Thâmisa Gonzalez de Oliveira

João Vitor do Vale Ferreira

Os direitos e liberdades elencados na Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH), também conhecida como Pacto de San José da Costa Rica (1969), devem ser protegidos a qualquer custo pelos Estados signatários.
Nesse sentido, conforme estabelecido no artigo 1.1 da Convenção, os Estados Partes precisam respeitar todos os direitos e liberdades que nela são reconhecidos e assegurados seu livre e pleno exercício a todos que estejam vinculados à sua jurisdição, independentemente de sua fé, características físicas, opinião, capacidade financeira, origem. 
Além disso, o artigo 1.1 da CADH lista duas obrigações: a de respeitar e de garantir. De maneira básica, o dever de respeitar consiste em cumprir diretamente a conduta que foi estabelecida nas normas convencionais, seja proibindo de atuar ou concedendo o direito a uma prestação (ROJAS, 2009). Por sua vez, a obrigação de garantir provoca os Estados a prevenir, investigar, punir e reestabelecer, se possível, qualquer violação dos direitos mencionados na Convenção.
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Fica demonstrado, portanto, que o dever de previnir é uma consequência da obrigação de garantia que os Estados signatários se comprometeram a cumprir quando ratificaram a CADH e o caso Velásquez Rodríguez vs. Honduras julgado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos em 1988 foi o marco inicial para definir o conceito deste dever. 
Restou determinado, neste caso, que o dever de prevenção deve englobar todas as medidas que possam promover a proteção dos direitos humanos, sejam elas de caráter jurídico, político, administrativo ou cultural (Caso Velásquez Rodríguez Vs. Honduras, 1988). 
Dessa maneira, para que os Estados cumpram com seu dever de proteção, eles devem organizar todos os instrumentos disponíveis ao seu governo e estruturar o poder público para que possa ser capaz de garantir juridicamente o livre e pleno exercício dos direitos humanos. Ainda, o Estado deve prevenir e investigar todas as violações desses direitos que forem cometidas dentro de sua jurisdição, para que as sanções cabíveis sejam impostas a quem os violou e para que seja possível reparar as vítimas. 
Todavia, por se tratar de obrigação de comportamento ou de meio é necessário analisar os fatos de cada caso para determinar se o Estado descumpriu com o seu dever. Assim, é possível afirmar se o Estado tinha conhecimento que violações dos direitos humanos estavam ocorrendo sob seu domínio, que havia um risco real e imediato, mas, mesmo assim não tomou as medidas necessárias e razoáveis para evitar que os direitos fossem violados, ela deve ser responsabilizada. 
Este dever foi amplamente utilizado como forma de embasar argumentos da Corte em muitos outros casos que foram a julgamento desde a sua conceituação e, graças a esse passo, muito Estados foram responsabilizados pela falta de atuação ou por não terem tomado as medidas razoáveis para prevenir a violação dos direitos dispostos no Pacto. 
Entretanto, mesmo que haja esse comprometimento por parte dos Estados signatários, diariamente ocorrem inúmeras violações aos direitos das pessoas migrantes<a href="#sdfootnote1sym" name="sdfootnote1anc">1</a>, e, em especial, aos das crianças desacompanhadas<a href="#sdfootnote2sym" name="sdfootnote2anc">2</a>, mesmo que essas garantias estejam dispostas na CADH e que precisem ser protegidas.
Dito isso, de forma mais fática podemos começar a pensar uma possível penalização dos Estados pelo descumprimento ou omissão do seu dever de cuidado, principalmente, pela obrigação destes para/com a Convenção pelos Direitos da Criança (1989).
Primeiramente, não cabe nos ater à idealização de programas e tratados pelos países, portanto, se faz relevante esmiuçar algumas das infrações cometidas pelos Estados dentro do âmbito das migrações de crianças desacompanhadas. Mostra-se de maior relevância, ainda, a constatação dos grandes entraves práticos que acabam por tornar falho o resguardo do direito referente ao art. 22 da Convenção Pelos direitos da Criança, são eles:
<ol type="a">
<li>
<h3 lang="en-US" align="justify">A existência de programas, porém seu difícil acesso pelos menores de idade (violação dos art. 19 e 20)</h3>
</li>
</ol>
Como exemplo desta nos cabe ressaltar a situação enfrentada em países como Brasil e México. No primeiro percebemos que há, principalmente no que se refere aos Estados de fronteira da região norte, um grande descaso com políticas de inserção do imigrante, tal como pudemos perceber ao observar o caso dos imigrantes venezuelanos que cruzam as fronteiras do estado de Roraima todos os dias pela situação econômica e política que o país enfrenta. 
