Fabio Teixeira Ozi

Fernando Dantas M. Neustein

Ligia Lima Godoy

Diante do avanço irrefreável do binômio ciência-tecnologia e da digitalização dos clássicos modelos de negócios, o Poder Judiciário e o Conselho de Autorregulação Publicitária (Conar) têm se atentado cada vez mais às evoluções tecnológicas e suas implicações para os usuários da web e consumidores no mundo digital. Seguindo a tendência mundial, tem sido objeto de análise recente pelas autoridades brasileiras a prática de utilização de dark patterns no mercado digital. 
O termo dark patterns, inicialmente proposto por <a href="https://90percentofeverything.com/about/index.html">Harry Brignull</a>, doutor em psicologia cognitiva pela Universidade de Sussex e criador do site dedicado às <a href="https://www.deceptive.design/">Deceptive Patterns</a> (anteriormente <a href="http://darkpatterns.org/">Dark Patterns</a>), refere-se ao uso de estratégias de design, por meio de elementos de interface, com a finalidade de manipular os consumidores e usuários da web a tomarem decisões não conscientes. 
Apesar de ter sido proposto há mais de dez anos, o uso desse termo e sua análise no mundo jurídico foi popularizado apenas recentemente, com a pulverização do e-commerce. Outros nomes também passaram a ser adotados para abordar os dark patterns, como evil interfaces, malicious interfaces, deceptive patterns, padrões obscuros, padrões sombrios ou interfaces maliciosas. 
A Commission Nationale de l'Informatique et des Libertés (CNIL), autoridade francesa equivalente à Agência Nacional de Proteção de Dados (ANPD) no Brasil, <a href="https://linc.cnil.fr/dark-patterns-quelle-grille-de-lecture-pour-les-reguler">divulgou, em setembro de 2019</a>, ponderações sobre a dificuldade de se regulamentar a matéria de dark patterns, visto que eles estariam numa linha tênue entre o ilegal e o legal. 
No ordenamento jurídico brasileiro, inexiste norma específica sobre os dark patterns, havendo uma lacuna legislativa a seu respeito. Contudo, as normas brasileiras que regulam a matéria em direito digital, em especial as relacionadas ao direito à proteção dos dados pessoais, têm seguido a linha adotada pela União Europeia. Simples análise comparativa da <a href="https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/l13709.htm">Lei 13.709/2018</a> (Lei Geral de Proteção de Dados, LGPD) e do <a href="https://gdpr.eu/tag/gdpr/">Regulation (EU) 2016/679, General Data Protection Regulation</a> e de suas respectivas entidades reguladoras, ANPD e European Data Protection Board (Conselho Europeu de Proteção de Dados, EDPB), já demonstra a influência do ordenamento jurídico europeu no brasileiro sobre a temática, com a importação de alguns conceitos. 
Recente exemplo prático da adoção do modelo europeu pelo Brasil é a elaboração do guia orientativo “Cookies e proteção de dados pessoais”, <a href="https://www.gov.br/anpd/pt-br/assuntos/noticias-periodo-eleitoral/anpd-lanca-guia-orientativo-201ccookies-e-protecao-de-dados-pessoais201d">publicado pela ANPD em 18 de outubro de 2022</a>. Esse guia reflete iniciativa similar às adotadas por países europeus – tais como <a href="https://www.cnil.fr/fr/cookies-et-autres-traceurs">França</a> e <a href="https://www.aepd.es/es/prensa-y-comunicacion/notas-de-prensa/aepd-actualiza-guia-cookies">Espanha</a> –, que o fizeram tendo em vista às recomendações do EDPB emitidas por meio do <a href="https://edpb.europa.eu/our-work-tools/our-documents/guidelines/guidelines-052020-consent-under-regulation-2016679_en">Guidelines 05/2020 on consent under Regulation 2016/679</a>. 
E, no tocante aos dark patterns, a União Europeia tem evidenciado preocupações sobre o tema no âmbito regulatório. Tendo em vista as análises jurídicas realizadas sobre a temática nos últimos anos, foram editadas o <a href="https://edpb.europa.eu/our-work-tools/documents/public-consultations/2022/guidelines-32022-dark-patterns-social-media_en">Guidelines 3/2022 on Dark patterns in social media platform interfaces: How to recognise and avoid them</a> em 21.3.2023 e, posteriormente, o <a href="https://edpb.europa.eu/our-work-tools/our-documents/guidelines/guidelines-032022-deceptive-design-patterns-social-media_en">Guidelines 03/2022 on deceptive design patterns in social media platform interfaces: how to recognise and avoid them</a> em 24.2.2023, pelo EDPB. 
Assim, dada a materialização de contínuas reflexões das orientações europeias nas orientações expedidas no Brasil sobre temas relacionados com direito digital, em especial sobre a proteção dos dados pessoais, há perspectivas de futura manifestação da ANPD a respeito dos dark patterns. Tal manifestação, caminhando na linha dos documentos elaborados pelo EDPB, deve orientar os entendimentos da entidade sobre práticas consideradas abusivas e ilegais no uso de interfaces no mundo digital. 
A crescente atenção dada aos dark patterns decorre de uma preocupação das autoridades com a tutela jurídica dos dados pessoais e da proteção em geral do consumidor. Como visto, os dark patterns correspondem a elementos de interface utilizados para manipular o comportamento do consumidor no mundo digital, levando-o a concluir operações de forma não intencional e pensada. A relevância do tema foi tamanha que a <a href="https://webtransparency.cs.princeton.edu/dark-patterns/">Universidade de Princeton</a> realizou estudo pormenorizado a esse respeito, classificando os dark patterns em diferentes tipos e categorias, de acordo com a manipulação exercida sobre o usuário online. 
