Francisco Satiro

Da ilha de Cuba, onde participarei de um evento sobre reforma do ambiente cubano de direito e negócios, ouço as notícias que chegam do Brasil através dos minutos esparsos de internet comprados a peso de Cohibas.
Descubro que o projeto de Código Comercial iria a votação ontem na comissão especial, mas foi adiado. Procuro a versão que seria votada. Nada além daquela, antiga, do meio do ano. A minuta do Projeto de Código Comercial parece uma daquela fotos de estrelas distantes que os cientistas afirmam que já não mais existem no momento em que as conhecemos.
O projeto já não mais existe naquela forma quando é disponibilizado publicamente. O que será votado é então uma grande incógnita - ou coisa de iniciados ou membros de alguma sociedade secreta.
Mas mesmo assim, daqui, de longe, com bits racionados, penso ter ouvido que grandes entidades empresariais já lhe conferiram seu apoio. Culpa dos mojitos, certamente.
Nenhuma entidade dessas, sérias como são, apoiaria um projeto que é completamente desconhecido de seus associados. Afinal, sao quase oito centenas de artigos. Que quando alterados não trazem consigo as já tradicionais "marcas de revisão". Exigem releitura atenta e detalhada.
E vamos e venhamos, oitocentos artigos sobre um determinado assunto não passam incólumes. Nesse meio, certamente há um monte de "mais do mesmo" e um outro tanto de novidade que certamente não é 100% boa nem 100% ruim.
Então aproveito para puxar o assunto com nossos irmãos juristas cubanos, tão menos afeitos às questões empresariais do que nosotros, que há pouco tempo éramos a sexta maior economia do mundo.
Cuba adotava o Código Mercantil Espanhol antes da revolução. E, por razões óbvias, não se preocupou até muito recentemente em refazer seu ambiente regulatório empresarial. Mas os tempos mudaram.
Hoje há demanda por atividade empresaria. Os taxistas se tornaram (adorei a expressão) "cuentapropistas". São pequenos empresários autônomos. Precisam registrar-se, precisam manter contabilidade em dia e estão sujeitos à falência - só ônus.
Mesma situação dos nossos empresários individuais no novo regime do código projetado. Aqui na Ilha eles reclamam de falta de proteção aos bens de produção (especialmente os "almendrones", automóveis da década de 50 e 60, reformados e usados como taxis), da ausência de estruturas de garantias que possibilitem segurança para obtenção de financiamento, da falta de um regime especifico de reorganização em caso de crise e da possibilidade de voltar a empreender caso venham a falir.
Afinal, são "cuentapropistas" que têm familia, compromissos, e que precisam comer, adquirir vestiário, etc (na crise que se seguiu à queda do muro de Berlin e aos problemas econômicos dos países da antiga União Soviética, o governo cubano passou a ter dificuldades de prover tudo o que a população necessita, levando à formação de mercados negros e informalidade por todos os cantos).
O governo cubano estuda alternativas para evoluir no regime empresarial. E para isso convocou especialistas de vários países para dividir suas experiências - Espanha, Inglaterra, Australia, Colombia, Peru, Chile, Argentina e este que vos escreve, pelo Brasil.
Excelente a ideia de convocar especialistas estrangeiros para discutir propostas locais, ao invés de ficar restrito às opiniões dos pais dos projetos e dos que se beneficiam de um ou outro dispositivo - certamente uma estratégia dos regimes socialistas.
E, surpreendentemente, ninguém até agora dividiu os presentes em favoráveis e opositores ao regime estudado. Não é porque alguém é contra esta ou aquela medida que é taxado de "opositor". Esses caribenhos...
Por via das dúvidas decidi que não vou falar sobre o regime de proteção à atividade empresarial dos cuentapropistas no Brasil.
Ontem, no almoço, conversando com alguns desses juristas e elaboradores de políticas públicas, perguntei se Cuba não pensava na elaboração de um Código Comercial. Todos deram boas risadas (eu acompanhei, sorriso meio amarelo).
O assunto logo foi encampado. Da Espanha ouvi sobre o "esporte nacional" que se transformou escrever artigos sobre a legislação projetada (cuja ultima versão, lá, pelo menos é conhecida de todos) a fim de expor suas mazelas e evitar o pior - que venha a ser promulgada; da Colombia - que adotou a lei modelo de garantias empresarias sob o mesmo formato de boa parte do projeto brasileiro (sem revogar as disposições genéricas sobre os assuntos para não criar resistência) ouvi do custo e da insegurança que geraram: hoje cada um escolhe o regime que lhe parece mais favorável (inclusive aqueles que se beneficiariam das mudanças) e não há solução fora do Judiciário (que também escolhe livremente o que vai aplicar). Gastos e riscos multiplicados. Perda de competitividade internacional. Pretendem rever, mas sempre sob o formato de microssistemas que possibilitam rápida integração. Que sorte que não escolheram um Código.
Do Chile e do Peru, ouvi da necessidade de se considerar prioritariamente os standards internacionalmente aceitos (que não conflitem com a cultura juridico econômica local) porque melhoram o ambiente de negócios e atraem investidores estrangeiros - quem não quer? Enquanto isso, voltei a ser questionado pelos australianos - gente insistente! - se ainda pretendemos mudar a classificação de investidores estrangeiros no Brasil em caso de insolvência. Virei-me imediatamente para a mesa e perguntei quem queria mais mojitos - a rodada seria por minha conta!
Mais tarde, os cubanos questionaram o porquê da minha pergunta. Afinal, por que cogitar de um Código Geral de empresas, um instrumento colonial (colônia espanhola, no caso deles) oitocentista como solução para problemas de um mundo globalizado, informatizado e com institutos eficientes fruto da nova Lex Mercatoria - são desenvolvidos testados e adotados no trafico comercial internacional.
Digo que é hora de mais mojitos.
Eles caem na risada.
Eu agradeço por Cuba não ter abundância de internet.
E suspiro...

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JOTA

Uma crônica do que podemos aprender com os nossos vizinhos

De Cuba, sobre o Código Comercial: haja Mojitos!

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