Coronavírus

Covid-19 e o nudges

O momento é de usar todo o arsenal do Direito Administrativo. Seja o clássico, seja o contemporâneo

Crédito: Pixabay

A pandemia decorrente do novo coronavírus (covid19) impõe uma série de desafios para todos os países. Os Estados não vencerão essa batalha sem o apoio e o convencimento da sociedade acerca das medidas preventivas e de contenção social que se apresentam como indispensáveis para o resguardo da saúde individual e da saúde pública.

No Brasil, a pandemia pode assumir proporções incalculáveis se Estado e sociedade não agirem com rapidez, eficiência e senso de urgência. No plano jurídico, a esmagadora maioria das medidas adotadas se insere no universo do Direito Administrativo, notadamente no campo do poder de polícia.

As medidas impositivas, unilaterais e drásticas se apresentam como o arsenal posto à disposição dos entes públicos para conter a pandemia.  Suspensão de aulas, de atividades coletivas (cinemas, teatros), alteração da visitação às unidades prisionais, modificação, redução e até mesmo bloqueio de determinados modais de transportes são alguns dos exemplos de providências concretas adotadas pelos entes públicos que se mostram absolutamente necessárias para conter a propagação do vírus.

Sem a utilização de instrumentos de “autoridade” não serão alcançados os resultados desejados para a contenção do covid19.  A União, por meio da Lei n° 13.979/20, disciplinou uma série de medidas para o enfrentamento do vírus, tais como isolamento, quarentena, realização compulsória de exames e testes laboratoriais, restrição excepcional de entrada e saída dos países e tantas outras que se mostram apropriadas para o momento.

O Estado do Rio de Janeiro editou o Decreto n° 46.970/20, dispondo, no âmbito das suas competências sobre medidas temporárias de prevenção ao contágio e de enfrentamento da propagação decorrente do novo COVID19.  Vários outros Estados e Municípios estão adotando medidas semelhantes.

O momento de crise aguda, contudo, não deve nos afastar de outros instrumentos de regulação que podem contribuir com efetividade para o enfrentamento do enorme desafio que se avizinha.

Mesmo em momentos de exceção, como é o caso da crise humanitária do Covid19, não podemos ignorar que a persuasão, a indução e convencimento das pessoas podem ser armas determinantes na guerra contra o vírus. Essa forma de agir não é, de modo algum, excludente das medidas interventivas e mais drásticas, mas sua verdadeira aliada.

Assim, em apoio às medidas drásticas e interventivas que precisam ser adotadas, os entes públicos não devem ignorar as arquiteturas de escolhas, os famosos nudges, pioneiramente desenvolvidos por Richard Thaler e Cass Sustein para influenciar a sociedade e os indivíduos.

Para os autores, essa é uma importante ferramenta de política pública que pode ser utilizada para induzir a alteração do comportamento dos indivíduos, ajudando a melhorar a vida em sociedade.  Sustentam, por exemplo, que a utilização de alertas dramáticos é uma forma de conscientização dos indivíduos e da sociedade.

Bem no início da pandemia, foi o que o Estado do Rio de Janeiro fez em relação às praias.  Diversos carros da Defesa Civil e do Corpo de Bombeiros espalhados pela orla das praias, bares e restaurantes do Rio de Janeiro, e com a sirene em alto volume, expressavam os seguintes dizeres: “a Defesa Civil Estadual pede a população que evite aglomerações nas praias. Por favor, para a sua segurança dos seus vizinhos, amigos e familiares volte para a casa. O momento é de conscientização. Faça a sua parte. Ajude a prevenir e a controlar o coronavírus. Você sempre conta com o Corpo de Bombeiros. Podemos contar com você? Obrigado”.

 Entretanto, as medidas de interdição das praias logo se impuseram pela rápida evolução da pandemia e a liberdade de escolha dos cidadãos foi restringida. Talvez pela rápida evolução da pandemia sequer foram avaliados ou testados os efetivos resultados do nudges nas praias cariocas.

Isso não significa que os alertas, avisos e processo de conscientização devam ser abandonados. Apenas para ficar nos exemplos das praias, quantas temos no litoral brasileiro? Será possível a todas interditar ou mesmo manter uma fiscalização eficiente?

