Erik Eduardo Rego

L'Inti Faiad

André Castro Carvalho

O país vive uma séria crise institucional que, com razão, monopoliza as atenções de todos. Entretanto, não obstante o mundo econômico sentir e refletir, indireta ou diretamente, as vibrações desta crise, a roda da economia não para de girar e segue seu caminho, para o bem ou para o mal.  Como se sabe, para que as engrenagens se movimentem com fluidez e consistência, compete ao direito fornecer segurança jurídica aos investimentos a serem realizados.
Especificamente no setor energético, uma importante decisão governamental – não só pelo número de potenciais atingidos, mas, também, pelo efeito repetitivo que a conduta pode gerar no futuro – foi tomada em meio a esta crise e publicada no diário oficial do dia 9 de março de 2016.
O Conselho Nacional de Política Energética editou a Resolução n. 2 que “Dispõe sobre medidas de incentivo à exploração e à produção de petróleo e gás natural em território brasileiro e dá outras providências”.
Interessante frisar que um dos “considerandos” da norma é: “novos investimentos na indústria petrolífera requerem regras estáveis e vigência que permitam o planejamento de longo prazo, assegurando a manutenção dessas regras durante o período de realização dos investimentos e de sua remuneração”.
Concretamente, a disposição normativa autorizou que a Agência Nacional do Petróleo – ANP prorrogue “os prazos de vigência dos Contratos de Concessão firmados por ocasião da Rodada Zero, em 1998” (art. 1º, caput).
As diretrizes de tais prorrogações são: “I - a prorrogação deverá ser efetuada apenas para os campos cuja extensão do prazo de produção se mostre viável para além do período contratual original; II - as concessionárias interessadas na prorrogação de que trata o caput deverão submeter à aprovação da ANP o novo Plano de Desenvolvimento, indicando os investimentos a serem realizados; e III - o prazo de prorrogação deverá ser compatível com as expectativas de produção decorrentes do novo Plano de Desenvolvimento e dos novos investimentos, limitado a vinte e sete anos” (incisos do artigo 1º).
A medida determinou que a ANP “no prazo de até trinta dias contados da publicação desta Resolução, notifique as concessionárias operadoras de campos que não tenham apresentado produção nos últimos seis meses para que restabeleçam a produção nos próximos doze meses, ou para que, nesse período, transfiram os direitos sobre esses campos para empresas que se comprometam e tenham capacidade de cumprir a produção” (art. 2º, caput). Caso não sejam atendidas estas disposições, cabe à ANP promover a extinção das concessões.
Diante do exposto acima, tecemos as seguintes considerações.
A competência do Conselho Nacional de Política Energética é prevista em algumas disposições normativas. Em primeiro lugar, o artigo 2º, da Lei n. 9.478/97, dispõe que “Fica criado o Conselho Nacional de Política Energética - CNPE, vinculado à Presidência da República e presidido pelo Ministro de Estado de Minas e Energia, com a atribuição de propor ao Presidente da República políticas nacionais e medidas específicas destinadas a (...)”.
O artigo 10, da Lei n. 12.352/10, estabelece que “O Conselho Nacional de Política Energética - CNPE tem como competências, entre outras definidas na legislação, propor ao Presidente da República”.
O artigo 1º, do Decreto Federal n. 3.520/2000, que regulamenta o CNPE, dispõe que “O Conselho Nacional de Política Energética - CNPE, criado pela <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9478.htm">Lei no 9.478, de 6 de agosto de 1997</a>, é órgão de assessoramento do Presidente da República para a formulação de políticas e diretrizes de energia, destinadas a: [...]”.
Sob uma interpretação jurídica do mencionado, considera-se problemática qualquer forma de concretização do direito que permita interpretar as competências normativas acima transcritas como a ensejar que o CNPE “autorize” a ANP a promover a prorrogação dos contratos de concessão da Rodada Zero em questão, imputando à resolução, salvo melhor juízo, a pecha de constitucionalidade duvidosa.
Acredita-se que a medida tenha sido adotada em face da flagrante crise institucional pelo seguinte fato: as medidas propostas precisariam ser, ao menos, previstas em lei aprovada pelo Congresso Nacional, e, diante do contexto político vigente, é um caminho inviável em termos pragmáticos. É notória no mundo jurídico a problemática de tais prorrogações mesmo com assento legal
A crise institucional faz o Estado trilhar caminho jurídico cujo risco é evidente, o que pode ocasionar contestações jurídicas posteriores. Não à toa que antigas prorrogações de contratos de concessão em outros setores de infraestrutura estiveram arrimo jurídico em medidas provisórias posteriormente convertidas em lei – caso do setor de energia e portuário. Tanto é verdade que sempre há uma certa “expectativa” por parte dos players quanto à conversão da MP em lei, visto que, caso isso não ocorra, as prorrogações não terão efeitos. Por essa razão é que justamente são propostas medidas legislativas de prorrogação com certa antecipação ao termo final dos contratos de concessão.
