Izabela Corrêa

Há aproximadamente um mês uma jornalista de um dos grandes jornais brasileiros me perguntou se eu acreditava que a crise fiscal levaria a um debate público e racional sobre os salário e os benefícios dos juízes. A crise fiscal fortaleceria a estagnação do aumento, mas não seria suficiente para gerar o debate necessário. Minha esperança restava no início do mandato da ministra Cármen Lúcia na presidência do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), e no aumento da transparência do Judiciário.
Apenas três dias após a troca de comando do STF e do CNJ, Cármen Lúcia e seu antecessor divergiram publicamente sobre o aumento dos salários dos ministros do Tribunal. A recém empossada presidente admitiu a possibilidade de rever o projeto de lei enviado pelo ministro Lewandowski para aumento dos salários. A divergência não deveria causar espanto.
O agora ex-presidente do STF, Ricardo Lewandowski, tinha um compromisso formal com os juízes. Em seu discurso de posse como presidente da Corte, há dois anos, ele prometeu “restaurar a autoestima do Judiciário” e dar particular atenção à recuperação das perdas salariais dos juízes brasileiros “de modo a garantir-lhes uma remuneração condigna com o significativo múnus público que exercem, bem como assegurar-lhes adequadas condições materiais de trabalho, além de proporcionar-lhes a oportunidade de permanente aperfeiçoamento profissional mediante cursos e estágios aqui e no exterior.”
No primeiro ano em que presidiu o CNJ, o auxílio-moradia foi regulamentado e estendido a todos os juízes do país. Seis vezes o valor do salário mínimo à época, todos os juízes (inclusive aqueles que possuíam imóvel no município onde trabalhavam) passaram a fazer jus a auxílio de quase R$4,5 mil por mês, isentos de contribuição previdenciária ou Imposto de Renda.
Um dos benefícios seguintes apoiados e aprovados pelo ex-presidente do STF foi o retrocesso na transparência dos salários dos juízes. A decisão pela não divulgação nominal de seus salários foi tomada quando o CNJ regulamentou a Lei de Acesso à Informação (LAI) no âmbito daquele Poder. Ao passo em que os servidores ou ocupantes de cargos políticos do Executivo, Legislativo e do próprio STF têm seus salários nominalmente divulgados na internet, a perspectiva corporativista ganhou a luta pelo segredo dos salários dos membros e servidores do Judiciário. O então presidente do CNJ defendeu que os valores recebidos pelos juízes não precisam ser divulgados nominalmente na internet porque colocaria em risco a segurança dos juízes; quem tiver interesse na informação precisa se identificar em um pedido de acesso à informação, para solicitar uma informação que é de caráter indiscutivelmente público.
É também pública a insistência do ex-presidente do STF pelo aumento do teto dos salários dos ministros do Tribunal, no momento talvez mais inadequado possível, enquanto conduzia o processo de impeachment.
O discurso de posse de Cármen Lúcia como presidente do Supremo Tribunal Federal divergiu significativamente do de seu antecessor. Ela dirigiu-se em primeiro lugar ao cidadão, prometeu transparência do Judiciário, acesso à justiça, não fez promessas à magistratura, e reconheceu que o Judiciário não vem cumprindo seu papel.
Antes da posse como presidente, a ministra Cármen Lucia havia declarado ser contra o auxílio-moradia, qualificou o Judiciário de luxuoso e, quando questionada sobre a série de ações judiciais de juízes do Paraná contra jornalistas que revelaram seus ganhos mensais, afirmou "É no mínimo esquisito. ... O que foi publicado não era proibido. ... É grave porque é como se estivesse tentando criar um direito à privacidade onde o dever é de publicidade. ... Quem paga [os salários] são vocês."
Ainda em seu discurso de posse, Cármen Lúcia disse que “para que o Judiciário nacional atenda como há de atender à legítima expectativa do brasileiro, não basta mais uma vez reformá-lo. Faz-se urgente transformá-lo”. Essa transformação exigirá maior transparência por parte do Judiciário, inclusive dos penduricalhos, ou para me referir aos termos utilizados por Cármen Lúcia, “além do teto, cobertura, puxadinho e sei lá o que”. Sob pena de os juízes continuarem constrangendo os cidadãos e a mídia a não debaterem sua remuneração e benfícios. Exige que todos os órgãos do Judiciário passem a divulgar na internet ao menos a <a href="http://artigo19.org/wp-content/blogs.dir/24/files/2016/05/ARTIGO-19-Caminhos-da-Transpar%C3%AAncia-%E2%80%93-A-Lei-de-Acesso-%C3%A0-Informa%C3%A7%C3%A3o-e-os-Tribunais-de-Justi%C3%A7a.pdf">lista mínima</a> de informações definidas na LAI. Exige um inclusivo e vasto debate que avance medidas sobre como e quando os juízes devem priorizar o princípio da publicidade e o interesse público, privilegiados na Lei de Acesso à Informação, para aumentar o acesso aos processos judiciais. Exige que os cargos dedicados à sociedade civil no Conselho Nacional de Justiça sejam preenchidos por representantes da sociedade civil. E não por servidores do Legislativo, como nas últimas gestões.
A pauta pela transparência do Judiciário e a falta de apreço pelo corporativismo, ambas abraçadas por Cármen Lúcia, são oportunas e necessárias. Mas podem enfrentar algumas dificuldades, especialmente em tempos em que o Judiciário é protagonista de uma operação que parte da opinião pública acredita ser a oportunidade de mudar a enraigada cultura de corrupção política do país. Ainda assim, a perspectiva é bastante positiva.

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Crise fiscal, reajuste para a magistratura e a gestão Cármen Lúcia

Constituição e Democracia