Wallace Corbo

José Bento Armond

Lucas Diettrich

A pandemia da Covid-19 tem gerado desafios consideráveis ao Estado no exercício do dever constitucional de proteger grupos sociais marginalizados. Conforme tratamos em <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/ensino-remoto-para-quem-17012021" target="_blank" rel="noopener noreferrer">artigo anterior</a>, a não observância das necessidades estruturais de alguns desses grupos (como pessoas negras e mulheres) acaba por tornar ineficazes as políticas públicas ditas “universais”, agravando o quadro de <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/discriminacao-indireta-o-que-e-e-como-supera-la-09112017" target="_blank" rel="noopener noreferrer">discriminação indireta</a> já projetado sobre estes grupos.
Ou seja, quando as políticas públicas deixam de enfrentar as causas que levam <a href="https://www.cnnbrasil.com.br/saude/2020/06/05/negros-morrem-40-mais-que-brancos-por-coronavirus-no-brasil" target="_blank" rel="noopener noreferrer">pessoas negras a morrerem por Covid-19 em níveis desproporcionalmente superiores a pessoas brancas</a>, ou quando ignoram os <a href="https://exame.com/carreira/covid-19-dupla-jornada-aumenta-vulnerabilidade-das-mulheres-diz-onu/" target="_blank" rel="noopener noreferrer">impactos da Covid-19 sobre a vulnerabilidade das mulheres</a>, o cenário de discriminação não apenas se mantém, como também pode ser agravado.
<a href="https://www.jota.info/produtos/poder?utm_source=Banner%20site&amp;utm_medium=Artigos&amp;utm_campaign=CTA_Poder_materias"><img class="size-medium wp-image-292717 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-poder.jpg" alt="" width="688" height="688" /></a>A questão se torna ainda mais evidente quando se trata de políticas públicas de efetivação de direitos sociais, em razão de sua natureza prestacional que exige uma estrutura complexa de agentes, órgãos e diretrizes múltiplas, todos voltados para uma população extremamente diversa. O caso do transporte público se soma ao já abordado tema da educação entre as evidências das dificuldades reveladas no último ano.
No plano normativo, o direito ao transporte, previsto no artigo 6º da Constituição Federal, encontra suas diretrizes gerais na <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12587.htm"> </a><a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12587.htm" target="_blank" rel="noopener noreferrer">Política Nacional de Mobilidade Urbana</a>, que estabelece a garantia de um serviço adequado aos usuários (art. 14, I, da Lei 12.587/12) fundado na equidade do acesso dos cidadãos ao transporte público coletivo (art. 5º, III, da Lei 12.587/12).
Entretanto, assim como ocorreu em todas as demais áreas da vida social – trabalho, educação, lazer –, a pandemia também atraiu para o tema do transporte as preocupações referentes à proteção à saúde dos usuários.
Em linhas gerais, quando se trata do deslocamento de pessoas (desde o municipal até o interestadual) a pandemia da Covid-19 suscita ao menos duas precauções na perspectiva da proteção à saúde.
Primeiro, o deslocamento deve ser evitado. Segundo, não sendo evitável, deve ser realizado com garantia de isolamento social e adoção dos referenciados protocolos da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do Ministério da Saúde.
Diante da incapacidade do governo federal de assegurar níveis adequados de proteção social à população marginalizada, a primeira precaução – o não deslocamento – se tornou inexequível para a parcela da população mais pobre que, sem ter acesso a medidas como um auxílio emergencial suficiente, precisa se deslocar para trabalhar.
O home office, mesmo em tempos de pandemia, é um privilégio de apenas uma parcela pequena da sociedade. Consequentemente, outros grupos relevantes da população seguirão precisando se deslocar diariamente em movimentos pendulares que, invariavelmente, contribuem para a disseminação do contágio pelo coronavírus.
<blockquote class="jota-article__eye">O que se pode fazer, então, é assegurar níveis mínimos de cumprimento da segunda diretriz – a garantia de isolamento social e adoção dos protocolos de saúde no deslocamento da população. Mas como?</blockquote>
Não falamos, aqui, do <a href="https://anptrilhos.org.br/mobilidade-urbana-na-pandemia-os-impactos-no-transporte-publico/#:~:text=O%20transporte%20por%20%C3%B4nibus%20urbano,das%20Empresas%20de%20Transportes%20Urbanos%20" target="_blank" rel="noopener noreferrer">excedente considerável dos passageiros habituais dos transportes públicos que migrou para a rede particular</a> (carro próprio ou aplicativos) como forma de autopreservação na pandemia.
