Gilberto Andreassa Junior

Frederico Augusto Gomes

Passados pouco mais de dois anos da vigência do novo Código de Processo Civil, muito ainda se discute acerca das chamadas convenções processuais. Isto porque, não obstante haja disposição expressa no art. 190, diversas questões ficaram em aberto, fazendo com que a doutrina precisasse se posicionar, seja através dos livros, seja através dos enunciados emanados do Fórum Permanente dos Processualistas Civis e do Conselho da Justiça Federal.
As convenções processuais típicas sempre existiram em nosso ordenamento jurídico, tendo como maior exemplo a cláusula de eleição de foro. Já o art. 190 remete a uma cláusula geral autorizadora, possibilitando convenções processuais atípicas.
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O CPC/2015 delimita que para a celebração de qualquer convenção processual as partes precisam ser plenamente capazes (pressuposto subjetivo). Inclusive, neste sentido segue o enunciado 616 da VIII Jornada de Direito Civil (CJF): “Os requisitos de validade previstos no Código Civil são aplicáveis aos negócios jurídicos processuais, observadas as regras processuais pertinentes”.
Também se faz necessário que a convenção verse sobre direitos que admitam autocomposição. Aqui, surge o pressuposto objetivo.
Dito isso, vale destacar que a doutrina elaborou dezenas de enunciados, a fim de elucidar melhor o tema (FPPC: enunciados 06, 16-21, 115, 131-135, 252-262, 392, 402-414, 490-495, 569, 579-580, e 628. CJF: enunciados 16, 17 e 18). Por outro lado, ainda há omissão com relação à aplicação – ou não – do instituto nas relações consumeristas.
Contra a aplicação das convenções processuais nas relações de consumo, parte da doutrina revela que o parágrafo único do artigo 190 bloqueou qualquer tipo de debate, pois declara que, “de ofício ou a requerimento, o juiz controlará a validade das convenções previstas neste artigo, recusando-lhes aplicação somente nos casos de nulidade ou de inserção abusiva em contrato de adesão ou em que alguma parte se encontre em manifesta situação de vulnerabilidade”.
Ora, se todo consumidor é vulnerável (art. 4º, I, CDC), automaticamente, toda convenção processual estipulada em seu desfavor deve ser invalidada perante o juízo. No mesmo sentido, e a título de exemplo, é expresso o Código de Defesa do Consumidor ao vedar um dos negócios jurídicos processuais típicos, qual seja a cláusula compromissória de arbitragem, quando esta for compulsória (art. 51, VII).
Em contraposição ao que fora exposto, nos posicionamos a favor do instituto dentro de toda e qualquer relação de consumo, até mesmo nos casos em que haja contrato de adesão.<a href="#sdfootnote1sym" name="sdfootnote1anc">1</a>
Além dos contratos de consumo versarem sobre direitos que admitem autocomposição, deve-se levar em consideração a autonomia privada e a função social do contrato. Como declarar nulo algo que possa vir a beneficiar o próprio consumidor? Declara-se a nulidade da convenção mesmo quando houver delimitação de que o fornecedor pagará custas do processo, não poderá recorrer e, também, arcará com honorários do perito?
A presunção absoluta de vulnerabilidade certamente afeta a preservação da autonomia privada das partes e livre negociação. Esta mudança de paradigma, inclusive, é tendência nas novas legislações (Lei 13.467/2017).<a href="#sdfootnote2sym" name="sdfootnote2anc">2</a> A recente Portaria 33/2018 da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional incentiva o uso do negócio processual atípico nas execuções fiscais. A resolução 118/2014 do Conselho Nacional do Ministério Público também estimula as convenções processuais. Então, por que limitar nos casos em que envolve relação de consumo?
A decisão referida no parágrafo único do art. 190 também depende de contraditório prévio (259, FPPC). Ainda, firmou-se entre os juristas que nas convenções processuais, atender-se-á mais à intenção consubstanciada na manifestação de vontade do que ao sentido literal da linguagem (404, FPPC, em consonância com art. 112 do Código Civil).
