Pandemia

Covid-19 e a gestão da segurança e saúde no trabalho

Fundamental para a retomada e crescimento das atividades produtivas no pós-pandemia é zelar pela saúde dos trabalhadores

Crédito: Pixabay

É notório o impacto da pandemia da COVID-19 no setor industrial, não só em termos econômicos, mas sobretudo no novo formato de trabalho que garanta continuidade das atividades industriais consideradas essenciais.

Ao avaliar as propostas para uma nova forma de trabalho, inserida no contexto da pandemia e de pós-pandemia, além, é claro, do viés econômico e trabalhista, as empresas devem analisar o seu modus operandi em termos de gestão da Segurança e Saúde no Trabalho (SST).

No âmbito da SST os ambientes laborais são continuamente avaliados quanto aos riscos provenientes de agentes físicos, químicos e biológicos, determinando a elaboração, dentre outros, do Programa de Prevenção de Riscos Ambientais (PPRA), exigido pela Norma Regulamentadora (NR 09)[1], do antigo Ministério do Trabalho.

Antes da pandemia da COVID-19, tais ambientes eram avaliados, exclusivamente, no que dizia respeito aos riscos presentes ou decorrentes das atividades desenvolvidas pelos trabalhadores. Por consequência, as medidas de controles, tais como as medidas de proteção coletiva ou equipamentos de proteção individual (EPI), eram implementadas para extinguir ou mitigar esses riscos.

Todavia, a crise atual alterou profundamente os ambientes de trabalho, visto não é possível delimitar a presença do vírus, nem como saber quem é portador do vírus. Na prática, verifica-se que um novo risco/agente – o novo coronavírus – deve ser considerado como presente em todos os ambientes de trabalho, especialmente após a decisão do STF do último dia 29 de abril entendendo pela possibilidade de caracterização da Covid-19 como doença ocupacional, independente da comprovação de nexo causal laboral, afastando o determinado no artigo 29 Medida Provisória 927[2], de 22 de março.

Nesse sentido, os órgãos fiscalizadores vêm expedindo orientações e normas que devem ser obrigatoriamente cumpridas pelas empresas, visando a continuidade de suas atividades laborais enquanto durar a pandemia.

No bojo dessas novas regulamentações a Secretaria do Trabalho expediu o Ofício Circular SEI nº 1088/2020/ME, que determinou a implementação de medidas de prevenção/redução do contágio da COVID-19, voltadas aos seguintes temas: higiene e conduta, refeições/refeitórios, Serviço Especializado em Engenharia e Segurança e Medicina do Trabalho (SESMT) e à Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA), transporte de trabalhadores, dentre outras.

Por sua vez, o Ministério Público do Trabalho (MPT) publicou Notas Técnicas visando a proteção dos trabalhadores e recomendando a implementação de medidas de controle nos ambientes laborais.

Além disso, Estados e Municípios vêm publicando também atos normativos que impõem regras às empresas, tais como o uso de máscaras e álcool em gel e distanciamento entre os trabalhadores.

Em visão simplista, as indústrias podem entender que fornecidas as máscaras, álcool em gel e mantido o distanciamento entre trabalhadores, resolvida estará a questão. Mas em termos SST não é bem assim.

Sem intenção de esgotar o tema, é imperioso esclarecer um ponto crucial em SST: a parte documental. Nela constam os levantamentos, monitoramentos, medidas de controles, registros de treinamentos aos trabalhadores, além de conter as diretrizes da política de SST da empresa. Dito isto, deve-se indagar se os documentos ocupacionais da empresa já contemplam os riscos decorrentes do novo coronavírus, bem como se contemplam todas as medidas implementadas nesse sentido.

Ainda não sabemos quanto durará a pandemia. Não se sabe também se ao fim da pandemia as medidas restritivas permanecerão vigentes, visando afastar o risco de novo evento pandêmico.

