Gustavo Fossati

O Governo Federal planejava realizar sua reforma tributária também através de uma “nova CPMF”, havendo projetado, inclusive, que sua versão atual de um imposto sobre transações financeiras (ITF) poderia arrecadar até R$ 150 bi por ano (Valor Econômico de 09/09/2019). A reintrodução da CPMF viria acompanhada da promessa da desoneração definitiva da folha de pagamentos, como uma forma de agradar aos empresários brasileiros.
Em que pese a CPMF esteja agora praticamente fora da agenda da reforma tributária do Governo Federal, bons profissionais ainda a sustentam enfaticamente, seduzidos pelo seu potencial de simplificada e eficiente arrecadação, aliado à possibilidade de se combater, ao menos em parte, a lavagem de dinheiro. No entanto, a CPMF deve ser arquivada de vez, visto que incide sobre quaisquer movimentações financeiras, inclusive sobre pagamentos, desrespeitando o princípio da capacidade contributiva e a própria lógica fundamental de toda a tributação.
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A Contribuição Provisória sobre Movimentação ou Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza Financeira (CPMF) foi introduzida pela Lei 9.311/1996, tendo sido cobrada até 31 de dezembro de 2007[1]. Considerava-se movimentação ou transmissão de valores e créditos e direitos de natureza financeira qualquer operação liquidada ou lançamento realizado por instituição financeira, bancos e caixas econômicas, que representasse circulação escritural ou física de moeda, e de que resultasse ou não transferência da titularidade dos mesmos valores, créditos e direitos.
A contribuição incidia sobre diferentes modalidades de depósitos, empréstimos, pagamentos e sobre o lançamento e qualquer outra forma de movimentação ou transmissão de valores e de créditos e direitos de natureza financeira. A alíquota era de trinta e oito centésimos por cento. O produto da arrecadação da contribuição era destinado ao Fundo Nacional de Saúde, para financiamento das ações e serviços de saúde, ao custeio da Previdência Social e ao Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza.
O argumento econômico da eficiência, que gravita em torno da CPMF ou do ITF, pode seduzir inadvertidamente a população, devendo, portanto, ser esclarecido. A eficiência, enquanto princípio, tem sua origem na Ciência das Finanças, e se traduz em um ideal a ser buscado pelo legislador e pelo administrador tributário, especialmente através da simplificação da legislação tributária e da redução das despesas da administração tributária. Enquanto a eficiência da tributação é um fim, a simplificação da legislação tributária é um dos meios para se alcançar este fim. Não é por menos que a palavra de ordem na reforma tributária do consumo (IPI, ICMS e ISS) é a simplificação (através do IVA).
Um tributo como a CPMF, olhado apenas sob o viés da eficiência, é inquestionavelmente eficiente para a arrecadação tributária. Incide, de regra, sobre qualquer forma de movimentação ou transmissão de valores e de créditos e direitos de natureza financeira: depósitos, empréstimos, pagamentos e lançamentos diversos, de que resulte ou não transferência da titularidade dos mesmos. Em outras palavras: valor que caiu ou passou pela conta bancária, pagou CPMF. Em que pese a alíquota seja baixa, seu potencial arrecadatório é enorme, dado que aumenta exponencialmente com o número de contas bancárias no País e com os diferentes lançamentos que são nelas efetuados diariamente. Sob esta perspectiva, esta forma de tributação realiza, ao menos em parte, a justiça distributiva, quando divide entre todos os correntistas no País uma parte significativa do ônus do financiamento solidário da saúde pública, da Previdência Social e do combate à pobreza.
No entanto, o argumento econômico da eficiência deve ser ponderado com os princípios constitucionais que norteiam a política fiscal, notadamente com o princípio da tributação isonômica com base na capacidade contributiva. Este princípio se estrutura sobre o fundamento maior de que a tributação deve incidir sobre as possibilidades econômicas do cidadão, manifestadas tecnicamente através da renda, em três momentos possíveis: sobre a renda auferida, sobre a renda acumulada (propriedade) e sobre a renda despendida (consumo).
A renda é o indicador de riqueza por excelência e que, nesta condição, melhor se adequa à tributação. Tanto que a nossa Constituição Federal prevê como princípio fundamental de todo o Sistema Tributário Nacional o princípio da capacidade contributiva, segundo o qual, “sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte”. Esta capacidade econômica é manifestada através da renda do cidadão, seja quando ele a recebe, seja quando ele a acumula ou a consome. Este pensamento não é novo: está presente em Adam Smith, na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão e na Constituição de Weimar[2].
Um tributo como a CPMF ou o ITF ignora, por completo, toda a lógica da tributação sobre a capacidade contributiva. De regra, não questiona a origem dos valores, dos créditos e dos direitos de natureza financeira, limitando-se, indiscriminadamente, a incidir sobre “tudo o que vê pela frente”. Em princípio, pode vir a ser uma técnica de tributação razoavelmente eficiente, que alcança inclusive a renda do tráfico de drogas e valores objeto de lavagem de dinheiro. No entanto, nunca se olvide que os operadores destes setores já estão acostumados a não transitar com estes valores nas contas bancárias, especialmente em virtude da já conhecida atuação do COAF. De todo modo, um tributo como a CPMF ignora por completo o cidadão, tributando inclusive seus pagamentos, em uma ânsia arrecadatória desenfreada e sem parâmetros. Trata-se de um tributo amoral.
Recentemente, a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) publicou o relatório Tax Morale - What Drives People and Businesses to Pay Tax? (11.09.2019)[3]. A Organização ressalta, entre outras conclusões, que a moral tributária deve ser compreendida a partir de relações dinâmicas entre confiança, facilitação e cumprimento da lei. A confiança deve ser alcançada por meio de um sistema tributário visto como justo, equitativo e previsível, o que inclui transparência, clareza e facilidade no cumprimento da lei tributária. Além disso, uma administração tributária mais orientada para atender e servir ao cidadão, ao invés de ser voltada unicamente para fazer cumprir a lei tributária, ajudou as autoridades fiscais na Suécia a aumentar a confiança dos cidadãos no governo, a moral tributária e consequentemente o compliance fiscal.
É hora de buscar confiança e aceitação na sociedade, como uma condição necessária para a própria legitimidade. Como a reforma tributária sairá de um jeito ou de outro, mais cedo ou mais tarde, cabe ao Governo Federal aproveitar este momento e buscar confiança e aceitação na sociedade, levando seus cidadãos a sério, considerando, com respeito e justiça, suas reais possibilidades econômicas de arcar solidariamente com as despesas do Estado. A CPMF ou o ITF, definitivamente, não é o caminho a ser trilhado rumo a este destino, em que pese o já anunciado potencial arrecadatório. Mais do que nunca, talvez seja hora de reduzir o tamanho do Estado e as despesas públicas. Isso sim alcançaria imediata aceitação.