Citam-se, a título exemplificativo, interfaces que sinalizam disponibilidade e quantidade limitada de produto (quando, em verdade, há alto estoque do produto) ou contadores de prazo sobre o valor do produto (os quais são utilizados de forma ardilosa e cuja contagem é reiniciada ao chegar a zero), a fim de criar um senso de urgência e desejabilidade no consumidor, acelerando sua decisão pela compra do produto. Também caracterizam dark patterns o uso de interfaces para ocultar ou dificultar a exibição de informações ao consumidor e a tomada de decisões, como o hiperlink de cancelamento de inscrição inserido de forma discreta e escondida nos e-mails de marketing e newsletters comerciais. 
Outros exemplos de dark patterns compreendem: assimetria entre inscrição e cancelamento; frustração de comparação de valor de produtos; impossibilidade de exclusão de informações da conta virtual criada; custos/taxas que somente são divulgados no final da compra online; ofuscação visual de informações importantes; indução a selecionar hiperlink que não aparenta ser uma propaganda; e confusão propositada obre a necessidade de registro ou para compartilhamento de informações pessoais. 
Os dark patterns acima elencados a título exemplificativo esbarram nos direitos constitucionais à proteção dos dados pessoais, regulamentado pela LGPD, e do direito das relações do consumo, regulamentado pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC). 
No direito à proteção dos dados pessoais, os dark patterns esbarram na medida em que a manipulação por meio dos dark patterns interfere no poder decisório do usuário sobre o uso e empregabilidade de seus dados pessoais e, consequentemente, na licitude do tratamento dos dados pessoais. Para que o tratamento dos dados pessoais seja lícito, é necessário que o usuário dê seu consentimento prévio, explícito, informado e livre para tanto, em observância aos artigos 5°, 7° e 8° da LGPD.  
Além disso, tal tratamento deve ser limitado aos dados pessoais necessários a suas finalidades, que devem ser específicas, determinadas e previamente informadas de forma clara e transparente ao usuário, conforme artigo 6°, incisos I, II, III e VI, da LGPD (princípios da finalidade, adequação, necessidade e transparência), sob pena de nulidade, nos termos do § 4° do artigo 8° da LGPD. O usuário deve, ainda, estar autorizado a retificar ou excluir seus dados pessoais e revogar o consentimento para tratamento de seus dados pessoais a qualquer momento, por meio de procedimento gratuito e de fácil acesso, em observância ao artigo 18, incisos III, VI e IX, da LGPD. 
No direito das relações de consumo, por sua vez, os dark patterns esbarram na medida em que incorre-se em potencial afronta aos artigos 6°, incisos II, III e IV, e 31 do CDC ao adotar mecanismos pouco claros na prática comercial, violando-se potencialmente a liberdade de escolha, o dever de informação clara e adequada, a proteção contra práticas e cláusulas abusivas no fornecimento de produtos e serviços, e à oferta de produtos e serviços em desacordo com o legalmente exigido (informações claras, corretas, precisas e ostensivas a seu respeito). 
Apesar de não haver legislação específica disciplinando a matéria no Brasil, o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária reconheceu, <a href="http://www.conar.org.br/pdf/conar223.pdf">em acórdão proferido em dezembro de 2022</a>, expressamente a ilicitude dos dark patterns, em razão do uso de interfaces por fornecedor para manipular comportamento de consumidores em benefício próprio. É exatamente o caso de violação dos direitos acima mencionados. 
Já no âmbito judicial, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao julgar os <a href="https://www.stj.jus.br/webstj/processo/justica/jurisprudencia.asp?tipo=num_pro&amp;valor=REsp1737428">embargos de declaração no recurso especial 1.737.428/RS</a>, reconheceu como ilegal a prática de divulgação de custos e/ou taxas extras somente no final da compra (prática esta que configura um tipo de dark pattern). 
Para o ministro Paulo de Tarso Sanseverino, que abriu a divergência e elaborou o voto vencedor do recurso, “merece ser repelida com vigor a prática abusiva e desleal de ofertar produto/serviço por um preço artificialmente menor, para, depois de capturar a preferência do consumidor no mercado de consumo, exigir a diferença de preço sob a roupagem de um falso serviço ‘adicional’, aumentando indevidamente o valor a ser desembolsado pelo consumidor”. 
Tendo em vista a crescente atenção dada à matéria pelas autoridades brasileiras e acompanhando a tendência mundial, é recomendado especial zelo e atenção no uso de interfaces no mundo digital para evitar possíveis responsabilizações administrativas e judiciais pela inobservância do consentimento livre, informado e inequívoco do usuário online, assim como pela manipulação da manifestação de vontade do consumidor e uso indevido de seus dados.

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JOTA

O posicionamento de órgãos administrativos e judiciais sobre o uso de interfaces sob a ótica do direito digital e do consumidor 

Dark patterns: vedação aos padrões obscuros no mercado digital

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