Como é cediço pelo setor energético, a exacerbação das competências pelo CNPE já incidiu de forma pouco produtiva sobre mercado quando da edição da Resolução n. 3/2013 que estabeleceu “diretrizes para a internalização de mecanismos de aversão a risco nos programas computacionais para estudos energéticos e formação de preço”. O risco jurídico perpetrado por esta disposição normativa foi sentido por todos os envolvidos com a extrema judicialização da questão.
Em face desse cenário, as consequências econômicas talvez não possam ser medidas com precisão no cenário de médio e longo prazo. Mas, certamente, haverá consequências não benéficas ao mercado em face do risco jurídico aqui evidenciado.
Os órgãos de fiscalização da administração, especialmente Ministério Público, poderá, a qualquer tempo, promover medidas judiciais para questionar a constitucionalidade da Resolução.
E o que farão os concessionários que se mobilizaram, angariaram fundos, buscaram investimentos, empregaram, em face das disposições e confiando na suposta segurança  jurídica instaura pela referida Resolução?
Os potenciais danos econômicos são incalculáveis.
Quando da realização de leilão de outorga de uso de bem público ou da prestação de serviço público, o acionista calcula o valor de seu lance pelo método do fluxo de caixa descontado, considerando o período da concessão definido em edital, como prazo para a projeção dos demonstrativos financeiros.
Portanto, a não relicitação ao término da concessão, causa, como primeiro prejuízo ao consumidor, a continuidade de pagamento de pedágio/tarifa que foi precificado para remunerar de forma “justa” e adequada, somente durante o período da outorga original, os investimentos que foram realizados no início da concessão. Em outras palavras, com a não relicitação, o consumidor paga por um ativo já depreciado ao preço de novo.
Além disto, no momento do leilão, os empreendedores calculam o valor do lance em função das condições de mercado (incertezas, riscos, expectativas econômicas) vigentes; e, assim, uma empresa é comprada, a decisão de investimento num projeto é feita, ou seja, um lance é dado, cujo resultado para o consumidor será o valor do pedágio ou o preço de comercialização de energia elétrica.
Consequentemente, a não relicitação leva a segundo prejuízo ao consumidor, a aplicação de tarifa que não retrata as condições de mercado naquele momento. E, para a situação em discussão neste artigo, caso as condições atuais fossem piores, os próprios concessionários não aceitariam uma simples extensão de prazo. De fato, não são, pois há 20 anos o país passava pelo processo de estabilização da moeda, entre outras reformas estruturais, como a própria criação das agências reguladoras – que deveriam defender os interesses do consumidor.
E por mais que se inclua obrigações de investimento e critérios de qualidade, a não realização de um processo licitatório impede que o jogador que mais valore o bem seja o outorgado da concessão, aquele disposto a pagar o melhor preço pelo bem leiloado. O caso da licitação das hidrelétricas da CESP (Jupiá e Ilha Solteira), em novembro de 2015, vencidas pela China Three Gorges (CTG) é um recente exemplo de que nem sempre o atual concessionário é quem atribuirá maior valor ao bem licitado.
Adicionalmente, a ausência de um processo licitatório impede a resolução de problemas que qualquer regulador reconheceria como preocupações fundamentais em mercados não competitivos (como da exploração de uma rodovia): comportamentos colusório e predatório, barreiras à entrada de novos competidores e, mais genericamente, o poder de mercado.
No longo prazo, esta decisão pode causar distorções em futuras licitações, vez que as bases para o sucesso de um leilão são: Estado de Direito e execução de contratos; estabilidade regulatória e não alteração das regras de leilões; e evitar-se a falta de transparência. E, neste caso, a não estabilidade de regras irá permitir leituras diferentes do tratamento do término da concessão em futuros leilões, e, consequentemente, precificações diferentes, podendo não atribuir a quem mais valora o bem sua outorga, tampouco o preço reflita seu valor “justo”, podendo fazer com que o consumidor pague mais por isso, pela instabilidade das regras.

plataforma-petroleo-petrobras-carf

https://images.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/copy-of-jota-logo-high-cmyk.jpeg

JOTA

A edição da Resolução n. 2 do Conselho Nacional de Política Energética sobre exploração e produção de petróleo e gás natural em território brasileiro

Crise institucional, risco jurídico e consequências econômicas

A edição da Resolução n. 2 do Conselho Nacional de Política Energética sobre exploração e produção de petróleo e gás natural em território brasileiro