direito concorrencial

O debate envolvendo o uso de marcas para disparo de anúncios online

Limitar o acesso à informação não é caminho correto num ambiente que queira favorecer a livre concorrência

anúncios online
Crédito: Unsplash

Parte do cotidiano da população global, a publicidade online se consolidou como aspecto essencial do mercado mundial. Objeto de debates em nível nacional e internacional, a publicidade em meios virtuais chama a atenção de juristas, consumidores e empresas.

Um dos exemplos mais corriqueiros de publicidade online diz respeito aos anúncios exibidos em provedores de busca. Ao acessar um site de pesquisa, o usuário digita o termo desejado no campo de busca e obtém uma lista de sites que combinam com os critérios utilizados. Para além dos resultados orgânicos, o site de pesquisa pode reservar um espaço para anúncios. Os anunciantes podem, então, atrelar suas campanhas a determinados termos que, quando pesquisados, acionam o anúncio.

Esse tipo de engajamento tem a enorme vantagem de permitir ao anunciante ser mais assertivo e exibir seus anúncios a partir de contextos relacionados. Isso significa que o usuário, por sua vez, só será abordado com anúncios que guardem relação com o objeto da sua pesquisa.

O uso de marcas registradas como palavras-chave

Além de termos comuns, genéricos ou descritivos do próprio produto ou serviço, há a possibilidade de se eleger como palavra-chave um termo coincidente à marca registrada por terceiro. A lógica é simples: quem procura por uma marca indica um interesse no produto ou serviço por ela representado. Neste sentido, os anúncios podem ser disparados a partir de determinado termo, em mais um exemplo de propaganda contextualizada.

Mas é importante fazer aqui uma ressalva. Não se está falando do uso da marca de terceiro para caracterização de um produto da parte anunciante, o que poderia caracterizar violação marcária e concorrência desleal, ao tentar fazer um produto passar-se por outro. O que está se tratando é do uso da marca do terceiro como uma palavra-chave apenas para disparar o anúncio, este anúncio sempre contendo referências ao seu próprio produto e marca, e não ao produto e marca do terceiro.

Diante dessas premissas, a discussão que se apresenta é se um anunciante pode utilizar marcas de terceiros concorrentes como palavras-chave destinadas a disparar a propaganda contextualizada. Neste sentido, cabe avaliar o assunto sob três perspectivas distintas.

Perspectiva marcária: a palavra-chave sem função marcária

A exclusividade sobre uma marca não é absoluta e comporta ponderações no exercício de sua função social. A bem da verdade, a marca deve sempre ser observada do ponto de vista do consumidor, como meio de identificação, pelo consumidor, da fonte de origem do produto ou serviço. Essa ideia faz parte da sua própria definição, instituída pelo artigo 123, inciso I, da Lei Federal nº 9.279/98.

Partindo-se dessa premissa, a exclusividade no uso de uma marca estará sempre vinculada a esse propósito de distinção entre os produtos e serviços disponíveis no mercado. Por outro lado, não há função e exclusividade marcária quando o termo por ela representado é utilizado para outros fins, como, por exemplo, em uma pesquisa acadêmica, em um texto literário, em um artigo jornalístico ou quaisquer outras situações denominadas de fair use.

No caso da publicidade contextualizada em buscadores, o uso da marca exclusivamente como palavra-chave serve apenas como um critério interno para disparar o anúncio, não sendo aposta e não aparecendo no anúncio ou nos produtos anunciados em si. Ou seja, a marca não é aposta e/ou utilizada para identificar um produto ou serviço, mas apenas como um termo que faz o buscador disparar publicidade contextualizada, que guarde relação com o contexto daquela marca buscada.

A esse respeito, vale ver a análise feita pelo Tribunal de Justiça da União Europeia há mais de uma década[1]. Após adotar como premissa que “a função essencial da marca é garantir ao consumidor ou ao utilizador final a identidade de origem do produto ou do serviço designado pela marca, permitindolhe distinguir esse produto ou serviço de outros que tenham proveniência diversa” (exatamente como fizemos acima), o tribunal entendeu que a função de indicação de origem da marca não é prejudicada pelo seu uso no critério de busca, quando o anúncio resultante permite ao usuário saber se o anúncio provém do titular da marca ou, pelo contrário, de um terceiro.

Ou seja, tudo depende do quão transparente e clara é a campanha publicitária. Se ela quiser se passar pela marca do concorrente, obviamente haverá concorrência desleal e uso indevido da marca. Porém, se a campanha publicitária não se fizer passar pela marca do concorrente, tendo a marca do concorrente apenas a função de disparar a campanha publicitária, não há qualquer violação.

