Thiago Ferreira Almeida

Recentemente, países desenvolvidos aprovaram planos de recuperação econômica em suas economias, como os Estados Unidos que anunciou um pacote de 1,9 trilhões de dólares<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a> e a União Europeia no montante de 1,8 trilhões de euros para os seus países-membros.<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>
Tais anúncios dos Estados Unidos e da Europa, bem como de outros países desenvolvidos, reacendem uma questão de importância internacional: por que a recuperação econômica decorrente da pandemia da Covid-19 é desigual e baseada em planos nacionalistas ou da União Europeia, enquanto que na crise financeira de 2008 buscou-se uma atuação multilateral?
<a href="https://conteudo.jota.info/poder-contato"><img class="size-medium wp-image-292717 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-poder.jpg" alt="" width="688" height="688" /></a>A crise financeira deflagrada no setor imobiliário em setembro de 2008 nos Estados Unidos, a partir da falência do Banco Lehman Brothers<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>, e posteriormente estendida à Europa, alterou de modo significativo o sistema financeiro internacional.
Essa ocorrência diferenciou-se das típicas crises cíclicas das economias em desenvolvimento nas décadas de 1980 e 1990 (México, Turquia, Rússia, Tigres Asiáticos, Argentina e Brasil). Em 2008, o epicentro ocorreu nos principais centros financeiros dos países desenvolvidos.
Durante a primeira década do século XXI, um novo grupo de países de industrialização tardia passaram a apresentar forte desempenho econômico, sendo conhecidos como as economias emergentes.
Dentre esse conjunto, destaca-se o BRIC – Brasil, Rússia, Índia e China –, acrônimo criado em 2001 por Jim O’Neill, economista-chefe do Goldman Sachs, tendo afirmado que esses quatro países juntos poderiam superar as seis maiores economias no mundo, em um período de 30 anos.
Em 2010, o grupo aprovou a entrada da África do Sul, formando o acrônimo BRICS desde então, convergindo em agendas coordenadas sobre políticas econômicas internacionais.<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>
A trajetória dos países emergentes dos BRICS no primeiro decênio do século XXI foi tão excepcional que caracterizou o período como a "Década dos BRICS”<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a>.
Aliado à pujança econômica, os países emergentes passaram a se organizar a partir de 2009, por meio de foros internacionais, como o BRICS e o G20 Financeiro, tendo participação essencial na coordenação de uma resposta à crise financeira internacional. Tratou-se de uma coordenação multilateral em busca de uma solução urgente à crise financeira que à época poderia atingir todos os sistemas financeiros internacionais.
A atuação multilateral, portanto, ocorreu via o G20 Financeiro, em que se elevou o nível das reuniões do G20 para chefes de Estado e chefes de governo. Nesse momento, as economias emergentes foram convocadas a auxiliar os países desenvolvidos, mais atingidos em suas estruturas financeiras. O entendimento por uma resposta multilateral reside em um fundamento mais pragmático que solidário.
O objetivo dos emergentes, coordenados pelo BRICS era, além de garantir a redução dos efeitos negativos no sistema financeiro internacional, o que lhes ocasionaria também perdas significativas, proporcionar a oportunidade de ampliar a representatividade nas organizações internacionais que regulam o sistema financeiro global.
A demanda dos emergentes no G20 Financeiro, com forte coordenação do BRICS, consistiu na revisão da divisão de quotas no Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD e também conhecido como Banco Mundial, por ser a instituição mais antiga do Grupo Banco Mundial).
FMI e BIRD, conhecido como instituições irmãs, foram ambas criadas no Acordo de Bretton Woods em 1944, período este que inaugura o sistema financeiro internacional, com forte domínio dos Estados Unidos e demais países desenvolvidos (Japão e países da Europa Ocidental).
O Fundo é responsável pela estabilidade financeira internacional e o Banco Mundial na concessão de empréstimos e doações para projetos de infraestrutura, serviços e promoção do desenvolvimento.
O sistema de divisão de votos ocorre por quotas, que representam um percentual diferente para cada país-membro. Os Estados Unidos são os únicos que possuem direito de veto em decisões de maior importância em ambas as instituições, pois concentram um percentual de 17%, sendo que as decisões de maior importância exigem 85% de aprovação das quotas.
Na maioria das organizações internacionais, o sistema de votação é de um voto para cada membro, como ocorre na Assembleia Geral das Nações Unidas. Exceção também se observa no Conselho de Segurança das Nações Unidas, em que vigora o poder de veto concentrado em cinco nações: Estados Unidos, Reino Unido, França, China e Rússia.
A redistribuição do percentual de quotas no FMI ocorreu em 2010, reduzindo a participação de países europeus e aumentando dos países do BRIC, constituindo em importante grupo na tomada de decisões no Fundo. Contudo, após uma década de debates, os países desenvolvidos, ainda com maioria das quotas, opuseram-se à novas redistribuições no Fundo e no BIRD.
Partindo-se pela abordagem terceiro mundista do Direito Internacional (Third World Approach in Internacional Law – TWAIL), observa-se que os países desenvolvidos, liderados pelos Estados Unidos, ainda detêm forte controle das instituições internacionais de estabilização e promoção financeira.
