Jerusa Burmann Viecili

Se é certo que o tempo, passado, presente e futuro são apenas ilusões e a medida do tempo é relativa, também é fato que, na história, 15 anos constituem um período de tempo quase irrelevante.
Pois em 15 anos, a partir de 2005, com a eclosão do escândalo de compra de votos que ficou conhecido como “Mensalão”, o Brasil experimentou o auge e o declínio do combate à corrupção. 
<a href="https://www.jota.info/produtos/poder?utm_source=Banner%20site&amp;utm_medium=Artigos&amp;utm_campaign=CTA_Poder_materias"><img class="size-medium wp-image-292717 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-poder.jpg" alt="" width="688" height="688" /></a>Pelo menos desde o final dos anos 1980<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>, não faltaram, no Brasil, escândalos de corrupção envolvendo desvio e malversação de recursos públicos, agentes políticos, funcionários públicos, executivos de grandes empresas e cifras milionárias que deixaram de ser investidas em benefício da sociedade<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>. Apesar das grandes operações policiais, investigações bem sucedidas e esquemas de corrupção envolvendo desde ambulâncias até grandes obras e fundos de pensão, raros foram os casos que alcançaram condenações definitivas e ainda mais raros aqueles que efetivamente resultaram em cumprimento de penas privativas de liberdade e pecuniárias.
Por muito tempo, diante da ausência de efetividade das leis que tratam do combate à corrupção no Brasil, inexistiram condições suficientes para manter o funcionamento de um sistema democrático em termos de punição adequada aos crimes praticados.
Mesmo que as notícias de corrupção fossem rotina nos noticiários da televisão, ela nunca foi uma das grandes preocupações da população brasileira, tanto que, apenas e pela primeira vez em 2015 a corrupção passou a dividir com a saúde a liderança do ranking de principal problema do país, conforme pesquisa do Instituto Data Folha, que apontou ter sido o índice mais alto de percepção da corrupção já registrado na série histórica sobre o tema<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a> <a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>.
O início da percepção popular do alcance da corrupção no país pode ter sido efeito do julgamento do caso Mensalão, finalizado em 2014 e que, a despeito da notoriedade pública que alcançou e das diversas condenações, não apresentou efetividade do ponto de vista do cumprimento de penas, já que dos 24 condenados, 17 tiveram suas penas extintas após serem beneficiados por indultos.
Parece, contudo, que foi com o surgimento e o desenvolvimento da denominada “Operação Lava Jato” que a sociedade brasileira voltou seus olhos para a gravidade do problema e seus maléficos efeitos, tanto que, em 2017, pela primeira vez em 22 anos de pesquisas do Latinobarómetro, a corrupção foi reputada como a principal preocupação de um país da América Latina, no caso, do Brasil, onde 31% da população considerou a corrupção como o principal problema nacional<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a>
O incremento dos mecanismos de combate à corrupção, representados pela operação Lava Jato, somente pode ser explicado a partir da soma de inúmeros fatores improváveis, aliados à independência conquistada pelos órgãos de persecução criminal, especialmente a partir do ano de 2004, e à existência de um ambiente democrático, com respeito às liberdades individuais, com instituições funcionando de forma legítima e regular e com uma imprensa livre para investigar e noticiar à sociedade os fatos apurados.
A consolidação do Estado Democrático de Direito, instituído em 1988 e gradualmente fortalecido ao longo de mais de 30 anos, conjugado a diversos outros fatores de ordem social, proporcionou um amadurecimento institucional que possibilitou o desenvolvimento de um trabalho harmônico de um conjunto de instituições de fiscalização e controle no combate à corrupção. Ao lado disso, a independência do Ministério Público, garantida não apenas formalmente, mas em fatos concretos, como a escolha do procurador-geral a partir de lista tríplice elaborada pelo próprio Ministério Público e a autonomia orçamentária do órgão, bem como a independência de atuação limitada apenas pela Constituição e pelas leis, constituíram parte do conjunto democrático que impulsionou o combate à corrupção no Brasil e permitiu o desenvolvimento da operação Lava Jato.
Isso foi viabilizado, ainda, por diversas criações e alterações legislativas supervenientes à Constituição Federal de 1988, como a Lei de Improbidade Administrativa (1992), a Lei de Acesso à Informação (2011), a Lei das Organizações Criminosas (2013), a Lei Anticorrupção (2013) e a alteração da Lei de Lavagem de Dinheiro em 2012, que permitiram, com respeito aos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório, uma atuação mais efetiva, célere e concreta na luta contra a corrupção e a impunidade.