Tratamos, especificamente, da parcela da população para quem esta também não é uma alternativa, restando-lhes  enfrentar as modalidades de transportes coletivos públicos disponíveis em seus municípios. É para essas pessoas que a proteção da saúde no contexto da prestação do serviço de transporte coletivo urbano tem se revelado uma promessa distante.
Tomemos como exemplo o caso do município do Rio de Janeiro. Pouco após a eclosão da pandemia, o município adotou medidas sanitárias básicas no âmbito dos transportes públicos municipais, impondo obrigações de higienização dos veículos e de uso obrigatório de máscaras nos locais públicos.
Posteriormente, o <a href="https://www.legisweb.com.br/legislacao/?id=392322" target="_blank" rel="noopener noreferrer">Decreto 47.282 de março de 2020</a> estabeleceu a limitação obrigatória do número de passageiros a bordo nos ônibus (art. 1º, II, “b”). Agora em 2021, essas medidas foram reforçadas pela <a href="https://www.legisweb.com.br/legislacao/?id=408447" target="_blank" rel="noopener noreferrer">Resolução 3.350 da SMTR</a>. Nesse mesmo sentido, o estado determinou, por meio do <a href="https://www.legisweb.com.br/legislacao/?id=396641" target="_blank" rel="noopener noreferrer">Decreto Estadual 47.108 de junho de 2020</a>, a limitação de ocupação dos transportes metroviário e ferroviário em 50% de sua capacidade (art. 3º, §§ 3º e 4º).
Ocorre que, conforme apontado por <a href="https://ceri.fgv.br/sites/default/files/publicacoes/2020-04/covid_e_mobilidade_urbana_fgv_ceri_0.pdf" target="_blank" rel="noopener noreferrer">pesquisas realizadas pelo Centro de Estudos em Regulação e Infraestrutura da FGV</a>, as medidas de limitação do número de passageiros levaram à redução acentuada na arrecadação das empresas de ônibus.
Cabe, então, distinguir dois possíveis cenários a partir dessa constatação: o primeiro, em que a limitação do número de passageiros não tenha alterado de maneira relevante o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos; e o segundo cenário, em que a imposição das medidas preventivas tenha gerado, de fato, um impacto substancial sobre o contrato.
Enquanto na primeira hipótese caberia às próprias concessionárias suportar as limitações, sem contraprestação; a segunda poderia ensejar algum reequilíbrio econômico-financeiro do contrato, transferindo ao poder público parcela do ônus financeiro associado às medidas necessárias.
Contudo, ocorre que, no lugar de eventual análise do equacionamento dos contratos de concessão – visando à manutenção do serviço com limitação das aglomerações –, o que se viu foi a redução da quantidade de veículos em circulação, sem posterior recomposição nas frotas.
Disso decorre que se criou um déficit do número de ônibus em circulação no comparativo com a demanda dos passageiros, produzindo, assim, efeito contrário ao objetivado pelo poder público: uma aparente redução dos custos para as exploradoras de transporte rodoviário e a manutenção dos riscos de contágio, agora acentuados pelas filas formadas por passageiros aguardando a chegada de (poucos) veículos – além da já conhecida superlotação.
O cenário que se agrava há meses não mostra indícios de melhora. Cabe, portanto, ao poder público, especialmente na esfera municipal, avaliar os impactos das medidas restritivas sobre o transporte público, assegurando o cumprimento dos protocolos de isolamento, sem prejuízo da regular prestação do serviço público que tem como clientes preferenciais os grupos mais afetados pela pandemia.
Longe de significar qualquer violação aos direitos das concessionárias, essa atuação deve garantir o estrito cumprimento dos contratos administrativos vigentes, com o correspondente reequilíbrio contratual sempre que efetivamente demonstrada a violação de suas equações econômicas originárias.
“Este artigo expressa a opinião dos autores, não representando necessariamente a opinião institucional da FGV.”
<hr />
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JOTA

Poder público deve garantir protocolos sanitários para proteger grupos vulneráveis na pandemia

Covid-19 e a proteção de grupos vulneráveis no transporte

Poder público deve garantir protocolos sanitários para proteger grupos vulneráveis na pandemia