Victor Aguiar de Carvalho

É difícil pensar em outra atividade governamental que ofereça mais riscos e incentivos à corrupção do que as compras e contratações públicas<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>. Esse não é, entretanto, um problema apenas brasileiro.
Ao redor do mundo, medidas para a exclusão de participação em procedimentos da espécie – como são os casos do “impedimento de licitar e contratar” e da “declaração de inidoneidade”, presentes no projeto de nova lei de licitações e contratos – consolidaram-se como os típicos instrumentos de resposta a episódios de corrupção em contratações públicas.
Por exemplo, o Banco Mundial, além de países como Estados Unidos e os da União Europeia, utilizam essas medidas como mecanismos anticorrupção, embora com diferentes nuances<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>. 
<a href="https://conteudo.jota.info/poder-contato"><img class="size-medium wp-image-292717 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-poder.jpg" alt="" width="688" height="688" /></a>
Em razão de sua severidade, as medidas de exclusão são reconhecidamente capazes de produzir relevante efeito dissuasório a malfeitos no âmbito das contratações públicas. <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/regime-sancionatorio-da-nova-lei-de-licitacoes-e-autossaneamento-dos-infratores-16022021">No entanto, também demandam cuidado em seu manejo, para que não produzam consequências indesejáveis no mercado</a>.
A despeito de seu frequente uso como instrumento anticorrupção no direito comparado, na Lei no 12.846/2013, que é a dita Lei Anticorrupção, a exclusão de procedimentos de contratações públicas não foi prevista como uma espécie de sanção administrativa. A sua imposição, quando cabível, depende do diálogo normativo com as normas de licitações e contratos.
O Projeto de Lei no 4.253/2020, que dará lugar à nova lei de licitações e contratos, acerta ao atenuar essa omissão. No art. 154, XII, dispõe-se que a prática de ato lesivo tipificado na Lei Anticorrupção é também uma infração administrativa para a lei geral de licitações e contratos, sancionável com a declaração de inidoneidade do infrator (art. 155, § 5º).
Veja-se que não são apenas os atos lesivos previstos no inciso IV do art. 5º da Lei no 12.846/2013 (que já concernem justamente a licitações e contratos) que passam a ser considerados como infrações administrativas também para as normas gerais de contratações públicas. Todos os ilícitos definidos no art. 5º recebem tal tratamento do PL no 4.253/2020.
Assim, no nosso sentir, em razão da sensibilidade dos bens jurídicos tutelados pela Lei no 12.846/2013, o legislador dispôs que, caso um licitante ou contratado pratique ato lesivo descrito no referido diploma, a exemplo de oferecer vantagem indevida a agente público ou de dificultar atividade de investigação ou fiscalização de órgão público, ainda que sem qualquer liame com o procedimento licitatório em si ou com a execução contratual, incorrerá também em uma infração administrativa prevista no diploma geral de licitações e contratos e será declarado inidôneo pelo ente público contratante lesado.
Essa opção legislativa é uma inovação do PL no 4.253/2020. Não se trata de previsão normativa meramente sancionatória, apresentando também o escopo de sinalizar a relevância da política estatal anticorrupção e de reforçar a importância da conformidade à Lei no 12.846/2013<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>.
<blockquote class="jota-article__eye">Em outras partes do mundo, as medidas de exclusão já são manejadas – de forma ainda mais intensa – para indicar a intolerância do Poder Público a determinadas condutas graves, como as de corrupção<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>.</blockquote>
A União Europeia é um bom exemplo. O art. 57 da Diretiva 2014/24/EU tem por escopo robustecer políticas públicas do bloco contra a corrupção e contra outros crimes de relevante impacto, determinando que as autoridades adjudicantes excluam o operador econômico que houver sido condenado, em decisão transitada em julgado, por participação em organização criminosa, corrupção, infrações terroristas, lavagem de dinheiro, entre outros ilícitos.
Com o PL no 4.253/2020, o legislador parece ter dado um passo em semelhante sentido. Acertadamente incorpora ao direito brasileiro o uso da exclusão de procedimentos de contratações públicas como um instrumento de reforço da política estatal anticorrupção, corroborando a intolerância do ordenamento jurídico com as condutas tipificadas pela Lei no 12.846/2013, na esperança de aprimorar, assim, a tutela da moralidade e da integridade públicas pela Administração contratante.
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O episódio 49 do podcast Sem Precedentes faz uma análise sobre o que o Supremo Tribunal Federal precisa dizer sobre a prisão de deputados. Ouça:
https://youtu.be/9Tv7gNDT4Rw
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> CARVALHO, Victor Aguiar de. Cartéis em licitações: concorrência, incentivos e prevenção aos conluios nas contratações públicas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2018, pp. 13-17.; CARVALHO, Victor Aguiar de. Corrupção nas contratações públicas: dois instrumentos analíticos para a detecção de indevidos incentivos. Revista Eletrônica da PGE-RJ, vol. 01, n. 02, 2018. Disponível em: &lt;https://revistaeletronica.pge.rj.gov.br:4432/comum/code/MostrarArquivo.php?C=MTI4&gt;. Acesso em: 22 jan. 2021.; e LAMBERT-MOGILIANSKY, Ariane. Corruption and collusion: strategic complements in procurement. In: ROSE-ACKERMAN, Susan; SØREIDE, Tina. International Handbook on the Economics of Corruption, Volume Two. Cheltenham: Edward Elgar Publishing Limited, 2011.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Para uma comparação entre diferentes sistemas, v. WILLIAMS-ELEGBE, Sope. Fighting Corruption in Public Procurement: A Comparative Analysis of Disqualification or Debarment Measures. Oxford: Hart Publishing, 2012.; e DUBOIS, Pascale Helene. Domestic and International Administrative Tools to Combat Fraud &amp; Corruption: A Comparison of US Suspension and Debarment with the World Bank’s Sanctions System. University of Chicago Legal Forum, p. 195-236, 2012.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> Adaptando-se classificação adotada por Sope Williams-Elegbe, a exclusão em procedimentos de contratações públicas pode apresentar três diferentes fins: a) finalidade punitiva; b) finalidade protetiva; c) finalidade de reforço de uma política estatal. Naturalmente, essas finalidades não são excludentes entre si, referindo-se ao escopo central de cada medida. WILLIAMS-ELEGBE, Sope. Fighting Corruption in Public Procurement: A Comparative Analysis of Disqualification or Debarment Measures. Oxford: Hart Publishing, 2012, pp. 33-34.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> Cf. WILLIAMS-ELEGBE, Sope. The implications of negotiated settlements for debarment in public procurement: a preliminary enquiry. In: MAKINWA, Abiola; SØREIDE, Tina. Negotiated Settlements in Bribery Cases: A Principled Approach. Northampton: Edward Elgar, 2020, p. 77.

medidas provisórias

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JOTA

Nova Lei de Licitações usa declaração de inidoneidade para reforçar importância da conformidade à Lei nº 12.846/2013

Declaração de inidoneidade por ato lesivo previsto na Lei Anticorrupção

A nova Lei de Licitações utiliza a declaração de inidoneidade para reforçar a importância da conformidade à Lei nº 12.846/2013