Ainda que haja um Lei de Migração (2017), e que esta dê prioridade À criança, como de costume visto o Brasil adotar a doutrina da proteção integral, não há na legislação o estabelecimento de um rito especial ao cuidado destes, o que dificulta ainda mais a situação, principalmente das crianças que migram desacompanhadas inseridas neste contexto.
O segundo, por sua vez, é um dos países que mais sofre com a realidade das crianças migrantes desacompanhadas. Sua legislação, ainda que faça menção ao modo como devem ser tratadas as crianças, não é aplicada de forma coerente, o que foi facilmente constatado pelo Relatório do Humans Right Watch “Closed Doors: Mexico’s Failure Protect Central American Refugee and Migrant Children” (ano 2016) onde, em entrevista a algumas crianças que se encontravam desacompanhadas em território mexicano, comprovou-se que muitas nem ao menos haviam tido contato com um oficial de proteção à criança, o que nos remete ao próximo ponto aqui elencado. 
<ol start="2" type="a">
<li>
<h3 lang="en-US" align="justify">A falta de informação quanto à retirada de um visto humanitário (violação do art. 13)</h3>
</li>
</ol>
No mesmo relatório, se constata que são poucas crianças que obtiveram quaisquer informações com relação ao visto que comprove sua situação como migrante. O visto facilitaria em diversas formas, tanto para identificar o motivo de sua migração - pois não se pode pressupor que a migração é definitiva, muitas vezes esta acontece pelo tempo que perdurar o conflito no território natal da criança - quanto por ser meio de inserção da mesma em programas de auxílio quanto a saúde, educação – no relatório da ACNUR “Missing Out Refugee Education in Crisis” (2016) fica demonstrado estatisticamente que as crianças refugiadas são cinco vezes mais suscetíveis a estarem fora da escola do que as não-refugiadas.
<ol start="3" type="a">
<li>
<h3 lang="en-US" align="justify">Abstenção de assistência legal, principalmente quanto ao desejo de retornar ao Estado do qual a criança é proveniente e a manutenção em situação de prisão (violação do art. 10)</h3>
</li>
</ol>
O artigo 10 da Convenção sobre os Direitos da Criança cria o direito à rápida saída da criança do Estado parte quando assim desejar, de forma humanitária, porém, ainda se percebe, pela má aplicação dos programas, sua morosidade. Em diversas situações, há a constatação de que aquela falta de informação à criança pode ser enquadrada como uma forma de prisão arbitrária, visto a criança migrante estar em um território desconhecido e não receber quaisquer notícias quanto ao trâmite de sua estadia, o que, pela falta de interação desta com a comunidade, a leva a uma inércia similar à do cárcere. 
Demonstrado isto, vê-se salutar que além de reformar suas próprias políticas, deve-se fomentar o disposto na Declaração e Plano de Ação do México para Fortalecer a Proteção Internacional dos Refugiados na América Latina, na qual se reconhece:
“(...) responsabilidade dos Estados de proporcionar proteção internacional aos refugiados, assim como a necessária cooperação internacional técnica e financeira para encontrar soluções duradouras, no marco de compromisso com a consolidação do Estado de Direito nos países de América Latina, no respeito universal aos direitos humanos e aos princípios de solidariedade e responsabilidade compartilhada”(ACNUR, 2004) 
Enfim, resta claro que os países americanos devem tomar providências de caráter jurídico, político, administrativo e cultural, para que seja possível acolher, de forma humana, os migrantes que ingressam em seus territórios e, principalmente, as crianças desacompanhadas, vez que estas tendem a ter um maior número de direitos violados. E, para que isso ocorra, é necessário que as nações comecem a cooperar e prevenir, de forma efetiva, qualquer violação dos direitos humanos dessas pessoas.
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<div id="sdfootnote1">
<a href="#sdfootnote1anc" name="sdfootnote1sym">1</a> O Parecer Consultivo oc-21/14 da Corte Interamericana de Direitos Humanos define migrante como o termo genérico que inclui tanto o emigrante como o imigrante.
</div>
<div id="sdfootnote2">
<a href="#sdfootnote2anc" name="sdfootnote2sym">2</a> O Parecer Consultivo oc-21/14 da Corte Interamericana de Direitos Humanos define criança desacompanhada como aquela que está separada de ambos os progenitores e outros parentes e não está sob o cuidado de um adulto a quem, por lei ou costume, incumbe essa responsabilidade.43
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JOTA

A realidade latino-americana na assessoria aos menores

Convenção Americana de Direitos Humanos e a migração de crianças desacompanhadas

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