A vitória da reforma da divisão das quotas ocorreu em um momento de grande fragilidade das economias centrais (ou ocidentais) em 2008. Novas tentativas foram vetadas em virtude da recuperação ocorrida nesses centros econômicos.
Com a pandemia da Covid-19, observa-se o aprofundamento das desigualdades sócio-econômicas, com os países desenvolvidos atuando de forma individual no atendimento exclusivo de suas populações, inclusive na contratação de estoques de vacinas superiores ao número de habitantes, e no pouco engajamento na iniciativa COVAX da Organização Mundial da Saúde (OMS), que objetiva a igualdade no acesso a vacinas contra a Covid-19.
A manutenção de um sistema jurídico internacional hegemônico e de perpetuação de estruturas que remontam ao século XVI ainda se observa no sistema financeiro internacional. As organizações internacionais econômicas, como FMI e Banco Mundial, necessitam que sejam reformadas a espelhar a realidade multipolar do século XXI, de forte presença econômica dos emergentes, principalmente da China e Índia, e abandonar a sua configuração anacrônica da década de 1940.
<blockquote class="jota-article__eye">A atuação individual dos países desenvolvidos durante a pandemia da Covid-19 se reflete na falta de engajamento das organizações internacionais econômicas, pois estes países ainda mantêm forte controle em suas decisões.</blockquote>
Dessa forma, a diferenciação de uma resposta multilateral na crise de 2008 e a nacionalista na pandemia de 2020-2021 corrobora o entendimento de que o Direito Internacional, especialmente o Direito Internacional Econômico, deve ser reformado a priorizar pautas de maior representatividade, igualdade em suas instâncias de decisão e maior promoção ao desenvolvimento.
Vive-se um aprofundamento das divisões sócio-econômicas com a pandemia e a reforma do Direito Internacional Econômico objetiva evitar a obsolescência das instituições internacionais econômicas, como o FMI e BIRD.
Se essas estruturas permanecerem rígidas e alheias às demandas dos países do Terceiro Mundo, criam-se alternativas de forma a atender à necessidade por maior desenvolvimento.
Os países emergentes, dentre eles a China e Índia, cientes da pujança econômica, atuam de forma mais assertiva no plano internacional, estabelecendo novos acordos regionais de facilitação do comércio e dos investimentos e instituições próprias de cooperação financeira, como a Parceria Regional Econômica Compreensiva (RCEP), na Ásia, Banco de Infraestrutura e Investimento da Ásia (AIIB) e o Novo Banco dos BRICS (NDB).
O Brasil, hodiernamente pouco ativo no BRICS e nas organizações multilaterais, possui grande oportunidade em participar de diferentes arranjos internacionais, devido a sua condição ímpar de importante economia emergente, caracterizado por seu considerável mercado consumidor, sistema democrático e produção industrial.
Faz-se necessário, portanto, assumir uma abordagem em prol do desenvolvimento do Terceiro Mundo, principalmente no atual momento crítico da pandemia da Covid-19.
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O episódio 50 do podcast Sem Precedentes faz uma análise da decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal nesta semana e que pode acelerar a aplicação de vacinas contra a Covid-19. Ouça:
https://youtu.be/b9z7dDRHnrg
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> PRAMUK, Jacob. Senate takes first step toward passing $1.9 trillion Covid relief bill — here’s what happens next Senate takes first step toward passing $1.9 trillion Covid relief bill — here’s what happens next. CNBC. March 4th, 2021. Disponível em: &lt;https://www.cnbc.com/2021/03/04/covid-stimulus-update-senate-takes-step-toward-passing-1point9-trillion-relief-bill.html&gt;. Acesso em: 5 de março de 2021.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> EUROPEAN COMMISSION. Recovery plan for Europe. Disponível em: &lt;https://ec.europa.eu/info/strategy/recovery-plan-europe_en&gt;. Acessado em: 5 de março de 2021.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> SORKIN, Andrew Ross. Lehman Brothers files for bankruptcy; Merrill is sold. 14 de setembro de 2008. The New York Times. Disponível em: &lt;<a href="http://www.nytimes.com/2008/09/15/business/15lehman.html">https://www.nytimes.com/2008/09/15/business/15lehman.html</a>&gt;. Acesso em: 5 de março de 2021.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> O’NEIL, Jim. Building Better Global Economic BRICs. Global Economics Paper nº 66. Goldman Sachs. 30th November 2001. Disponível em: &lt;<a href="http://www.goldmansachs.com/insights/archive/archive-pdfs/build-better-brics.pdf">https://www.goldmansachs.com/insights/archive/archive-pdfs/build-better-brics.pdf</a>&gt;.
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> WILSON, Dominic; KELSTON, Alex; AHMED, Swamali. Is this the ‘BRICs Decade’? BRICs Monthly. Goldman Sachs Global Economics, Commodities and Strategy Research. Issue n. 10/03. May 20, 2010. Disponível em: &lt;https://www.goldmansachs.com/insights/archive/archive-pdfs/brics-decade-pdf.pdf&gt;. Acesso em: 5 de março de 2021.

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