Arnoldo Camanho de Assis

O novo Código de Processo Civil (NCPC) traz importante inovação principiológica em seu artigo 6º, onde se lê que “todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva”. Trata-se do princípio da cooperação, que não encontra paralelo no CPC de 1973, cujas luzes, como é certo, haverão de iluminar a aplicação de todos os seus dispositivos.
O texto legal comporta várias leituras, da mais simples e clara – aquela que postula a cooperação entre os sujeitos do processo para a obtenção de decisão de mérito justa e efetiva –, passando por interpretações mais pragmáticas – a dizer os pontos exatos sobre os quais deve incidir a cooperação [1] – até análises mais elaboradas – a postular que as partes até podem cooperar com o juiz na condução do processo, bem como este com aquelas, mas não seria razoável supor nem exigir que as partes cooperem entre si, em face da evidente divergência de seus interesses [2].
Dissensos postos à parte, o fato é que estamos diante de um novo modelo de processo, um novo sistema – não o velho sistema processual remendado e emendado. Uma “nova Musa” a quem se deve cantar – assim o Desembargador Alexandre Freitas Câmara, citando Camões, saúda os novos tempos [3].
Dentro desse contexto, vale fazer referência a um dispositivo que não é exatamente novo, o artigo 188 do NCPC, a dizer que “os atos e termos processuais independem de forma determinada, salvo quando a lei expressamente a exigir, considerando-se válidos os que, realizados de outro modo, lhe preencham a finalidade essencial”. Esse artigo reproduz, de forma quase idêntica [4], o artigo 154 do CPC de 1973, e consagra o princípio da instrumentalidade das formas ou da liberdade dos atos processuais.
Apesar de se tratar de dispositivo conhecido e sobre o qual muito já se escreveu, há de se lhe dar nova leitura, sob as luzes do princípio da cooperação.
Com efeito, em pleno século XXI, quando é possível estabelecer comunicação imediata com qualquer pessoa em qualquer ponto do planeta, numa época em que a rapidez é um objetivo a ser perseguido e em que se espera da Justiça que seja célere e eficaz, não cabe mais a ideia de decisões enormes, em Português laudatório, empolado e incompreensível, como se, de propósito, se quisesse afastar as partes da solução judicial, não só pelo “juridiquês”, mas pela quantidade exagerada e desnecessária de páginas. Como se laudas e mais laudas de citações e de transcrições fossem sinônimo de eficiência e perfeição.
Os tempos atuais estão a exigir decisões que sejam a um só tempo técnicas, mas também enxutas e objetivas, elaboradas de modo a permitir ao leitor – qualquer leitor: o operador do direito judiciário ou o leigo – que compreenda o raciocínio jurídico desenvolvido em texto ligeiro e que alcance a conclusão do julgado sem precisar de qualquer espécie de tradução.
O juiz [5] precisa ser o vetor desse novo paradigma, não só para simplificar as formas – materializando a diretriz que já se delineara desde o advento do CPC de 1973 –, mas para fazê-lo à luz do princípio da cooperação, que lhe impõe deveres diversos na condução do processo, quais sejam aqueles “de esclarecimento, de diálogo, de prevenção e de auxílio para com os litigantes” [6].
A conjugação da ideia de simplificação das formas com o princípio da cooperação impõe ao juiz que seja tão sintético quanto possível, até porque tal postura certamente viabilizará o propósito de realização da justiça para o caso concreto no tempo razoável. Essa noção pode aplicar-se não só aos pronunciamentos judiciais – sentenças, decisões interlocutórias e despachos – mas, bem assim, a todos os atos processuais, inclusive aqueles a cargo das partes, que bem poderiam cogitar de reduzir a quantidade de folhas das suas petições...
Mas no que se refere àquilo que pode ser feito pelo juiz, lembro-me de uma história que talvez ilustre bem essa ideia. Quando assumi a  titularidade da 2a Vara da Fazenda Pública do Distrito Federal, em junho de 1994, havia apenas quatro varas fazendárias – em vez das oito que há hoje – e não existiam, ainda, os Juizados Especiais da Fazenda Pública nem a Vara de Execuções Fiscais. Toda essa matéria era da competência das Varas da Fazenda Pública.
Naquela época, assim como hoje, havia muitas execuções fiscais. E em muitos casos os devedores não eram encontrados nos seus endereços, nem em lugar algum, o que motivava a Fazenda Pública credora a juntar petição na qual postulava a citação do devedor por edital. Logo que cheguei à 2a Vara da Fazenda Pública, despachava esse tipo de pedido assim: “Defiro a citação por edital. Expeça-se edital com o prazo de 30 dias, na forma da lei de regência”. Isso porque, como se sabe, a Lei no 6.830/80, que rege a matéria, dispõe, em seu artigo 8o, inciso IV, que o prazo do edital é sempre de trinta dias, não se concedendo a discricionariedade que o CPC/1973 concede ao juiz, que, na citação editalícia, lhe permite fixação de prazo entre vinte e sessenta dias (art. 232, inciso IV).
