Rodrigo de Abreu Pinto

Dias atrás, usuários da comunidade do mercado financeiro no Twitter, batizada de Fintwit, foram surpreendidos pela Comissão de Valores Mobiliários (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/cvm">CVM</a>). A reguladora do mercado de capitais solicitou os dados de diversos usuários – os chamados influencers — no âmbito de um “<a href="https://www.seudinheiro.com/2022/economia/fintwit-sob-investigacao-cvm-twitter-influenciadores-miql/">trabalho de supervisão</a>”.  
Seja no Twitter ou nas demais redes sociais, os influenciadores são seguidos por milhares de investidores. Suas postagens geram engajamento, formatam opiniões e inspiram condutas negociais, tal como os influenciadores de outros ramos (moda, culinária, fitness etc.).  
O apelo aos influenciadores é uma consequência natural do aumento do número de pessoas físicas no mercado de capitais. O regime do full disclousure garante que as informações sejam prestadas, sendo que boa parte dos investidores não tem conhecimento para analisar a fundo as informações disponíveis.  
O papel dos influencers, por essa ótica, é aprimorar a efetividade do full disclousure. Eles diminuem a assimetria informacional entre investidores e emissores, bem como entre investidores e players institucionais (como fundos de investimento, que são geridos por profissionais com conhecimento especializado). 
 A preocupação da CVM é que a atuação dos exercícios cruze a linha da atividade dos chamados analistas de valores mobiliários, que não pode ser exercida sem a autorização do regulador.  
Os analistas são regulados pela Resolução CVM nº 20/2022, em que são definidos como “pessoa natural ou jurídica que, em caráter profissional, elabora relatórios de análise destinados à publicação, divulgação ou distribuição a terceiros, ainda que restrita a clientes” (artigo 1º).  
A CVM define relatórios de análise como “quaisquer textos, relatórios de acompanhamento, estudos ou análises (...) que possam auxiliar ou influenciar investidores no processo de tomada de decisão de investimento” (artigo 1º, §1º).  
A atuação do analista pode se dar de três formas: 1) de forma autônoma; 2) vinculado a uma casa de análise; ou 3) vinculado a um intermediário (geralmente uma corretora). Nesses dois últimos casos, são as pessoas jurídicas que devem possuir o registro de analista.   
A CVM exige que o analista seja credenciado pela <a href="http://www.apimec.com.br/">APIMEC</a> para o exercício da atividade e, no caso da pessoa física, sendo-lhe exigido requisitos como 1) graduação em curso de nível superior, 2) aprovação em exame de qualificação e 3) reputação ilibada.   
O regulador pressupõe que o registro é instrumento eficiente para garantir que os investidores serão aconselhados por profissionais qualificados, além de facilitar a fiscalização da CVM a possíveis atos ilícitos praticados pelos analistas (como manipulação de mercado).  
 A CVM vem dando sinais de que fiscalizará a atuação dos influenciadores com mais rigor.   
O ex-presidente Marcelo Barbosa incluiu o assunto na <a href="https://www.gov.br/cvm/pt-br/assuntos/noticias/cvm-lanca-agenda-regulatoria-para-2022">Agenda Regulatória 2022</a> em que prometeu um estudo de Análise de Impacto Regulatório sobre o tema. Já o presidente recém-empossado, João Pedro do Nascimento, contou à <a href="https://www.bloomberglinea.com.br/2022/08/08/criptoativos-influencers-e-agillidade-as-prioridades-do-novo-chefe-da-cvm/">Bloomberg</a> que a regulamentação dos influenciadores digitais será uma das prioridades do seu mandato.  
As referências da CVM mais diretas aos influenciadores estão em dois Ofícios Circulares recentes.   
No <a href="https://conteudo.cvm.gov.br/legislacao/oficios-circulares/sin/oc-sin-0219.html">Ofício Circular nº 2/2019</a>, a CVM ressaltou que o exercício irregular da atividade de analista pode se dar por meio de perfis em redes sociais (Youtube, Instagram, Facebook, etc), divulgações em apps de mensagens (Whatsapp, Telegram, etc) ou website do próprio influenciador digital.  
No <a href="https://conteudo.cvm.gov.br/export/sites/cvm/legislacao/oficios-circulares/sin/anexos/oc-sin-1320.pdf">Ofício Circular nº 13/2020</a>, a CVM destacou que somente os influenciadores digitais que atuem “em caráter profissional” precisam da autorização, sendo determinante para a caracterização do serviço profissional 1) a habitualidade; 2) a cobrança de taxa de assinatura, mensalidade ou outro meio de remuneração; e 3) a linguagem utilizada.   