Esses avanços legislativos, conjugados a algumas alterações jurisprudenciais (como a possibilidade de execução provisória da pena e a limitação do foro por prerrogativa de função, por exemplo), permitiram que, por pouco tempo, o sistema de combate à corrupção garantisse a efetividade da lei e dos mecanismos democráticos de controle, sem se resumir a um rito formal e seletivo que resulta na quase completa inexistência de aplicação de punições quando as regras de integridade são quebradas.
Contudo, tal como aconteceu na Itália com a operação “Mãos Limpas”, o sistema de combate à corrupção brasileiro vive acelerado declínio no último par de anos: uma série de medidas legislativas, administrativas e jurisdicionais pode ter sido responsável pela ruptura abrupta de um caminho que foi construído, não sem esforços, ao longo de diversos anos.
Parafraseando Gherardo Colombo, depois da emersão do sistema da corrupção, o país teve a possibilidade de escolher entre duas alternativas: incrementar medidas para punir adequadamente os desvios e a violação das leis; ou introduzir medidas com o efeito de prejudicar ou impedir investigações e processos. E, boas ou más que possam ter sido as intenções, o resultado pendeu fortemente para a segunda alternativa, tanto na Itália quanto no Brasil.<a href="#_ftn6" name="_ftnref6">[6]</a>
Após forte clamor popular pelo fim da corrupção e da impunidade, inúmeros debates sobre a necessidade de sanções mais severas para os crimes de colarinho branco e de aprimoramento dos sistemas de investigação criminal, o que se observa, ao menos nos últimos dois anos, são claros movimentos pela restrição da independência do Ministério Público, pela perda de autonomia da Polícia Federal, pela descriminalização de condutas que propiciam e fortalecem a corrupção sistêmica e pela adoção de mecanismos que prejudicam e inibem a investigação de crimes financeiros e contra a administração pública.
<blockquote class="jota-article__eye">Nesse período, ficou claro que a resistência oferecida aos avanços do sistema de combate à corrupção foi mais forte e as investidas do poder político apresentaram êxito, prevalecendo e sendo materializadas em diversas medidas de enfraquecimento da pauta anticorrupção, que, curiosamente, terminou por perder inclusive o apoio popular.</blockquote>
Tanto isso é verdade que, no final de 2020, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), de maneira inédita, criou um grupo permanente de monitoramento da situação do combate à corrupção no Brasil, especialmente diante dos retrocessos verificados diante  (1) da aprovação da lei de abuso de autoridade, com tipos penais vagos e criminalização da conduta de juízes e promotores de justiça, como meio de intimidação pelo cumprimento dos deveres institucionais, (2) da criação de regras rigorosas para dificultar o compartilhamento de dados entre órgãos de inteligência financeira e investigativos, e (3) do fim da Operação Lava Jato e das notícias de interferência no funcionamento do Ministério Público e da Polícia Federal.
Entre os principais retrocessos apontados pela OCDE, vale lembrar que, no âmbito judiciário, uma decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal (Recurso Extraordinário 1.055.941) praticamente paralisou, por aproximadamente seis meses, o sistema de combate à lavagem de dinheiro no Brasil, ao suspender, a partir de um caso concreto, todas as investigações criminais que fizessem uso, sem autorização judicial, de dados do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF) e da Receita Federal. O próprio COAF, inicialmente vinculado ao Ministério da Justiça como parte de uma estratégia de fortalecer seu apoio em investigações de lavagem de dinheiro, foi extinto, rebatizado para Unidade de Inteligência Financeira (UIF) e transferido para o Banco Central, em agosto de 2019.
Em sede legislativa, a apontada aprovação da Lei de Abuso de Autoridade, que entrou em vigor em janeiro de 2020, foi considerada uma involução, na medida em que freia o poder investigatório e a capacidade de penalizar criminosos, ao mesmo tempo em que inibe o investigador e intimida as instituições responsáveis pela persecução criminal.
Os retrocessos, contudo, não se limitam aos apontados pela ODCE, tanto que a Transparência Internacional também indicou a progressiva deterioração do arcabouço institucional anticorrupção no país, consubstanciada especialmente no preocupante recrudescimento da ingerência política sobre órgãos fundamentais para o enfrentamento da corrupção, como a Polícia Federal, a Procuradoria-Geral da República e o Supremo Tribunal Federal.