Mas eram muitas execuções fiscais em que havia a necessidade de despachar determinando a citação do devedor por edital. E comecei a achar que aquele despacho estava muito comprido, o que acabava fazendo com que se demorasse a dar solução a esses tipos de casos. Comecei, então, a despachar de outro modo, um pouco mais simplificado: “Cite-se por edital. Prazo de lei”. Mais curto e mais rápido, sem perder a essência. Mesmo assim, continuei achando que podia simplificar ainda mais. Quando saí da 2a Vara da Fazenda Pública, em maio de 1999, despachava os pedidos de citação por edital nas execuções fiscais da seguinte forma: “sim”. Só “sim” e mais nada. Concluí que isso era mais que suficiente para que se entendesse que estava sendo deferida a citação por edital do devedor. O prazo do edital já era o fixado em lei, de modo que não havia qualquer necessidade de se fazer referência a ele. Uma espécie de adaptação do velho e bom princípio da “economia processual”: máximo de proveito com o mínimo de dispêndio de energia.
Outra coisa que bem pode ser objeto de reflexão em prol da simplificação são os próprios editais de citação em si. Nada mais anacrônico do que escrever algo como:
“O Doutor Fulano de Tal, MM. Juiz da Vara Cível da Comarca de XXXXX, no uso de suas atribuições e na forma da lei, FAZ SABER, a todos quanto o presente edital virem ou dele conhecimento tiverem, que por este juízo e cartório da Vara Cível da Comarca de XXXXX, que se situa na Rua Tal, no Y, processam-se os autos da ação de indenização no zzzzz, movida por A em face de B, na qual o autor postula indenização por ato ilícito imputado a B. E por estar B em lugar incerto e não sabido, determinou o MM. Juiz que se expedisse o presente edital de citação, com o prazo de sessenta (60) dias, em três vias de iguais teor e forma, sendo que a primeira será afixada no local de costume, na sede deste Fórum, e as demais deverão ser publicadas na forma da lei. Tudo de acordo com o respeitável despacho de fls. 37, do seguinte teor: ‘Cite-se por edital com o prazo de sessenta (60) dias’. Em sendo assim, fica o réu citado para, querendo e sob pena de revelia, vir contestar o feito no prazo de quinze dias, que começará a fluir após o término do prazo do edital. E para que mais tarde não se alegue ignorância, cumpre-se a respeitável determinação judicial, afixando- se a primeira via no local de estilo e entregando as demais ao autor, por seu advogado, para as publicações devidas. Dado e passado nesta cidade de XXXXX, aos tantos dias do mês de setembro de 2015, do que dou fé”.
Como se sabe, os jornais e os periódicos cobram pelo espaço de publicação, de modo que, quanto maior o texto, maior será o preço a ser pago pelo autor para promover a citação do réu. Ora, levando em consideração que, seja no NCPC (art. 257), seja no CPC/1973 (art. 232), não há qualquer requisito a dizer que o edital de citação deva obedecer essa forma – que, aliás, repete-se desde os tempos do Império –, é possível cogitar de sua simplificação, com o que o juiz estará colaborando para que a justiça seja feita de forma mais barata e ainda mais efetiva. 
Por que, então, não reduzir o edital de citação ao mínimo, em termos de espaço, preservando os requisitos legais e o máximo de informação?
Algo no seguinte estilo:
“Edital de citação. Prazo: sessenta dias. Juízo: Vara Cível da Comarca de XXXXX. Ação de indenização (autos de no zzzzzz). Autor: A. Réu: B. Finalidade: citação. Prazo para resposta: quinze dias. Sede do juízo: Rua Tal, no Y”.
Simplificação e cooperação são palavras que andam parelhas. Simplificar é tarefa que precisa ser compreendida como “perda de quantidade” e não como “perda de qualidade”. Cooperar é atividade que deve ser compreendida não só como sendo das partes em relação ao juiz, mas, antes, sobretudo e especialmente, atividade que parta do juiz em relação às partes no processo – elas, sim, verdadeiras destinatárias do comando legal e genérico que a sentença particulariza para o caso concreto e específico.
É tempo de mudança. Os novos ares que sopram nos empurram a nós, juízes, em direção a um protagonismo que nos cabe assumir, fazendo com que a cooperação deixe de ser apenas uma palavra de ordem e se transforme em verdadeiro farol a guiar os rumos do processo em direção a uma melhor compreensão do papel de facilitação que nos é dado representar no processo.
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Graduado pela Universidade de Brasília, onde cursou o Mestrado em Direito e Estado. Doutorando em Direito Constitucional pela Universidade de Buenos Aires. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual e da Academia Brasileira de Direito Processual Civil.
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[1] BUENO, Cássio Scarpinella. Novo Código de Processo Civil Anotado. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 45.
[2]  MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo Código de Processo Civil Comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1a edição, 2015, p. 102.
[3] CÂMARA, Alexandre Freitas. O Novo Processo Civil Brasileiro. São Paulo: Atlas, 2015, p. 14.
[4] CPC/1973, art. 154. Os atos e termos processuais não dependem de forma determinada, senão quando a lei expressamente a exigir, reputando-se válidos os que, realizados de outro modo, lhe preencham a finalidade essencial.
[5] A palavra “juiz”, aqui, é empregada em sentido lato, a alcançar os julgadores de todos os graus de jurisdição. 
[6] MARINONI, Luiz Guilherme et alteram. Op. et loc, cit.

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JOTA

A inovação do Novo CPC que vai iluminar a aplicação de todos os seus dispositivos

Cooperação e simplificação dos atos processuais

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