Paulo Incott

Samuel Ebel Braga Ramos

Thomas Magnun Maciel Battu

O Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) tornou público o inédito acordo de colaboração premiada com o ressarcimento de valores realizados via transferência de criptoativos (bitcoins) diretamente para a wallet criada pelo órgão para este especial fim no âmbito da Operação Black Monday<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>.
<a href="https://www.jota.info/produtos/poder?utm_source=Banner%20site&amp;utm_medium=Artigos&amp;utm_campaign=CTA_Poder_materias"><img class="size-medium wp-image-292717 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-poder.jpg" alt="" width="688" height="688" /></a>Ao jurista, tais terminologias podem soar alheias a práxis forense, com enorme encadeamento de conceitos e terminologias. Em termos de conceituação, a Receita Federal, através da Instrução Normativa n. 1888/2019<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>, em seu artigo art. 5º, trouxe as seguintes definições:
I - criptoativo: a representação digital de valor denominada em sua própria unidade de conta, cujo preço pode ser expresso em moeda soberana local ou estrangeira, transacionado eletronicamente com a utilização de criptografia e de tecnologias de registros distribuídos, que pode ser utilizado como forma de investimento, instrumento de transferência de valores ou acesso a serviços, e que não constitui moeda de curso legal; 
II - exchange de criptoativo: a pessoa jurídica, ainda que não financeira, que oferece serviços referentes a operações realizadas com criptoativos, inclusive intermediação, negociação ou custódia, e que pode aceitar quaisquer meios de pagamento, inclusive outros criptoativos.
A bitcoin (BTC), em sendo o criptoativo mais difundido entre os investidores, enquanto moeda virtual (ver PL 2303/2015), deve ser tratada como um ativo financeiro gerido na modalidade peer-to-peer (ponto a ponto), de código aberto, que não depende de uma autoridade central e não possui seu valor definido num lastro pré-fixado. Dentre vários fatores, o que faz a BTC ser único é o fato dele ser o primeiro sistema de pagamentos global totalmente descentralizado.
A gênese deste tipo de pagamentos e ativos se torna revolucionária, pois, pela primeira vez, há operações financeiras sem intermediários. Todas as operações e transações que ocorrem na economia BTC são registradas em uma espécie de livro-razão (registros contábeis) públicos chamado de blockchain (corrente de blocos, ou, de forma simplificada, registro público de transações)<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>.
<blockquote class="jota-article__eye">Imperioso verificar se em um conceito econômico-legal os criptoativos se enquadram no conceito de moeda, pois, no viés jurídico, os ativos virtuais descentralizados não podem ser caracterizados como moeda em nenhum Estado<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>, pois se exige que tal condição seja realizada via lei e disposições legislativas<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a>.</blockquote>
É necessário diferenciar o BTC tanto do dinheiro em espécie (Bargeld) como do dinheiro escritural (Buchgeld) e do dinheiro eletrônico (E-Geld). O BTC se distingue do dinheiro em espécie por não ser reconhecido (ainda) como meio legal de pagamento e por lhe faltar uma existência corporal. Do dinheiro escritural, diferencia-se por não ser uma pretensão exigível ante uma instituição de crédito legalmente reconhecida<a href="#_ftn6" name="_ftnref6">[6]</a>.
As criptomoedas (ou criptoativos) e a sua dimensão criminal ainda geram muitas dúvidas. Em um primeiro momento, quer a bitcoin – a icônica primeira das criptomoedas – quer outras, das mais de duas mil modalidades de chamadas altcoins, foram associadas a alguns eventos criminosos.