Afora isso, o tão esperado Pacote Anticrime, após diversas modificações legislativas e poucos vetos presidenciais, resultou em uma legislação repleta de recortes, alterações que ignoram a realidade fática e pouquíssimas mudanças concretas no arcabouço legal que favorece o combate à corrupção e à impunidade.
Não se podem perder de vista, ainda, alterações legislativas em gestação que, acaso aprovadas e sancionadas, apresentarão potencial fulminante no combate à corrupção e à impunidade, como as propostas de modificação na lei de lavagem de ativos, que descriminalizam condutas, suavizam penas e exigem condenação anterior por crime antecedente para tipificação do delito de lavagem. Do mesmo modo, propostas de mudança na Lei de Improbidade Administrativa que acabam por excluir a possibilidade de punição por diversas condutas hoje consideradas ilícitas, abrandam as punições e ainda acrescentam novos requisitos para a configuração do ato de improbidade.
Ainda na mesma linha, o substitutivo recentemente apresentado no Congresso Nacional sobre a proposta do novo Código de Processo Penal que, relativamente à investigação criminal, além de nada avançar, contempla enorme retrocesso ao caracterizar o poder investigatório do Ministério Público como suplementar, que somente poderá ser exercido “quando houver fundado risco de ineficácia da elucidação dos fatos pela polícia, em razão de abuso do poder econômico ou político”.
De tudo isso, resta claro que, em pouco mais de uma década, o sistema de combate à corrupção brasileiro pareceu emergir, trazendo esperança de continuidade e melhorias, mas no exato momento em que precisava de consolidação e fortalecimento, submergiu rapidamente e ainda parece longe de alcançar o fundo.
Tal conclusão reflete também o comportamento da sociedade, na medida em que a causa anticorrupção, principal bandeira das eleições de 2018, parece ter sido aceleradamente deixada de lado, talvez em nome de uma polarização política que não faz sentido algum nesta temática, já que o combate corrupção é uma pauta permanente e a corrupção dificilmente será totalmente eliminada algum dia, podendo, sim, ser atenuada a partir de um sistema legal e jurisdicional forte, coeso e funcional.
Demorou anos para que o sistema de combate à corrupção no Brasil saísse dos trilhos da impunidade, mas, em pouco tempo, tudo mudou para continuar como era antes.
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a>No período compreendido entre 1964 e 1985, o Brasil viveu um período de exceção, sob comando de sucessivos governos militares, com graves violações aos direitos humanos fundamentais, além de ausência de transparência, liberdade de imprensa e de informação (informações disponíveis em: &lt;http://www.justicadetransicao.mpf.mp.br/&gt;. Acesso em: 09 abr.2019.)
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a>Conferir, por exemplo, matéria jornalística disponível em: &lt;https://epocanegocios.globo.com/Informacao/Dilemas/noticia/2015/03/os-maiores-escandalos-de-corrupcao-do-brasil.html &gt;. Acesso em: 09 abr.2019.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a>Disponível em: &lt;http://media.folha.uol.com.br/datafolha/2015/04/13/avaliacao_governo_dilma.pdf&gt;. Acesso em: 15 abr.2019.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a>Segundo dados do Datafolha, além disso, em 2013, a área da saúde alcançava 48% das menções como principal problema do país, enquanto a corrupção ficava com apenas 11% das referências. Já em fevereiro de 2015, a saúde ainda liderava com 26%, seguida da corrupção com 21%.
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a>Disponível em: &lt;www.latinobarometro.org&gt;. Acesso em 08 mar. 2019.
<a href="#_ftnref6" name="_ftn6">[6]</a>COLOMBO, Gherardo. MARZOLI, Franco. Farla Franca. La legge è uguale per tutti? Ob. cit., p. 105. Tradução nossa. No original, em italiano: Dopo l’emersione del sistema della corruzione (...) avvenuta con Mani pulite, la politica e, in generale, il Paese hanno avuto la possibilità di scegliere tra due alternative: introdurre misure per ridimensionare la devianza, la violazione delle leggi; o introdurre misure che avvesero l’effetto di arginare l’intervento della magistratura. Buone o cative che siano state le intenzioni, mi pare che il risultato penda fortemente verso la seconda alternativa.

acordo de leniência

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JOTA

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