pertinência temática da informação com o objeto da auditoria ou de inspeção e a necessidade e a indispensabilidade de acesso, com indicação de que o trabalho não pode ser realizado ou que o seu resultado não pode ser alcançado por outro modo, mesmo com a anonimização; e
IV. uso restrito ao fim específico de realização de auditoria ou de inspeção de dados, de processos ou de controles operacionais da administração tributária e aduaneira, da gestão fiscal ou na análise de demonstrações financeiras da União.
Como visto, ogog Decreto 10.209/2020 estabelece obrigações somente no âmbito do Poder Executivo Federal, especificamente aos órgãos do Ministério da Economia e à Controladoria-Geral da União, estendendo a esses órgãos – que incluem a Receita Federal do Brasil – a obrigação de atendimento de requisições e solicitações feitas pelo TCU, in verbis:
“Art. 9º Observado o disposto no <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8443.htm#art42">art. 42[3] da Lei nº 8.443/1992</a>, aplica-se, no que couber, o disposto neste Decreto às requisições e às solicitações de dados e de informações feitas pelo Tribunal de Contas da União.”
A expectativa é que esse decreto contribuirá enormemente para a celeridade dos processos de controle interno e externo, sobretudo aqueles que tratam de possíveis danos aos cofres públicos, pois evidenciarão a ocorrência, ou não, de abusos por parte dos contratantes, fazendo com que a absolvição ou a condenação por superfaturamento ocorram em bases mais rápidas e precisas.
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> O Decreto 2.745/1998 criou o Procedimento Licitatório Simplificado, que tem rito distinto do previsto na Lei 8.666/1993. O TCU declarou a inconstitucionalidade desse modelo (art. 67 da Lei 9.478/97 e do Decreto 2.745/98) na Decisão 633/2002 e determinou que a Petrobras observasse os ditames da Lei 8.666/1993. A Decisão, agravada, foi confirmada pelo TCU no Acórdão 39/2006. Em 22/3/2006, o Ministro do STF Gilmar Mendes, no MS 25888 MC/DF, concedeu liminar suspendendo os efeitos do Acórdão 39/2006.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Na ementa da referida decisão, constam os seguintes excertos:
“3. O sigilo de informações necessárias para a preservação da intimidade é relativizado quando se está diante do interesse da sociedade de se conhecer o destino dos recursos públicos.
(...)
<ol start="5">
<li>O segredo como “alma do negócio” consubstancia a máxima cotidiana inaplicável em casos análogos ao sub judice, tanto mais que, quem contrata com o poder público não pode ter segredos, especialmente se a revelação for necessária para o controle da legitimidade do emprego dos recursos públicos. É que a contratação pública não pode ser feita em esconderijos envernizados por um arcabouço jurídico capaz de impedir o controle social quanto ao emprego das verbas públicas.</li>
</ol>
(...)
<ol start="8">
<li>In casu, contudo, o TCU deve ter livre acesso às operações financeiras realizadas pelas impetrantes, entidades de direito privado da Administração Indireta submetidas ao seu controle financeiro, mormente porquanto operacionalizadas mediante o emprego de recursos de origem pública. Inoponibilidade de sigilo bancário e empresarial ao TCU quando se está diante de operações fundadas em recursos de origem pública. Conclusão decorrente do dever de atuação transparente dos administradores públicos em um Estado Democrático de Direito.</li>
<li>(...)</li>
<li>b) A utilização de recursos públicos por quem está submetido ao controle financeiro externo inibe a alegação de sigilo de dados e autoriza a divulgação das informações necessárias para o controle dos administradores, sob pena de restar inviabilizada a missão constitucional da Corte de Contas. (...)”.</li>
</ol>
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> Art. 42. Nenhum processo, documento ou informação poderá ser sonegado ao Tribunal em suas inspeções ou auditorias, sob qualquer pretexto.
<ul>
<li>1° No caso de sonegação, o Tribunal assinará prazo para apresentação dos documentos, informações e esclarecimentos julgados necessários, comunicando o fato ao Ministro de Estado supervisor da área ou à autoridade de nível hierárquico equivalente, para as medidas cabíveis.</li>
<li>2° Vencido o prazo e não cumprida a exigência, o Tribunal aplicará as sanções previstas no inciso IV do art. 58 desta Lei.</li>
</ul>

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JOTA

Expectativa é que decreto contribuirá enormemente para a celeridade dos processos de controle interno e externo

Decreto 10.209/2020 dará celeridade a processos da CGU e do TCU

Expectativa é que decreto contribuirá enormemente para a celeridade dos processos de controle interno e externo