Felipe Recondo

O Supremo julgou, há um ano, que a situação carcerária do Brasil configura “um estado de coisas inconstitucional” e que, portanto, é ilegal o contingenciamento dos recursos do Fundo Penitenciário Nacional (Funpen), destinados à melhoria das prisões do País. Graças a esta decisão, no próximo ano, aproximadamente R$ 2 bilhões estarão disponíveis para promover reformas no sistema prisional brasileiro.
Mas o que o Supremo dirá se esse dinheiro não for usado para esse fim ou se for utilizado para financiar a atividade policial extra-muros e de maneira a beneficiar um estado em detrimento de outro?
Na liminar, os ministros do Supremo nada disseram sobre esta hipótese que pode parecer inverossímil, mas que não seria uma novidade no nosso cenário político. Tanto é que, há mais de dez anos, o Departamento Penitenciário Nacional, gestor dos recursos do Fundo, viu-se compelido a estabelecer critérios objetivos e a fazer chamada pública para definir quais estados seriam beneficiados pela liberação dos recursos do Fundo.
Os critérios estabelecidos definiam as prioridades para o sistema prisional – construção de novas vagas, reformas de presídio, promoção da saúde nos presídios ou programas educacionais, etc – e podiam ser discutidos publicamente.
A abertura para que todos os estados apresentassem suas demandas obrigava o governo a ser transparente na definição de quem seria beneficiado. O fator político-partidário terminava reduzido, pois as escolhas eram fiscalizadas por governadores de todas as agremiações partidárias.
O STF pode, sob a presidência da ministra Cármen Lúcia, voltar a este tema no julgamento do mérito da ADPF 347. O PSOL, autor da ação, pediu que Supremo determine ao governo federal que elabore e encaminhe ao STF, no prazo máximo de 3 meses, um plano nacional para a melhoria do sistema carcerário.
O plano deveria conter propostas e metas específicas para a “superação das graves violações aos direitos fundamentais dos presos em todo o país”, especialmente para reduzir a superlotação dos presídios, reverter o processo de hiperencarceramento existente e diminuir o número de presos provisórios, adequar as instalações e alojamentos dos estabelecimentos prisionais aos parâmetros definidos na lei.
O plano nacional seria submetido à análise do Conselho Nacional de Justiça, da Procuradoria Geral da República, da Defensoria Geral da União, do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e do Conselho Nacional do Ministério Público. As decisões sobre como, quanto e onde investir não seria portanto, individual, a critério do governo federal ou do Ministério da Justiça. As escolhas seriam legitimadas por este processo público e transparente.
Há outro caminho possível e em gestação para definir a alocação dos recursos do Funpen no próximo ano. Ao assumir o comando do CNJ, a ministra Cármen Lúcia indicará que uma das suas prioridades será trabalhar em prol da melhoria do sistema carcerário. Ela já discutiu este tema com os governadores dos estados no dia seguinte à posse como presidente do STF. Na sua gestão, a ministra pode posicionar o CNJ no centro do debate sobre a política de investimentos no sistema prisional no próximo ano. E seria positivo que o fizesse.
A propósito, informou na quinta-feira passada a colunista Sonia Racy, o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, reuniu-se com governador Geraldo Alckmin e com o secretario de Administração Penitenciária, Lourival Gomes, e autorizou um convênio para liberar R$ 52 milhões para a compra de equipamentos de radiocomunicação.

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Decisão do Supremo pode alimentar uso político do dinheiro do Funpen?

CNJ é peça importante neste processo