Dalton Cesar Cordeiro de Miranda

Em face de recente jurisprudência veiculada pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) em hipótese que parte de recurso voluntário não foi conhecido quanto a ausência de prequestionamento sobre a decadência dos créditos exigidos em fase processual administrativa anterior, revisitamos a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal de Justiça e do próprio Carf para, ao final, independentemente de nossa opinião sobre o tema, afirmarmos que a decadência deveria sim ter sido reconhecida naquele caso concreto e naquela fase processual. Mais do que isso. Poderia e deveria tê-lo sido mesmo que de ofício naquela segunda instância julgadora.
Conforme leciona Eurico de Santi em sua festejada obra "Decadência e Prescrição no Direito Tributário":
"No entanto, decadência e prescrição são, como diz PONTES DE MIRANDA, conceitos jurídicos positivos. Portanto, não podem reduzir-se ou explicar-se por plexos circunstanciais do mundo real e social, como o inexorável fluir do tempo ou a inércia daqueles que não exercem seus direitos (o que, aliás, é também um direito). No fundo, decadência e prescrição são formas extintivas de direitos subjetivos, que se diferenciam pelo caráter desses direitos. Contigências como a interrupção ou não do prazo que as configura ou da legitimidade ou não dos juízos para alega-las de ofício, são, para esse efeito, juridicamente irrelevantes: "prescrição ou decadência?", pois, eis aí, uma falsa questão." (DE SANTI : 2004, pp 39/40)
Ora, a decadência como matéria de ordem pública reclama para aquilo que nos serve aqui o seguinte questionamento: quando pode haver seu exame/aplicação/reconhecimento de ofício? Como já mencionado na introdução deste artigo, responderemos tal pergunta revisitando e tomando por balizamento a jurisprudência do STF, do STJ e do próprio Carf.
Nos anos 70, a jurisprudência da Corte Suprema estava assentada "no sentido de dispensar o prequestionamento para a matéria que se reconheça como de ordem pública, (...). Reconhece-se na doutrina o dever do Juiz de pronunciar de officio a decadência." (RE 66.103, Pleno, DJU 31.03.1971, grifos no original).
Hoje, a jurisprudência do Supremo sedimentou-se na linha de que as “matérias de ordem pública, apreciáveis “ex officio” nas instâncias ordinárias também devem observar o requisito do prequestionamento, viabilizador da interposição do recurso extraordinário, salvo se ultrapassado o juízo do conhecimento, por outros fundamentos, (...).” (ARE 752874 AgR/MG, 14.04.2015).
Assente então no STF de que o reconhecimento de matéria de ordem pública pode sim ocorrer nas instâncias ordinárias, vedado seu conhecimento tão somente na hipótese em que não prequestionada para apreciação das instâncias superior ou especial, ressalvado o caso em que ultrapassado o juízo de conhecimento. Ora, como afirmado, é jurisprudencial e doutrinariamente reconhecido que a decadência é matéria de ordem pública.
O STJ é ainda mais didático em sua análise sobre o tema, pois posiciona-se no sentido de que:
“(...) quanto à prescrição e à decadência, o tribunal de origem concluiu que a questão não foi objeto de pedido, não merecendo ser reconhecida nenhuma nulidade, nesta sede recursal.
Todavia este posicionamento é contrário à orientação desta Corte segundo a qual matérias de ordem pública, tais como prescrição e decadência, nas instâncias ordinárias, podem ser reconhecidas a qualquer tempo, não estando sujeitas à preclusão.” (AgRg no RESP n 1287754/MS)
Ora, não resta dúvida de que as instâncias julgadoras ordinárias podem (e devem) reconhecer de ofício matéria de ordem pública, como o é, repisamos, a decadência.
Causa-nos espécie, então, recente jurisprudência administrativa tributária de Turma julgadora de Câmara da Segunda Seção de Julgamento do Carf que, conhecendo parcialmente de recurso voluntário interposto, informa que o tema decadência “não poderá ser objeto de deliberação por esta Corte Administrativa eis que a matéria nela aventada não foi oferecida à apreciação da Corte de 1ª Instância, não integrando, por tal motivo, a decisão guerreada.” (Acórdão n. 2401-003.996), uma vez que ao assim proceder a reclamante estaria inovando no processo administrativo.
Com o devido respeito, acreditamos que a decisão em comento equivoca-se em dois aspectos quando confrontado às destacadas jurisprudências do STF e do STJ.
O primeiro aspecto quando – como instância ordinária que o é, e contrariando diretamente a jurisprudência do STF e STJ, veda o exame de matéria de ordem pública sob o argumento de que a mesma não fora prequestionada, enfrentamento esse que, consignamos, deveria sim ter sido feito, mesmo que de ofício.
E, em um segundo aspecto e mais a título ilustrativo, quando conheceu parcialmente do apelo voluntário por outro fundamento distinto, vedando em primeiro plano a análise do tema decadência, “bateu de frente” com a regra de exceção informada pelo próprio STF, conforme acima observado e transcrito. Observando que tal exceção seria aplicável a exame de recurso por instância superior ou especial, em caso o correspondente a Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF), o que sequer é a hipótese aventada.
Será nobre e razoável a revisão e reforma do tema na esfera administrativa e para aquela situação em concreto - observando agora a aplicação e atração à hipótese do contraditório previsto no artigo 10 do Novo Código de Processo Civil - antes que se firme preocupante e equivocado precedente que, se porventura assim transitar em julgado na esfera administrativa, por certo será levado ao crivo do Poder Judiciário e, diante de sua pacificada jurisprudência, implicará o resultado em futuro ônus contra a administração, como tantos outros que temos avistado.

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JOTA

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