Iuri Dantas

Tiago Severo Gomes

Criado há 32 anos (Decreto nº. 91.152, de 15.3.1985), o Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional (CRSFN) obteve nos últimos meses avanços raros na administração pública. Responsável pela última palavra administrativa sobre autuações do Banco Central, do Coaf e da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), o chamado Conselhinho do BC foi reestruturado há um ano atrás. As alterações foram regimentais e comportamentais, mas ainda falta uma reforma estrutural para que o órgão tenha vida longa, sem retrocessos. 
A primeira alteração relevante ocorreu com a edição do novo regimento interno, que garantiu maior fluidez na tramitação processual no órgão, principalmente causada pelo gargalo de processos represados na Procuradoria da Fazenda Nacional aguardando a emissão de parecer. A implementação do Sistema Eletrônico de Informação (SEI) foi o passo seguinte: o processo agora é eletrônico, fato que deu um salto de agilidade no fluxo interno de entrada-saída. Tudo isso combinado com novos nomes que passaram a integrar a Secretaria-Executiva do órgão. Sangue novo, vida nova.
O resultado da combinação entre alterações regimentais e comportamentais foi responsável por resultados notáveis em apenas 12 meses. Segundo a presidente do Conselhinho, Ana Maria de Mello Neto, as antigas engrenagens e os fluxogramas desatualizados de trabalho estavam atrapalhando o desenvolvimento do jogo. 
As alterações não ocorreram à toa. O inverno está chegando e é preciso estar preparado.
Quem acompanhou as sessões do Conselhinho no início desta década devia se preparar para assistir ao julgamentos de casos envolvendo financiamentos no âmbito do pró-álcool, de 1986 ou sobre operações de câmbio realizadas durante a primeira fase do Plano Real, quando um dólar era igual a um real.   
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Ocorre que o mercado de hoje em dia é outro. O mundo não é mais o mesmo que aquele de dez anos atrás. Fora o volume de operações e de negócios no setor financeiro, a complexidade dos temas (bitcoin, cloud, e-wallets, blockchain, etc.) e do que é objeto da regulação setorial eleva ainda mais a responsabilidade e a necessidade de expertise da última instância administrativa para fins de penalização no âmbito do Sistema Financeiro Nacional.  
Por conta disso, a estrutura do órgão precisará acompanhar as mudanças iniciadas. A cabeça mudou, mas o corpo permanece o mesmo.
Incentivos e resultados práticos
O que se viu desde a edição do novo regimento interno foi suficiente para mudar o Conselhinho de patamar, algo que gerou entre advogados atuantes, academia, mercado e os próprios reguladores (aqueles de 1ª instância) o tipo de atenção que precede um maior número de recursos e, consequentemente, mais trabalho para o colegiado.
O início do uso do SEI - sistema que também é usado pelo Cade e pela CVM, por exemplo - permitiu que o prazo médio de publicação de acórdãos caísse de 16 meses, registrados há dois anos para espantosos 22 dias. Há casos em que o acórdão está na edição do D.O. no dia seguinte ao julgamento - um ritmo aceitável para a administração pública.
Olhando em retrospectiva, a adoção do SEI permitiu que conselheiros revisem mais rapidamente seus votos e dà à Secretaria-Executiva do Conselhinho uma forma mais ágil de organizar a publicação dos acórdãos. Para o mercado, é uma sinalização clara de como norma editada passa a ser interpretada.
Para melhorar os prazos, o CRSFN se baseou em duas vertentes. Por um lado, o novo regimento define prazos maiores para elaboração dos votos e publicação das decisões - mas com a diferença de que o descumprimento reiterado das datas submete o conselheiro à perda do cargo. O prazo é o de 180 dias, via de regra.
Interlocutores que atuam no CRSFN contam que a "cenoura" falou mais alto que o "chicote". Em outras palavras, o trabalho foi agilizado porque os conselheiros perceberam que a eventual destituição criava um novo sistema em que todos buscariam cumprir efetivamente os prazos - em vez de descumpri-los de forma contumaz como ocorria antes. 
Essa mudança de comportamento pode ser traduzida em uma conscientização maior dos integrantes do Conselhinho sobre a tempestividade das decisões e a necessidade de dar respostas rápidas - principalmente a temas já debatidos no Conselhinho. 
A falta de um sistema informatizado prejudicava, inclusive, a pesquisa de decisões anteriores do colegiado, para que os conselheiros soubessem efetivamente o entendimento do CRSFN sobre determinadas matérias.
Em segundo lugar, foi implementada uma nova forma de gestão na distribuição e pauta de julgamentos. Não apenas a pauta, mas também os processos que chegavam às mãos dos conselheiros passaram a ser agrupados por temas - permitindo maior agilidade e um estudo mais aprofundado dos assuntos por parte dos relatores. 
Estas medidas foram responsáveis, como dito antes, por resultados notáveis. Hoje, o CRSFN não possui estoque e julga recursos de condutas ocorridas nos últimos meses. O Conselhinho do BC oferece respostas mais rápidas e mais facilmente acessáveis pela rede mundial de computadores.
