Cristiane I. Matsumoto

Mariana Monte Alegre de Paiva

Muito se discute sobre os crimes contra a ordem tributária previstos na Lei nº 8.137/1990. Na esfera dos tributos incidentes sobre a folha de salários, vale destacar que o Código Penal trata, no artigo 168-A, do crime de apropriação indébita e também tipifica, em seu artigo 337-A, o crime de sonegação previdenciária. A Seguridade Social, dada a sua importância, é o bem jurídico que o Direito Penal-Tributário visa especificamente tutelar<a class="sdfootnoteanc" href="#sdfootnote1sym" name="sdfootnote1anc">1</a>. 
Note-se que a tipificação do crime de sonegação previdenciária exige as seguintes condutas: omissão de informações quanto aos segurados empregados, trabalhadores avulsos ou autônomos, dentre outros, na folha de pagamento; ausência de lançamento contábil de valores descontados dos segurados ou devidos pelo empregador ou omissão de remunerações pagas.
Possivelmente com o intuito de estimular a arrecadação, de forma amedrontadora, temos visto com frequência as Autoridades Fiscais lavrarem Representação Fiscal para Fins Penais em casos nos quais as empresas, por questões operacionais ou por discordância quanto à interpretação da legislação, deixam de recolher ou recolhem a menor as contribuições previdenciárias. Geralmente, administradores e gestores são indicados como responsáveis pela prática do crime simplesmente pelos cargos que ocupam.
É evidente que esse tipo de situação não é aquela que deve ser punida pelo Direito Penal-Tributário, o qual, em hipótese alguma, pode ser usado como ferramenta arrecadatória, sendo certo que cabe ao aplicador da lei sancionar condutas que de fato sejam passíveis de repreensão. Por isso, o comportamento do contribuinte deve ser analisado de forma precisa e cuidadosa, a fim de identificar se de fato estava presente o intuito, ou seja, a vontade de sonegar e fraudar a Seguridade Social. 
O Direito Penal-Tributário tem como premissa a imposição da sanção como desestímulo a conduta indesejada, visando proteger a Seguridade Social contra possíveis fraudadores mal-intencionados. Não é seu objetivo punir contribuintes que não se enquadram no perfil de sonegadores, isto é, aqueles que não tiveram liquidez financeira para adimplir suas obrigações legais<a class="sdfootnoteanc" href="#sdfootnote2sym" name="sdfootnote2anc">2</a>. 
Exatamente nessa linha, recente decisão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região<a class="sdfootnoteanc" href="#sdfootnote3sym" name="sdfootnote3anc">3</a> afastou a imputação de crime de sonegação previdenciária à empresária que, no exercício de 2009, deixou de recolher contribuições previdenciárias no valor aproximado de R$ 370 mil (principal). 
O Tribunal levou em consideração o histórico da empresa, analisou o relato de diversas testemunhas que atestaram a seriedade da administração e constatou a ausência de prática fraudulenta visando à redução da carga previdenciária. O Relator, em seu voto, chegou até a mencionar que a empresa tinha o cuidado de sempre ter a Certidão de Tributos Federais válida, porque boa parte de sua clientela era composta por órgãos públicos, de modo que uma conduta irresponsável quanto ao pagamento de tributos seria incompatível com o perfil da própria empresa.
A decisão do Tribunal deixou bem claro que, se a empresa e a empresária, na qualidade de administradora, praticaram ilícito previdenciário no âmbito fiscal, a exigência das contribuições em âmbito tributário nada impactaria a eventual configuração do crime do ponto de vista penal. Ausentes os elementos necessários, a empresária foi absolvida, com base no elementar princípio in dubio pro reo.
A referida decisão evidencia a importância de segregar a lógica da condenação no âmbito do Direito Tributário e do Direito Penal. Que sirva de exemplo para que as Autoridades Fiscais deixem de utilizar da Representação Fiscal para Fins Penais para fins de pressão arrecadatória e busquem estimular o compliance da legislação de forma mais cooperativa, se preocupando em entender os problemas dos contribuintes, esclarecer suas dúvidas e proporcionar alternativas razoáveis para superar as dificuldades, que, convenhamos, não são poucas.
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***Este artigo é parte integrante da iniciativa “Crimes Contra Ordem Tributária: Do Direito Tributário ao Direito Penal”, coordenada por Gisele Barra Bossa (FDUC, CARF) e Marcelo Almeida Ruivo (FDUC, FEEVALE). 
***Organização Executiva: Luiz Roberto Peroba e Mariana Monte Alegre de Paiva (Pinheiro Neto Advogados), Eduardo Perez Salusse (Salusse, Marangoni, Parente e Jabur Advogados), Mônica Pereira Coelho de Vasconcellos (Barros de Arruda Advogados) e Alexandre Wunderlich (Alexandre Wunderlich Advogados).
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<div id="sdfootnote1">
<a class="sdfootnotesym" href="#sdfootnote1anc" name="sdfootnote1sym">1</a> “A Previdência Social, bem jurídico tutelado pelos artigos 168-A e 337-A, que foram introduzidos no ordenamento jurídico pela Lei nº 9.983 de 14 de julho de 2000, é espécie do gênero Seguridade Social, que compreende também a Saúde e a Assistência Social. Mais certo, portanto, seria adotar a nomenclatura Crimes contra a Seguridade Social, já que a diminuição da arrecadação ocasionada pela apropriação indébita ou a sonegação irão atingir, em sua totalidade, a Seguridade Social”. CASAGRANDE, Daniel Alberto. Apropriação Indébita Previdenciária: Bem jurídico, causas de justificação, autoria e extinção da punibilidade à luz da Law and Economics. In: Direito Penal Tributário. Coord. TANGERINO, Davi de Paiva Costa. GARCIA, Denise Nunes. Quartier Latin, 2007.
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<div id="sdfootnote2">
<a class="sdfootnotesym" href="#sdfootnote2anc" name="sdfootnote2sym">2</a> “Mais do que a mera supressão, redução ou o simples não pagamento do tributo, bem como mais do que a não informação da ocorrência de fatos geradores do tributo, está em questão o dano ou perigo do dano à receita tributária, causado pela fraude ou omissão da conduta penalmente devida para o não pagamento total ou parcial do valor devido a título de tributo”. RUIVO, Marcelo Almeida. Os Crimes de Sonegação Fiscal (Arts. 1º e 2º, Lei 8.317/90). In: Crimes contra Ordem Tributária: do direito tributário ao direito penal. Coord. BOSSA, Gisele Barra, RUIVO, Marcelo Almeida. Almedina, 2019. 
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<div id="sdfootnote3">
<a class="sdfootnotesym" href="#sdfootnote3anc" name="sdfootnote3sym">3</a> Apelação Criminal nº 0003689-89.2015.4.03.6181.
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JOTA

Recente decisão do TRF3 mostra importância de analisar conduta do contribuinte no âmbito do Direito Tributário-Penal

Crime de sonegação previdenciária e o bem jurídico tutelado

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