Ora, seja durante a pandemia ou no pós-pandemia, é válido avaliar se os documentos ocupacionais das empresas não devem ser revisados/atualizados em relação à COVID-19. Assim, o PPRA e o Programa de Controle Médico e Saúde Ocupacional (PCMSO) devem ser revistos/atualizados para eventual inserção de fatores ligados à COVID-19.

Demais exigências contidas nas NRs devem também passar por revisão/atualização, tais como: Procedimentos e Ordens de Serviço (NR 01); Mapas de Riscos dos locais de trabalho (NR 05); Registros de treinamento e entrega de EPIs (ex.: máscaras) aos trabalhadores (NR 06).

A garantia da adequação da gestão de SST em relação à COVID-19, além de proteger os trabalhadores, afasta, em caso de fiscalização, configuração de grave e iminente risco nas atividades da empresa; ou seja, condição ou situação de trabalho causar doença com lesão grave ao trabalhador, o que poderá implicar em interdição parcial ou total da atividade, conforme NR 03 – Embargo e Interdição.

Indispensável registrar que em caso de adoecimentos mais graves ou até mesmo fatalidades de trabalhadores por contaminação pela COVID-19 no trabalho, em termos judiciais e previdenciários, os documentos ocupacionais são primordiais para afastar ou, no mínimo, mitigar responsabilização pela não implementação adequada de todas as medidas de controles de SST.

Outro ponto controverso pode estar relacionado com o fornecimento de álcool em gel nos ambientes de trabalho, que muito embora não se enquadre legalmente como EPI, poderá na prática ser utilizado como tal. Pode-se fazer um paralelo com o uso de protetor solar nas empresas. O protetor solar não consta na NR 06 como EPI, mas no dia-a-dia é utilizado/fornecido aos trabalhadores, especialmente considerando o entendimento do Tribunal Superior do Trabalho (TST)[3] em relação a exposição ao calor ambiente externo com carga solar.

Cabe ainda avaliar a situação dos prestadores de serviços, com foco naqueles que executam atividades nas dependências das empresas, os quais devem seguir as obrigações da indústria contratante e garantir que a parte documental ocupacional também já foi plenamente revisada/atualizada quanto à COVID-19, sob risco de responsabilização solidária ou subsidiária.

Ainda sobre as empresas prestadoras de serviços, deve a contratante atentar-se para as que executam serviços indispensáveis, tais como o transporte coletivo de trabalhadores e os serviços de alimentação/refeitórios, pois, na ausência/paralisação desses, as mais das vezes, as indústrias também são paralisadas.

Por fim, sobre os refeitórios, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) publicou Nota Técnica com uma série de exigências que devem ser avaliadas pelos serviços de fornecimento de alimentação nas indústrias.

Apesar de os cenários atual e em curto e médio prazo serem de incerteza, recomenda-se que as empresas avaliem as novas formas de trabalho e medidas de controle de SST, fato que certamente propiciará ao setor industrial passar pela pandemia da COVID-19 de forma segura, zelando pela saúde dos trabalhadores, os quais serão fundamentais para a retomada e crescimento das atividades produtivas no pós-pandemia.

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[1] A Portaria nº 6.735, da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho (SEPRT), de 12 de março de 2020, deu redação a nova NR 09, extinguindo o PPRA, que será substituído pelo Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR) no prazo máximo de um ano, a contar da publicação da Portaria.

[2] Art. 29.  Os casos de contaminação pelo coronavírus (covid-19) não serão considerados ocupacionais, exceto mediante comprovação do nexo causal.

[3] Orientação Jurisprudencial da SDI-1 do TST: 173. ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. ATIVIDADE A CÉU ABERTO. EXPOSIÇÃO AO SOL E AO CALOR. – Res. 186/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012 […]

II – Tem direito ao adicional de insalubridade o trabalhador que exerce atividade exposto ao calor acima dos limites de tolerância, inclusive em ambiente externo com carga solar, nas condições previstas no Anexo 3 da NR 15 da Portaria Nº 3214/78 do MTE. Disponível em: http://www3.tst.jus.br/jurisprudencia/OJ_SDI_1/n_s1_161.htm#TEMA173