Simone Casabianca-Aeschlimann

Há 70 anos o mundo celebrava um feito até hoje muito raro: a adoção de um conjunto de quatro tratados internacionais ratificados universalmente pelos Estados: as Convenções de Genebra de 1949. Naquele cenário pós-Segunda Guerra Mundial, esses tratados fundamentais para o Direito Internacional Humanitário (DIH) inovavam ao buscar estabelecer que em todo conflito armado há limites que não podem ser ultrapassados. 
Não tenho dúvidas em afirmar que sem as Convenções de Genebra estaríamos pior. Mesmo setenta anos após sua assinatura, essas normativas continuam sendo adequadas ao prevenir que mais atrocidades sejam cometidas durante as guerras. No entanto, as Convenções precisam de mais apoio, de defensores mais perseverantes e de um espírito de inovação para incursionar em novas formas de avanço rumo à proteção mais eficientes das pessoas. 
O Brasil é, sem dúvidas, um importante aliado nesse caminho, bem como os demais países da América Latina.
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As Convenções de Genebra protegem especialmente as pessoas que não participam das hostilidades (civis, pessoal sanitário, membros de organizações humanitárias) e os que já não podem continuar participando das hostilidades (feridos, doentes, náufragos, prisioneiros de guerra). 
<blockquote class="jota-article__eye">Estabelecem que quem não participa ou que tenha deixado de participar ativamente das hostilidades tem o direito de receber proteção e assistência. Todas as pessoas, independentemente do lado em um conflito, devem ser protegidas. </blockquote>
Em 1949, por iniciativa do Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV), os Estados acordaram revisar os três tratados já existentes: que abrangiam a proteção de feridos e enfermos das forças armadas em campanha; feridos, enfermos e náufragos das forças armadas no mar; e dos prisioneiros de guerra. Adicionaram ainda um quarto tratado para regular a proteção da população civil em geral, cuja carência havia ocasionado cruéis consequências durante a Segunda Guerra Mundial. 
Outro acordo negociado foi a inclusão de um artigo comum às quatro Convenções de Genebra, um texto breve, mas poderoso, que estabeleceu normas fundamentais para a proteção das pessoas em conflitos armados não internacionais. Essa proteção continua sendo hoje se suma importância. 
Vimos neste novo século que o modo de fazer a guerra tem mudado radicalmente, afetando mais de 50 milhões de pessoas na atualidade. Além disso, a tecnologia se desenvolve rapidamente, gera novas frentes no ciberespaço e novas formas de combater, como os sistemas de armas autônomas e as tecnologias remotas. Mas os conceitos básicos do Direito Internacional Humanitário (DIH) continuam vigentes. Esse contexto exacerbou as vozes dos que questionam a vigência das Convenções. 
Esta é a batalha que enfrentamos hoje: as violações do Direito não são aceitáveis nem inevitáveis. Vemos violações e exemplos trágicos no Iêmen, na Somália, na Nigéria e em outros contextos. Tais violações podem trazer a conclusão precipitada e equivocada de que esses princípios nunca são respeitados ou que não são relevantes. 
<blockquote class="jota-article__eye">Como organização que está presente em mais de 90 países levando proteção e assistência a vítimas de conflitos armados e violência armada, vemos todos os dias situações em que os hospitais são protegidos, o acesso à água garantido, os civis não sofrem ataques deliberados e os prisioneiros são tratados com humanidade. </blockquote>
Aos que questionam a vigência do DIH, é preciso responder que minimizar sua capacidade de proteção pode nos levar a entrar em um círculo vicioso em que as violações do direito sejam vistas como banais e inerentes à guerra.
[caption id="attachment_216659" align="aligncenter" width="1024"]<a href="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2019/10/7079fe1a9cd085015946921d5551bd8a.jpg"><img class="wp-image-216659 size-large" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2019/10/7079fe1a9cd085015946921d5551bd8a-1024x683.jpg" alt="" width="1024" height="683" /></a> Sanaa, distrito de Sawan. Um funcionário do CICV discute com os habitantes da região sobre os combates. Crédito: Thomas Glass/CICV.[/caption]
A América Latina entendeu isso perfeitamente ao contribuir de forma decisiva para o desenvolvimento desse ramo do Direito. Promoveu, por exemplo, o Tratado de Tlatelolco (1967), que foi pioneiro no mundo ao proporcionar uma área livre de armas nucleares na América Latina e Caribe, sendo precursor do Tratado sobre a Proibição da Armas Nucleares, cujo texto, adotado em 2017 no seio das Nações Unidas, foi impulsionado com convicção por Estados da região como Brasil, Costa Rica e México. Esses e outros países da América também exerceram um papel-chave na elaboração do Tratado sobre o Comércio de Armas (2013).
Ao celebrar este aniversário no ano de 2019, não devemos perder de vista o ideal das Convenções: trata-se de proteger as pessoas contra os piores efeitos das guerras travadas hoje. O desafio coletivo que temos ante um discurso dominante cada vez mais desumanizador é o de buscar formas de aumentar o respeito dentro da dinâmica em evolução dos conflitos. É o que o CICV tenta fazer diariamente tanto no Brasil como em todo o mundo em prol daqueles meninos, meninas, mulheres e homens que sofrem as consequências de conflitos armados. 
Instamos os Estados a renovarem o seu compromisso com as <a href="https://www.icrc.org/pt/guerra-e-o-direito/tratados-e-direito-consuetudinario/convencoes-de-genebra" target="_blank" rel="noopener">Convenções de Genebra de 1949 e seus Protocolos Adicionais de 1977 e 2005</a>, assim como a sua aplicação e respeito nos conflitos armados contemporâneos. Enquanto os conflitos armados continuarem sendo uma realidade, é preciso colocar um limite ao sofrimento.

CICV

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JOTA

Enquanto os conflitos armados continuarem sendo uma realidade, é preciso colocar um limite ao sofrimento

Convenções de Genebra, que limitam consequências da guerra, completam 70 anos

Enquanto os conflitos armados continuarem sendo uma realidade, é preciso colocar um limite ao sofrimento