Apenas na presença desses três elementos, configura-se a atuação restrita aos analistas registrados. Casos em que a CVM poderá determinar uma Stop Order (ordem de interrupção da atividade) ou a instauração de processo administrativo sancionador contra o influenciador que estiver exercendo a atividade de analista sem registro. 
Levantamento da <a href="https://www.anbima.com.br/pt_br/especial/influenciadores-de-investimentos-2.htm">Anbima</a> identificou 277 influenciadores de investimento que juntos têm 612 perfis e uma base de 91 milhões de seguidores em seus canais, com um engajamento médio de 1.140 interações por publicação. Diante do desafio de verificar se cada um desses se enquadra, ou não, dentro dos parâmetros para exigir-lhes o registro, lembro do conselho da personagem de Ismênia em Antígona: “o impossível é melhor nem tentar” – ainda mais considerando que o contínuo aparecimento de novas redes sociais (Tiktok, Clubhouse) e novos meios de pagamento (Pix, criptomoedas Vakinha) tornarão as verificações ainda mais difíceis.  
Mesmo que se diga que a CVM investirá em ferramentas de processamento para analisar os dados e identificar possíveis ilícitos, o trabalho do regulador não será menos colossal. Em primeiro lugar, processo recente da CVM e uma casa de análise dá uma dimensão do problema pela dificuldade da CVM em simplesmente acessar as áreas restrita a assinantes das plataformas (<a href="https://conteudo.cvm.gov.br/decisoes/2020/20200211_R1/20200214_D1321-1355.html">PA CVM nº 19957.000861/2019-35</a>).  
Em segundo lugar, como frisou o ex-diretor Gustavo Gonzalez sobre o uso da tecnologia: “Os meios de detecção consistem em filtros estatísticos, que buscam, no meio da infinidade de dados registrados pelos sistemas de negociação, identificar padrões de negociação que, a princípio, podem caracterizar uma prática ilícita. A configuração do ilícito, é importante dizer, dependerá, necessariamente, da subsunção da conduta aos elementos do tipo. Não se pode, portanto, interpretar os filtros de detecção como filtros de ilicitude” (<a href="https://conteudo.cvm.gov.br/export/sites/cvm/noticias/anexos/2020/20200804_PAS_CVM_SEI_19957_009864_2019_34_voto_diretor_gustavo_gonzalez.pdf">PAS Nº 19957.009864/2019-34</a>, julgado em 04 de agosto de 2020). 
Um dos princípios aplicáveis à Administração Pública é o da eficiência, pelo qual se exige que o agente público desempenhe suas atribuições de modo racional em relação aos recursos. Desempenho esse que é dificultado, no caso da CVM, pelas suas <a href="https://braziljournal.com/opiniao-o-problema-orcamentario-da-cvm-tem-solucao-e-preciso-vontade-politica/">conhecidas</a> limitações orçamentárias e de pessoal.  
O que nos leva a pensar se os recursos financeiros e humanos da CVM não estariam melhor aplicados em outros finalidades, que não nessa guerra pelo visto perdida.  
Embora o sistema de credenciamento da CVM seja meritório e à ele devemos a evolução da proteção aos investidores em nosso sistema jurídico, tal instrumento centralizado e baseado em mecanismos de comando e controle pode ceder a iniciativas menos custosas e voltadas a educar os investidores a um novo padrão de conduta com os influenciadores.  
Ao contrário de atividades como agente autônomo de investimento e gestor de recurso de terceiros, a Lei 6.385/1976 não determina que o exercício da atividade de analista está sujeito à autorização prévia da CVM. O artigo 27 estabelece que “[a] Comissão poderá fixar normas sobre o exercício das atividades de consultor e analista de valores mobiliários”, estando nas mãos do regulador a previsão, ou não, da necessidade de registro dos analistas.  
Repensar o registro pode significar mais energia a atuação fiscalizatória e sancionatória nas ocasiões em que haja indícios de ilícitos de maior relevância para a sociedade, além de eliminar o risco de que a manutenção de regras que não são verificadas espalhe uma sensação de impunidade.   
Diferente da poesia drummondiana, o sentimento deve ser proporcional às mãos no caso da regulação do mercado de capitais.

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JOTA

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