Alguns poderiam argumentar que se trata de obrigação básica do Estado, em especial no direito administrativo punitivo, dar as respostas esperadas pela sociedade e cumprir as funções previstas em lei o mais rápida e eficientemente possível. Outros diriam que entre o ideal e o mundo real há uma distância maior e parte relevante dos serviços prestados no âmbito federal deixa a desejar.
 No âmbito dos fatos, o CRSFN atingiu um novo patamar - o que merece elogios - e lidou bem com o passado. O futuro (complexo) é um caso completamente diferente, que precisa de atenção.
Falta de estrutura
Em seu 33º ano de vida, o Conselhinho ainda não dispõe de estrutura compatível com suas atividades. Fato. Uma lacuna que talvez o impeça de atingir o grau de eficiência ideal para um órgão do Poder Executivo.
Exemplos recentes indicam o quanto o trabalho pode ser melhorado - ou prejudicado - se não houver um bom planejamento sobre a estrutura ou a quantidade de servidores alocados em áreas de apoio. 
O Carf, por exemplo, passou quase três trimestres sem funcionamento depois de vir à tona um esquema de corrupção entre alguns de seus conselheiros. O Ministério da Fazenda, ao qual também está vinculado o CRSFN, suspendeu as atividades do órgão, reformulou a estrutura - impedindo que conselheiros exercessem advocacia privada - e também reformulou o regimento interno.
Já o Cade no mês passado fez do limão, limonada. Ao perder nove cargos de assessoramento (DAS), reorganizou as funções internas e criou uma nova coordenação de cartéis na Superintendência Geral. 
Em ambos os órgãos, pode-se perceber o impacto positivo de um número maior de servidores dedicados às áreas meio e à assessoria dos conselheiros. Também os dois indicam os prejuízos para os jurisdicionados quando a tesoura de corte de gastos corta pessoal.
O caso do CRSFN, por outro lado, revela-se sui generis. 
Para além da discussão sobre a composição do conselho, o órgão poderia não existir de fato. A presidência e a vice-presidência são exercidas por funcionários do Ministério da Fazenda - assessores escolhidos pelo ministro para desempenhar as funções sem a possibilidade de abandonarem outras tarefas de seus cargos atuais. 
A secretaria-executiva, responsável pelo “back office” do órgão, por outro lado é exercida por servidores cedidos pelo Banco Central, também sem dedicação exclusiva e sem qualquer tipo de gratificação. O mesmo se aplica aos conselheiros público e representantes da PGFN, que atuam perante o CRSFN. 
Vê-se, portanto, a impossibilidade de comparar o Conselhinho com o Carf e o Cade sob este prisma. Isso sem mencionar que não há controle do Legislativo sobre os integrantes do Conselhinho e do Carf, diferentemente dos conselheiros, superintendente e procurador da autoridade antitruste, que respondem a sabatina na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado e precisam ter seus nomes aprovados pela maioria da Casa Revisora. 
O mais perigoso é achar que as alterações até então feitas no regimento interno, que somente foram possíveis de implementação porque houve “sangue novo” no órgão, possam garantir a subsistência neste inverno. O corpo precisa acompanhar a cabeça. 
Lava Jato e riscos à frente
Há dois grandes riscos no horizonte de atuação do Conselhinho: a chegada de casos da Operação Lava Jato e a reforma do Processo Administrativo Sancionador (PAS). 
Os casos da maior operação de combate à corrupção da história não devem exigir análise muito detalhada, afinal do ponto de vista financeiro há rastros não vistos a olho nu. 
Casos como o de Eike Batista e Eduardo Cunha - investigados pelo Banco Central e pela Comissão de Valores Mobiliários - representam dissimulação de capital brasileiro no exterior, um tema considerado menos complexo e sobre o qual o CRSFN possui ampla experiência.
Essa, porém, configura apenas a ponta visível do iceberg. Não é possível saber até o momento a extensão ou o escopo das investigações do BC e da CVM relacionados à Lava Jato e isso pode representar a chegada de recursos ao CRSFN que demandem mais tempo de análise e discussão interna. Um tempo dado pela cobrança pública sobre o Conselhinho e não definido pelo Regimento Interno.
Na outra ponta, segue na Casa Civil a versão final de um projeto que reformula o Processo Administrativo Sancionador no âmbito do sistema financeiro nacional. Um dos principais pontos, mas não o mais importante, aumenta o valor máximo de multa dos atuais R$ 500 mil para R$ 2 bilhões. O movimento certamente eleva os incentivos para que empresas e investidores recorram de decisões do BC e da CVM.
A prioridade da equipe econômica do governo Michel Temer nunca foi segredo. Desde o primeiro momento, o ministro Henrique Meirelles e o presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, deixaram claro que buscavam reordenar e recuperar a economia. A tarefa passou pela aprovação do teto de gastos da União e continua na forma de reformas importantes, como as mudanças na Previdência e na legislação trabalhista. Que as mudanças e aperfeiçoamentos no âmbito microeconômico, com destaque para uma maior profissionalização da estrutura do CRSFN, não figurem mais uma vez como a agenda perdida do país.

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JOTA

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