As pessoas que frequentam às praias dispõem de alternativas para as quais os nudges, no momento inicial da pandemia, pretendiam alertar.  Outras por exemplo, não têm escolha em mudar o seu local de moradia.  A verdade é que sem a efetiva conscientização dos indivíduos e da sociedade brasileira não vamos conseguir ganhar essa guerra.

Até porque nem tudo está proibido e nem tudo será passível de ser fiscalizado. As pessoas ainda terão que fazer escolhas durante a pandemia. Ir ao mercado ou comprar por delivery? Como criar incentivos ou induzir comportamentos para que os avós limitem ao máximo o encontro com os seus netos?  E os usuários que insistem em utilizar o transporte público desnecessariamente? Para essas situações, os nudges ainda poderão ser bastante úteis.

Sem o engajamento da sociedade será impossível vencer essa batalha. Quanto mais persuasão e convencimento melhor!!! Para isso é importante que o Estado não se esqueça da trilha da informação, indução e coerção.

Utilizar as ferramentas da economia comportamental para persuadir, conscientizar e constranger os indivíduos, que ainda não perceberam o tamanho do problema de saúde pública e a tragédia humanitária que se avizinha, pode ser um aliado importante, sem prejuízo ou mesmo combinação com as intervenções mais drásticas.

Medidas como essas podem alcançar resultados efetivos. Precisam ser bem planejadas, executadas, continuadas e monitoradas para avaliar os seus resultados.  A informação precisa chegar de modo fácil e acessível a todos.

Além do custo ser menor do que uma irreal vigilância permanente sobre tudo e sobre todos, a maior conscientização dos indivíduos e da própria sociedade permite, por exemplo, que a alocação dos agentes públicos de saúde e de segurança se concentre nas áreas e locais mais carentes.

A fiscalização – por mais abrangente que seja –  e mesmo as sanções mais drásticas não vão dar conta do tamanho do problema.  Sobre o tema YUVAL NOAH HARARI, em artigo intitulado o “O mundo após o CoronaVírus” publicado no Financial Times em 20.03.20 alerta que “o monitoramento centralizado e punições severas não são a única maneira de fazer as pessoas cumprirem diretrizes benéficas”. A cooperação espontânea de indivíduos bem informados é uma enorme valência para o enfrentamento do Covid19.

O Estado não é onipresente. No Brasil, em especial, as dificuldades são muitas. Miséria, violência, habitações com muitas pessoas, falta de saneamento básico e diversos outros problemas gravíssimos confluem para um cenário propício para uma pandemia sem precedentes.  As forças estatais precisam estar preparadas e disponíveis para as situações mais emergenciais. Sequer podemos descartar o risco de colapso social.

Um último e derradeiro apontamento a merecer reflexão.  O Direito Administrativo foi objeto de profundas mutações nas últimas décadas. Consensualidade, processualização, relações mais dialógicas e democráticas, ressignificação do princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado e o advento da juridicidade foram conquistas que não podem ser desprezadas.

O Direito Administrativo sempre comportou e sempre vai comportar instrumentos de força e de autoridade (ex: desapropriação, poder de polícia, requisição e etc.), que justificam, entre outros aspectos, a própria razão de ser do Estado.  Tais institutos existem e são aplicados normalmente nos seus espaços delimitados pela Constituição e pelas leis. Em tempos de crise e de exceção é evidente que se sobressaem. E é assim mesmo que tem de ser.

No contexto de um Direito Administrativo da Crise, que certamente se impõe no auge da pandemia covid19, pode-se cogitar de uma subsidiariedade inversa, ou seja, a ação estatal acaba por preceder a ação da sociedade em razão da situação emergencial e da impossibilidade de aguardar o convencimento espontâneo dos indivíduos.

Tal conclusão, entretanto, não aponta para prescindir das ferramentas da regulação por incentivos, propondo a persuasão, a indução e o convencimento dos indivíduos quando certas escolhas ainda possam ser feitas.  O momento é de usar todo o arsenal do Direito Administrativo. Seja o clássico, seja o contemporâneo.