André Torres dos Santos

Em votação eletrônica concluída em 23 de outubro de 2020, o Plenário Virtual do Supremo Tribunal Federal decidiu pela inexistência de repercussão geral da controvérsia relativa ao termo inicial da incidência da correção monetária nos pedidos administrativos de ressarcimento de créditos tributários escriturais, ou seja, aqueles créditos apurados em um período de apuração e aproveitados em outro, na própria escrita fiscal do contribuinte, relativos a tributos federais não-cumulativos como o IPI, PIS e Cofins.
O debate diz respeito especificamente àqueles créditos que, até então escriturais, passam a ser objeto de pedido de ressarcimento em dinheiro ou mediante compensação com outros tributos em virtude da acumulação por opção do contribuinte – nas hipóteses permitidas em lei – ou da impossibilidade de utilização em determinado período.
Na esteira do voto do ministro relator, Dias Toffoli, decidiu-se que a definição quanto ao início do cômputo da correção monetária – se contada da data do protocolo do pedido administrativo de restituição, como defendem os contribuintes, ou se apenas após transcorrido o prazo legal de 360 dias para que o Fisco se manifeste quanto ao pedido, deferindo ou indeferindo o ressarcimento de créditos – constitui debate que se limita à legislação infraconstitucional, vinculada às disposições da Lei nº 11.457/2007, do Código Tributário Nacional e das Leis nºs 10.637/2002 e 10.833/2003.
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Fixou-se, portanto, a tese de que “é infraconstitucional, a ela se aplicando os efeitos da ausência de repercussão geral, a controvérsia relativa ao termo inicial da incidência de correção monetária – se da data do protocolo do requerimento administrativo pelo contribuinte ou do dia seguinte ao escoamento do prazo de 360 dias previsto no artigo 24 da Lei 11.457/2007 – referente ao ressarcimento de créditos tributários escriturais excedentes de tributo sujeito ao regime não-cumulativo”.
Na prática, a rejeição do tema pelo STF torna definitivo o entendimento do Superior Tribunal de Justiça sobre a questão, firmado sob o rito dos recursos especiais repetitivos, em junho de 2020 (Tema 1.003/STJ). Na ocasião, pelo voto-desempate do ministro Benedito Gonçalves, presidente da 1ª Seção, o Tribunal concluiu que o Fisco somente poderia ser considerado em mora, sendo cabível a correção monetária dos créditos, após o prazo legal de 360 dias estabelecido para a análise dos pedidos de ressarcimento.
O racional adotado pelo Superior Tribunal de Justiça, que passará a orientar a solução uniformizada de ações com idêntica questão de direito em todo o país, resulta da interpretação conjunta de precedentes anteriores do próprio Tribunal, firmados após o reconhecimento, pela 1ª Seção, também sob o rito dos recursos repetitivos<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>, do próprio direito, em si, à atualização monetária desses créditos.
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Dentre esses precedentes, mencione-se a edição da Súmula 411/STJ<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>, que reconhece o cabimento da correção monetária em relação ao creditamento de IPI nos casos em que há resistência ilegítima do Fisco, bem como o julgamento do Recurso Especial nº 1.138.206/RS<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>, no qual se firmou o entendimento de que o prazo de 360 dias previsto pelo artigo 24 da Lei nº 11.457/2007 é aplicável, no processo administrativo fiscal, mesmo àqueles pedidos efetuados anteriormente à sua vigência.
Nesse contexto, o Superior Tribunal de Justiça evoluiu para o entendimento de que o direito à correção monetária dos créditos escriturais está diretamente vinculado à resistência ilegítima do Fisco, caracterizada pela mora no atendimento da pretensão do ressarcimento. Esse racional já havia sido manifestado pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, em ocasião anterior<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>, no qual o Tribunal reconheceu que há direito à correção monetária de créditos escriturais de IPI nos casos em que comprovada a resistência injustificada da Administração Tributária em realizar o pagamento tempestivamente.
Na ocasião, contudo, o Supremo Tribunal Federal se eximiu da análise dos elementos concretos que caracterizariam, ou não, a resistência injustificada, concluindo pela natureza infraconstitucional da discussão. Esse mesmo entendimento, agora, foi reiterado sob o rito da repercussão geral, o que confere definitividade à posição do Superior Tribunal de Justiça sobre o tema.
<blockquote class="jota-article__eye">Assim, de acordo com o que ficou decidido no Tema 1.003/STJ, regra geral, enquanto não transcorrido o prazo de 360 a que alude o artigo 24 da Lei nº 11.457/2007, não se poderia falar em “resistência ilegítima” ao ressarcimento, já que inexistente a mora.</blockquote>
Todavia, é importante registrar que a própria jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a partir desse mesmo racional, reconhece exceção à regra geral quando se constata a desnaturação da natureza escritural do crédito, caracterizada, por exemplo, pela necessidade de o contribuinte ingressar em juízo para ver reconhecido o seu direito ao creditamento. Tratam-se das hipóteses em que a utilização do direito creditório encontra resistência em atos estatais, administrativos ou normativos.
Nessas hipóteses, a resistência institucional do Estado ao aproveitamento de créditos escriturais (que decorrem logicamente da sistemática da não cumulatividade), exigindo a busca pela via judicial, acabaria por configurar a necessária mora no atendimento do pedido, atendendo ao requisito da resistência ilegítima para efeitos de tornar cabível a incidência da correção monetária.
Esse raciocínio, inclusive, vem sendo estendido pelo Superior Tribunal de Justiça<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a> a discussões que envolvem créditos escriturais de ICMS, nos quais se reconhece o direito à correção monetária nos casos em que os créditos escriturais reclamados não foram oportunamente aproveitados em razão da oposição do fisco, tendo sido necessário o ajuizamento de demanda judicial para o reconhecimento do direito vindicado. Nesses casos, a resistência ilegítima decorre atos administrativos ou normativos que impeçam o aproveitamento, embora não se aplique o prazo de 360 dias previsto na legislação federal.
Com a definição, pelo Supremo Tribunal Federal, de que o tema não será analisado na Corte, finalmente terão prosseguimento os processos sobre a matéria em todo o território nacional. Isso porque, por decisão da ministra vice-presidente do Superior Tribunal de Justiça, Maria Thereza Moura, quando da admissão do Recurso Extraordinário interposto contra o acórdão proferido no leading case definido no Tema 1.003, determinou a suspensão nacional de todos os processos que versem sobre a mesma controvérsia em grau recursal, em trâmite no âmbito dos Tribunais e das Turmas Recursais dos Juizados Especiais Federais.
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Recurso Especial nº 1.035.847/RS, Rel. Min. Luiz Fux, DJe de 03/08/2009.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> “É devida a correção monetária ao creditamento do IPI quando há oposição ao seu aproveitamento decorrente de resistência ilegítima do Fisco”.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> Recurso Especial nº 1.038.206/RS, Rel. MIn. Luiz Fux, DJe de 01/09/2010.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> RE 266.605-AgR-ED-EDv, Rel. Min. Edson Fachin, DJe de 20/06/2016.
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> AREsp 1499295/AM, Rel. Ministro Herman Benjamin, DJe 11/10/2019.

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