Não se trata de uma possibilidade ampla e irrestrita de celebração de qualquer negócio jurídico processual, como, por exemplo, a vedação de uma determinada prova indispensável para comprovação do direito da parte, o que não seria aceito nem mesmo numa relação contratual estritamente privada entre sujeitos formal e materialmente iguais.
O que se defende é que a celebração de negócio jurídico processual em demanda que verse sobre consumo é possível, mas dependerá, em linha de princípio, do preenchimento de ao menos três requisitos essenciais.
O primeiro deles é a adequada informação (direito garantido no art. 6º, III, CDC) do consumidor acerca do negócio jurídico processual e de suas consequências. Nesse aspecto, há uma aparência inicial de que essa informação não será suficiente se a cláusula for celebrada sem que o consumidor receba consultoria técnica de advogado. De outro lado, não há dúvidas de que se o pacto for celebrado após a instauração do litígio e a parte estiver amparada por procurador regularmente inscrito na ordem, seu direito à informação estará respeitado.
Não obstante, a ciência do negócio jurídico processual e de suas possíveis consequências inclusive sobre o desfecho do processo, não são, por si só, suficientes. Como segundo requisito, é necessário que a opção pelo negócio processual tenha sido feita com vontade livre. É nesse contexto que deve ser lido o já mencionado art. 51, VII, do CDC, que presume a impossibilidade de opção por parte do consumidor. Refuta-se, nesse aspecto, o exemplo doutrinário de que um consumidor advogado ou mesmo processualista não seria vulnerável diante da celebração de negócio jurídico processual. Não basta a ciência acerca do acordo, é necessária a manifestação livre de vontade. Se a primeira é inegável para o consumidor com formação jurídica, a voluntariedade da contratação em relação ao negócio jurídico processual nem sempre estará presente.
Por fim, o terceiro requisito proposto é o respeito à função social do negócio jurídico processual, notadamente em sua eficácia interna manifestada pela proteção do vulnerável contratual, pela vedação à onerosidade excessiva, pela nulidade de cláusulas antissociais e pela tendência à conservação do contrato.
Desse modo, havendo informação adequada, livre manifestação de vontade e atendimento a função social do contrato, manifestada no caso específico como preservação do justo processo, não há porque se negar a possibilidade de o consumidor, ainda que vulnerável, celebrar negócio jurídico processual. Vulnerável é quem está sujeito a ser atacado. Por que proteger o consumidor de algo que, no caso concreto, não é uma agressão, mas um benefício?
Em suma, não há nulidade automática das convenções processuais celebradas nos contratos de consumo, ressaltando-se a regra geral do sistema processual de que não se decretará nulidade sem prejuízo (art. 277, CPC).<a href="#sdfootnote3sym" name="sdfootnote3anc">3</a>
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<div id="sdfootnote1">
<a href="#sdfootnote1anc" name="sdfootnote1sym">1</a> Enunciado 408, FPPC: “Quando houver no contrato de adesão negócio jurídico processual com previsões ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente”.
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<div id="sdfootnote2">
<a href="#sdfootnote2anc" name="sdfootnote2sym">2</a> Art. 507-A. Nos contratos individuais de trabalho cuja remuneração seja superior a duas vezes o limite máximo estabelecido para os benefícios do Regime Geral de Previdência Social, poderá ser pactuada cláusula compromissória de arbitragem, desde que por iniciativa do empregado ou mediante a sua concordância expressa, nos termos previstos na  Lei no 9.307, de 23 de setembro de 1996.
</div>
<div id="sdfootnote3">
<a href="#sdfootnote3anc" name="sdfootnote3sym">3</a> Enunciado 16, FPPC: “O controle dos requisitos objetivos e subjetivos de validade da convenção de procedimento deve ser conjugado com a regra segundo a qual não há invalidade do ato sem prejuízo”.
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Convenções processuais nas relações de consumo

Impossibilidade ou compatibilidade?