A despeito da pertinência desses detalhes mais técnicos sobre o direito de exclusividade marcário e seu condicionamento à existência da função marcária, fato é que, hoje, há certa resistência ao uso de marca como palavra-chave de pesquisas. Naturalmente, essa posição de resistência é adotada pelos titulares de direito marcários, originada do próprio interesse em se evitar qualquer utilização (ainda que legítima, como o fair use) aos seus respectivos direitos.

Mas cabe aqui retomar a premissa exposta no início do tópico, no sentido de que o direito marcário não deve ser lido exclusivamente sob a perspectiva dos titulares de direito, mas também (e especialmente) sob a perspectiva do consumidor, para o qual a função marcária se reveste de maior importância.

Aliás, vale notar que essa posição de resistência dos titulares de direito não é algo novo. Pelo contrário, o mesmo debate ocorreu no passado quando se discutia a legitimidade da propaganda comparativa. No início, a propaganda comparativa era vista como ilícita pelos titulares da marca comparada, que visavam a evitar de todas as formas o uso de sua marca por um concorrente para fins de comparação de produtos ou serviços. Mas fato é que, após muito debate em torno do tema, o uso da marca de terceiro para fins de propaganda comparativa foi aceito como válido e legítimo pelo STJ[2].

Essa mesma dinâmica está refletida agora na discussão sobre os anúncios contextualizados. Tal como aconteceu com a propaganda comparativa, cabe reconhecer que o uso da marca nesse contexto não viola o direito do titular; na verdade, traduz-se em fair use e ajuda na livre concorrência e ao consumidor.

Perspectiva concorrencial: meio legítimo de propaganda

A distinção entre concorrência desleal e concorrência leal não está na intenção de “captação de clientela” do concorrente (algo comum e esperado em qualquer mercado saudável), mas na intenção de confundir o consumidor para a captação. Nesse contexto, vale notar que as hipóteses legais de concorrência desleal descritas no artigo 195 da Lei de Propriedade Industrial estão condicionadas à existência de fraude, falsidade, difamação ou confusão.

A partir daqui, retoma-se a premissa exposta no início do tópico anterior: se uma determinada marca é utilizada como palavra-chave exclusivamente para disparo de um anúncio, e este anúncio é então veiculado sem qualquer referência à aludida marca, sem buscar se passar ou criar confusão com o produto objeto daquela marca, estando devidamente identificado como um anúncio e trazendo em seu bojo apenas a marca do próprio anunciante, não há que se falar em concorrência desleal ou intuito de confundir o consumidor, pois a marca anunciante não se faz passar pela marca objeto da palavra-chave.

Noutras palavras, ao invés de uma associação indevida, o que se tem nessas hipóteses é o exercício da publicidade contextualizada, trazendo conteúdos mais relevantes aos consumidores e, assim, beneficiando a concorrência. Até porque, diante da lista de resultados, é o usuário quem detém o total controle sobre qual página acessar: se da marca, que é inicialmente indicada como critério de busca ou, se preferir, quaisquer outras marcas trazidas como alternativa. A ferramenta apenas lhe fornece opções. Fortalece-se a concorrência, otimiza-se o preço e a qualidade dos produtos/serviços, além de se manter a decisão nas mãos do consumidor, agora ainda mais bem informado.

Neste sentido, há corrente no TJSP consignando que “o direcionamento às páginas ou links patrocinados não constitui artifício fraudulento para desvio de clientela. A circunstância de o link do anunciante aparecer nas primeiras linhas não quer dizer que anunciante esteja vendendo o produto ou oferecendo o serviço com a marca registrada da autora[3].

Na mesma linha, ao se deparar com anúncios acionados pela busca de marcas concorrentes, o TJRJ consignou que “não há nenhuma menção à marca do apelante, que também aparece no resultado da busca, em posição de destaque, não sendo capaz de gerar qualquer tipo de confusão para o consumidor[4].

Por fim, também o TJPR reconheceu que “a indicação de uma marca como palavra-chave serve tão somente de gatilho para disparar os anúncios dos fornecedores e apresentar uma lista de resultados ao usuário, procedimento este que não constitui ‘venda’ ou oferta de serviço, muito menos crime de concorrência desleal pelo desvio fraudulento de clientela. Desta maneira o fato de no sistema de busca aparecerem vários outros produtos similares apenas permite aos interessados optarem por um ou por outros serviços oferecidos no mercado[5].