Na tentativa de dar vida a alguma regulamentação nesse novo meio de transações financeiras, segundo muitos potencialmente viabilizadora de atividades ilícitas, a IN 1.888/2019 criou deveres de informação às exchanges e às pessoas jurídicas e físicas em geral que realizarem operações com criptoativos. Esses deveres, muitos dos quais em base mensal, visam municiar a Receita Federal com dados passíveis de certo controle tributário e fiscal. Anteriormente, a Receita Federal já havia se manifestado afirmando a obrigatoriedade dos contribuintes informarem, na Declaração do Ajuste de Imposto de Renda, como parte dos Bens componentes do seu patrimônio, os criptoativos em sua “carteira” ao final do ano calendário. Criou-se, inclusive, categoria própria no sistema de entrega das declarações para sua correta alocação.
Em termos de propositura legislativa com o objetivo de fazer frente aos possíveis riscos trazidos por esta “revolução monetária”, estão em trâmite no Congresso Nacional: a) Projeto de Lei n. 2060/2019 – Câmara dos Deputados<a href="#_ftn7" name="_ftnref7">[7]</a>, que apresenta novo tipo no Código Penal<a href="#_ftn8" name="_ftnref8">[8]</a> quando da utilização de criptoativos na prática delituosa e b) Projeto de Lei n. 3825/2019 – Senado Federal<a href="#_ftn9" name="_ftnref9">[9]</a>, onde o legislador propõe a inclusão de nova reprovação na Lei contra os crimes contra o sistema financeiro nacional (Lei 7.492, de 16 de junho de 1986)<a href="#_ftn10" name="_ftnref10">[10]</a>:
Deste modo, vê-se a preocupação do legislador para a regulação normativa dos criptoativos e a ingerência de resposta penal ante as novas formas de criminalidade com a utilização de moedas descentralizadas virtuais.
Para além das discussões na esfera penal, interessantíssimas sem sombra de dúvida, versando sobre a viabilidade do cometimento de delitos com o uso de criptoativos ou até sobre a necessidade de uma inovação em matéria de tipificação de condutas, surgem também debates nas demais esferas do direito, em especial com relação a possibilidade de utilização destes novos ativos financeiros como forma de pagamento nas mais diversas negociações ou como créditos de garantia (reservas de valor), a exemplo da integralização do capital social<a href="#_ftn11" name="_ftnref11">[11]</a>, além da possibilidade de uso de criptoativos em investimentos indiretos no exterior<a href="#_ftn12" name="_ftnref12">[12]</a>.
Mais recentemente, conforme noticiado no início desta matéria, o sistema financeiro brasileiro se deparou com uma outra novidade: o pagamento do ressarcimento de valores estabelecido em termo de colaboração premiada e o pagamento de honorários advocatícios com o uso de criptomoeda. Desdobram-se uma série de questionamentos em relação a essa opção de transação financeira, mas dúvida não há de que os criptoativos vieram para ficar<a href="#_ftn13" name="_ftnref13">[13]</a>, para transformar a realidade das operações e negócios. Caberá ao Direito acelerar seus passos para com o fim de alavancar possibilidades e fornecer algum nível de segurança nesse admirável novo mundo.
-----------------
<div id="sdr-inbound-form-artigos-impacto-nas-instituicoes-8c5227dd4ede3347a6c6" role="main"></div>
<script type="text/javascript" src="https://d335luupugsy2.cloudfront.net/js/rdstation-forms/stable/rdstation-forms.min.js"></script> 
<script type="text/javascript"> new RDStationForms('sdr-inbound-form-artigos-impacto-nas-instituicoes-8c5227dd4ede3347a6c6', 'UA-53687336-1').createForm();</script>
ESTELLITA, Heloisa. Criptomoedas e lavagem de dinheiro. Resenha de:GRZYWOTZ, Johanna. Virtuelle Kryptowährungen und Geldwäsche. Berlin: Duncker &amp; Humblot, 2019. Revista Direito GV, v. 16, n. 1, jan./abr.2020, e1955. doi: http://dx.doi.org/10.1590/2317-6172201955.
ULRICH, Fernando. Bitcoin: a moeda na era digital. São Paulo: Instituto Mises, 2014.