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[1] Disponível em: <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9311.htm" data-saferedirecturl="https://www.google.com/url?q=http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9311.htm&amp;source=gmail&amp;ust=1570293734805000&amp;usg=AFQjCNHmVcmQe0lsv0fXaBQv1JDnQSQGPg">http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9311.htm</a>. Acesso em 16.09.2019.
2 A. Smith, Wealth of Nations, Bk. V, Ch. II, Pt. II, p. 350; Art. 13 - Pour l'entretien de la force publique, et pour les dépenses d'administration, une contribution commune est indispensable: elle doit être également répartie entre tous les citoyens, en raison de leurs facultés, disponível em: <a href="https://www.legifrance.gouv.fr/Droit-francais/Constitution/Declaration-des-Droits-de-l-Homme-et-du-Citoyen-de-1789" data-saferedirecturl="https://www.google.com/url?q=https://www.legifrance.gouv.fr/Droit-francais/Constitution/Declaration-des-Droits-de-l-Homme-et-du-Citoyen-de-1789&amp;source=gmail&amp;ust=1570293734805000&amp;usg=AFQjCNE5Ru5FUZZ8jxwXSx5YUOrN1S_QLw">https://www.legifrance.gouv.fr/Droit-francais/Constitution/Declaration-des-Droits-de-l-Homme-et-du-Citoyen-de-1789</a>. Acesso em 16.09.2019; Art. 134 - Alle Staatsbürger ohne Unterschied tragen im Verhältnis ihrer Mittel zu allen öffentlichen Lasten nach Maßgabe der Gesetze bei, disponível em: <a href="http://www.verfassungen.de/de19-33/verf19-i.htm" data-saferedirecturl="https://www.google.com/url?q=http://www.verfassungen.de/de19-33/verf19-i.htm&amp;source=gmail&amp;ust=1570293734805000&amp;usg=AFQjCNF9YSGkF-YDqCMjEjFgB-sc9STOKg">http://www.verfassungen.de/de19-33/verf19-i.htm</a>. Acesso em 16.09.2019.
3 Disponível em: <a href="http://www.oecd.org/tax/tax-morale-f3d8ea10-en.htm?utm_source=Adestra&amp;utm_medium=email&amp;utm_content=Read%20more&amp;utm_campaign=Tax%20News%20Alert%2011-09-2019&amp;utm_term=demo" data-saferedirecturl="https://www.google.com/url?q=http://www.oecd.org/tax/tax-morale-f3d8ea10-en.htm?utm_source%3DAdestra%26utm_medium%3Demail%26utm_content%3DRead%2520more%26utm_campaign%3DTax%2520News%2520Alert%252011-09-2019%26utm_term%3Ddemo&amp;source=gmail&amp;ust=1570293734805000&amp;usg=AFQjCNHGq6pssyKHGZjJ0d9RNun84uofLw">http://www.oecd.org/tax/tax-morale-f3d8ea10-en.htm?utm_source=Adestra&amp;utm_medium=email&amp;utm_content=Read%20more&amp;utm_campaign=Tax%20News%20Alert%2011-09-2019&amp;utm_term=demo</a>. Acesso em 16.09.2019.
 
***Este artigo expressa a opinião do autor, não representando necessariamente a opinião institucional da FGV

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JOTA

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