Tais julgados corroboram o fato de que o conceito de concorrência desleal está ligado ao emprego de meios fraudulentos, que cause confusão ao consumidor. Não há concorrência desleal quando o uso da marca vem apenas como critério para disparo de anúncio e, consequentemente, oferta de mais opções de resultados ao consumidor em torno da marcada buscada, sempre com a identificação e ciência de se tratar de produtos concorrentes.

Perspectiva consumerista: reduzindo a assimetria de informações

Em relação à perspectiva consumerista, para além do fato de um anúncio devidamente identificado já ser suficiente para o atendimento do dever de informação correta ao consumidor, há outro ponto digno de nota: a exibição de anúncios, a partir da busca por marcas, oferece ao consumidor mais opções de resultados relativos aos seus interesses e ao mercado pesquisado.

De fato, ao consumidor, os anúncios resultantes da pesquisa de uma marca representam maior variedade de opções de escolha do que o mero resultado ordinário advindo da pesquisa daquela marca. Desde que o anúncio seja devidamente identificado, e desde que o objeto anunciado não se faça passar pela marca ou produto de terceiros, é benéfico ao consumidor ter anúncios disparados a partir da pesquisa de uma marca, dando-lhe a oportunidade de conhecer outros produtos ou serviços concorrentes, comparar reputação e preço e, ao final, decidir com base nessas informações de forma refletida e consciente.

Trocando o ambiente virtual pelo ambiente físico, seria ilícito se uma pessoa, chegando a um supermercado, perguntasse a localização de um determinado produto e o funcionário do supermercado lhe apresentasse, além do produto solicitado, uma relação com outros produtos similares e seus preços? Ainda na lógica do supermercado, há alguma ilicitude na colocação de produtos similares ou até mesmo concorrentes um ao lado do outro? Estar lado a lado em uma gôndola configura alguma ilicitude?

As perguntas acima são destinadas a transpor a realidade virtual para o mundo físico, mais claro, palpável, de modo a esclarecer que se trata da mesma dinâmica de negócios, num formato comparativo, a serviço e benefício do consumidor. A propaganda contextualizada não traz nada de diferente do que os supermercados já nos trazem há décadas. A única diferença é a mudança do ambiente físico para o virtual.

Não foi por outro motivo que a Federal Trade Commission, entidade responsável pela defesa da concorrência nos Estados Unidos, já discorreu sobre os efeitos nocivos da restrição ao uso de marcas de terceiros como palavra-chave de links patrocinados[6].

Conclusões

Como visto, o tema merece um debate mais cuidadoso e profundo. Não se pode alegar, de forma simplista, que marcas não podem ser utilizadas como palavras-chave para disparo de anúncios, pois isso seria concorrência desleal. Alegar isso é tratar o assunto de forma parcial e limitada, sem analisar contrapontos importantes de serem considerados. É o mesmo que dizer que marcas não poderiam ser utilizadas para fins comparativos de produtos, tal como ocorreu num passado recente, o que, ao final, não prevaleceu na jurisprudência.

A limitação ao acesso de informações não é caminho correto em um ambiente que queira favorecer a livre concorrência e privilegiar a informação e ampla escolha aos consumidores. Restringir o disparo de anúncios em ambiente virtual significa trilhar caminhos contrários à inovação tecnológica, aumentar as barreiras de acesso ao mercado, limitar a concorrência, a inovação e, também, a própria liberdade de escolha do consumidor.

Fica aqui, pois, o convite a uma análise mais ampla, imparcial e irrestrita do tema.


[1] Processos C-236/08 a C-238/08, j. 23.3.2010

[2] STJ, REsp 1.668.550/RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3ª Turma, j. em 23/05/2017, DJe 26/05/2017.

[3] TJSP, Apelação nº 1037648-90.2020.8.26.0100, 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, Relator Des. Sérgio Shimura, j. em 10.08.2021.

[4] TJRJ, Apelação nº 0107747-11.2017.8.19.0001, 19ª Câmara Cível, Relator Desª. Valéria Dacheux, j. em 19/06/2018

[5] TJPR, Agravo de Instrumento nº 0003550-50.2021.8.16.0000, 4ª Câmara Cível, Relatora Desª. Astrid Maranhão de Carvalho Ruthes, j. 03.08.2021

[6] “(…) as restrições à publicidade prejudicam a concorrência e prejudicam os consumidores, interferindo no fluxo de informações dos vendedores para os compradores e elevando os custos para que os consumidores possam encontrar a oferta mais adequada, o que, por sua vez, leva a preços de transação mais altos” (Tradução livre de: Federal Trade Commission. In the Matter of 1-800 Contacts, Inc., a corporation, FTC Matter/File Number: 141 0200. Decisão inicial do Juiz Chefe de Direito Administrativo D. Michael Chappell, 20.10.2017).