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Disponível em &lt;https://g1.globo.com/mg/minas-gerais/noticia/2021/06/22/black-monday-mp-prepara-acao-coletiva-para-ressarcir-vitimas-de-esquema-de-piramide-financeira.ghtml&gt;. Acesso em 24.06.2021.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Disponível em &lt;http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?visao=anotado&amp;idAto=100592&gt; Acesso em 22.06.2021. A Instrução Normativa citada possui alterações de acordo com a Instrução Normativa n. 1899/2019.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> ULRICH, Fernando. Bitcoin: a moeda na era digital. São Paulo: Instituto Mises, 2014. p. 18
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> El Salvador aprovou recentemente o criptoativo bitcoin como moeda oficial, se tornando o primeiro país do mundo legalizar o ativo virtual. Sugere-se a leitura em &lt; &lt;https://www.cnnbrasil.com.br/business/2021/06/14/el-salvador-tornou-legal-o-uso-do-bitcoin-sera-que-paises-vao-seguir-o-exemplo&gt;. Acesso em 22.06.2021.
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> No Brasil, a norma expressa está no art. 1º da Lei 9.069/95. Na letra da lei, portanto, a partir de 1º de julho de 1994, a unidade do Sistema Monetário Nacional passa a ser o REAL (Art. 2º da Lei nº 8.880, de 27 de maio de 1994), que terá curso legal em todo o território nacional.
<a href="#_ftnref6" name="_ftn6">[6]</a> ESTELLITA, Heloisa. Criptomoedas e lavagem de dinheiro. Resenha de:GRZYWOTZ, Johanna. Virtuelle Kryptowährungen und Geldwäsche. Berlin: Duncker &amp; Humblot, 2019. Revista Direito GV, v. 16, n. 1, jan./abr.2020, e1955. doi: http://dx.doi.org/10.1590/2317-6172201955.
<a href="#_ftnref7" name="_ftn7">[7]</a> Disponível em &lt;https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2196875&gt;. Acesso em 22.06.2021.
<a href="#_ftnref8" name="_ftn8">[8]</a> “Art. 292-A. Organizar, gerir, ofertar carteiras, intermediar operações de compra e venda de Criptoativos com o objetivo de pirâmide financeira, evasão de divisas, sonegação fiscal, realização de operações fraudulentas ou prática de outros crimes contra o Sistema Financeiro, independentemente da obtenção de benefício econômico:
Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa.”
<a href="#_ftnref9" name="_ftn9">[9]</a> Disponível em &lt;https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/137512&gt;. Acesso em 22.06.2021.
<a href="#_ftnref10" name="_ftn10">[10]</a> Art. 4º-A. Gerir fraudulentamente Exchange de criptoativos:
Pena - Reclusão, de 3 (três) a 12 (doze) anos, e multa.
<ul>
<li>
1o Se a gestão fraudulenta é realizada mediante prática de pirâmide financeira:
</li>
</ul>
Pena - Reclusão, de 6 (seis) a 12 (doze) anos, e multa.
<ul>
<li>
2o Se a gestão é temerária:
</li>
</ul>
Pena - Reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, e multa.
<a href="#_ftnref11" name="_ftn11">[11]</a> O Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração manifestou-se de forma favorável à utilização de criptomoedas como meios de pagamento de operações societárias e integralização de capital social. Sobre, neste mesmo canal: <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/integralizacao-com-criptoativos-e-higidez-do-capital-social-26122020">https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/integralizacao-com-criptoativos-e-higidez-do-capital-social-26122020</a>.
<a href="#_ftnref12" name="_ftn12">[12]</a> Sobre, neste mesmo canal: https://www.jota.info/tributos-e-empresas/mercado/cvm-investimento-criptoativos-exterior-19092018
<a href="#_ftnref13" name="_ftn13">[13]</a> Não deixa de ser sintomático que El Salvador tenha, em 09 de junho de 2021, aprovado uma lei que torna o BTC moeda em curso legal no país!

bitcoin-2643160_1920

https://images.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/copy-of-jota-logo-high-cmyk.jpeg

JOTA

A preocupação do Legislador para a regulação normativa dos criptoativos

Criptomoedas: ressarcimento em colaboração premiada e pagamento de honorários

A gênese do BTC se torna revolucionária, pois, pela primeira vez, há operações financeiras sem intermediários