Diego Pereira

Dizer que o futuro do planeta está nas mãos dos mais jovens nunca fez tanto sentido, especialmente quando se pensa na questão ambiental. No entanto, uma leitura em sentido contrário desse pensamento pode levar a um equívoco, uma vez que o futuro do planeta também depende, e muito, das gerações mais velhas.
Caetano Veloso, no seu último disco, lançado em outubro de 2021, conversa com o tempo moderno da tecnologia, das redes sociais e com a nova geração. Em uma das faixas, denominada “Enzo Gabriel”, o cantor questiona qual o futuro do Brasil, referindo-se, então, a um dos nomes mais registrados em cartório entre os que nasceram nos últimos anos. Assim inicia a canção:
<blockquote class="jota-article__citation">Enzo Gabriel 
Qual será teu papel 
Na salvação do mundo? 
Olha para o céu 
Não faças só como eu 
E o meu coração vagabundo</blockquote>
<a href="https://www.jota.info/produtos/poder?utm_source=Banner%20site&amp;utm_medium=Artigos&amp;utm_campaign=CTA_Poder_materias"><img class="size-medium wp-image-292717 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-poder.jpg" alt="" width="688" height="688" /></a>
Ao questionar o papel dessa nova geração, sem antes deixar de lhes atribuir responsabilidade, com uma simples interrogação, o cantor pede que Enzo Gabriel não seja como ele, Caetano. Talvez se refira ao Caetano ativista, compromissado com o seu tempo presente e futuro, que já não pode fazer muito, porque sabe que o futuro não pertence a ele. É o poeta reconhecendo sua limitação temporal no mundo real.
A reflexão é ainda mais oportuna, considerando que está prestes a acontecer a COP 26, a 26ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre mudanças climáticas, entre os dias 31 de outubro e 12 de novembro, em Glasgow, no Reino Unido. A participação da juventude nesse debate vai além do seu interesse, diz respeito também à sua própria sobrevivência.
O evento debaterá, em resumo, o rumo do planeta em relação à emissão de carbono e as diretrizes concretas para evitar a elevação da temperatura da Terra em 1,5ºC, metas estipuladas lá atrás no Acordo de Paris, em 2015.
Ao enfatizar do papel dos mais jovens na questão ambiental, o objetivo não é lhes atribuir um fardo de responsabilidade além da conta, ou até mesmo ocasionar ou agravar um fenômeno que se vem chamando de “eco-ansiedade”, um conjunto de consequências da crise ambiental na saúde mental das pessoas. O que se pretende é dizer que o peso da decisão pela sustentabilidade é maior e mais potente na geração jovem, que tem tanto poder de se comunicar, reagir, decidir e transformar.
Na Suécia, Greta Thunberg; na Alemanha, Luisa Neubauer; em Uganda, Vanessa Nakate, símbolos de uma juventude verde. A partir disso, questiona-se: onde está o Enzo Gabriel do Brasil? Aquele que possa representar uma geração que discute sustentabilidade nas escolas e nas redes sociais, que vai às ruas lutar por políticas de não agressão ao meio ambiente e que decide dar o seu primeiro voto em políticos que se alinham à ideia ambientalista: onde está?
O Enzo Gabriel que se importa com o debate da Amazônia, com as consequências dos desastres de Mariana e Brumadinho, com as implicações da Covid-19, com o derramamento de óleo no Nordeste, as constantes secas e inundações e as queimadas espalhadas pelo país, é o mesmo Enzo Gabriel que tem fome de comida, de educação, de segurança pública, de saúde, de lazer, de transporte público de qualidade. Os mesmos jovens que precisam debater meio ambiente, também precisam lidar com as mazelas de seu país: são aqueles que sabem que a pobreza lhes alcança em demasia e que a questão ambiental lhes afeta à proporção.
A salvação do planeta depende da Greta, da Luiza, da Vanessa e do Enzo Gabriel, sem distinção. Talvez pelo fato de os problemas de lá serem menos gritantes do que os de cá, as vozes juvenis de lá ecoam para além das de cá.
Nesse sentido, é importante que essa COP 26 reflita a questão ambiental na proporção dos problemas que afetam os países menos desenvolvidos. Não é à toa que os objetivos da Agenda 2030 para um mundo sustentável refletem sobretudo a questão do meio ambiente, mas sem antes perpassar por problemas como pobreza, fome, ensino básico, igualdade de gênero e saúde materna e infantil, que se interrelacionam.
Por isso é que a participação social nos rumos do planeta depende de transparência, governança democrática, crescimento econômico inclusivo e solidez na garantia de vida dos mais jovens. Os diversos estudos que atrelam os impactos ambientais mais gravosos às populações mais carentes simbolizam que o debate entre pobreza e desigualdade não estão desvinculados da questão ambiental, pelo contrário – são problemas que se interseccionam em muitos pontos.
O Brasil é um país com um grande nível de desigualdade social. A fome, o desemprego, a falta de serviços públicos, a precarização da vida, aparecem todos os dias no jornal. A existência de uma geração de jovens brasileiros que se preocupe e lute pelas questões ambientais dependerá do entendimento de que há uma transversalidade necessária com a questão da desigualdade social.
Em outras palavras, quando há jovens debatendo desigualdade no Brasil, há jovens também discutindo a questão ambiental. Essa seria a resposta do Enzo Gabriel ao poeta que lhe questiona qual seu papel nos dias de hoje: discutir desigualdade.
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cop 26 greta thunberg

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JOTA

Prestes a acontecer a COP 26, questiona-se qual o papel dos jovens do Brasil no debate ambiental

Onde está nosso Enzo Gabriel ambientalista?

Aquele que represente uma geração que discute sustentabilidade, vai às ruas e decide dar seu primeiro voto em políticos que defendam o meio ambiente