Daniel de Paiva Gomes

Eduardo de Paiva Gomes

Jardes Costa de Oliveira

O mandado de segurança, instrumento processual disciplinado pela Lei nº 12.016/09, é considerado uma das principais ações – de caráter constitucional – à disposição do contribuinte para discussão de temáticas tributárias, sendo impetrado com o objetivo de assegurar direito líquido e certo não amparado por habeas data ou habeas corpus.
Dentre suas características, registre-se a sumariedade do respectivo procedimento, a vedação da condenação em honorários sucumbenciais, bem como a garantia de que a liminar concedida em seu bojo seja qualificada como causa suspensiva de exigibilidade do crédito tributário – derivação do inciso IV do art. 151 do Código Tributário Nacional (CTN).
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Dos diversos usos conferidos ao writ of mandamus pelo contribuinte, particularmente um nos chama a atenção pela discussão jurisprudencial que se acalorou com a retomada do julgamento do REsp nº 1.770.495/RS (tema 118), em que se reconheceu a possibilidade de uso da ação mandamental para a obtenção de declaração ao direito de compensação de tributos recolhidos indevidamente.
A questão daí decorrente é a referente à metodologia de operacionalização do direito à restituição reconhecido por decisão transitada em julgado no mandado de segurança – (i) se restrita à compensação administrativa ou (ii) se também abrangente da expedição de precatório no bojo do próprio remédio constitucional.
Há muito se discute o cabimento ou não de expedição de precatório em sede de mandado de segurança em matéria tributária, para fins de restituição de valores recolhidos indevidamente no passado, vigorando, por muito tempo, o entendimento de que seria inviável a restituição do indébito tributário por meio de precatório.
Escorando essa orientação, a Súmula 269 do Supremo Tribunal Federal (STF) prevê, por um lado, que o “mandado de segurança não é substitutivo de ação de cobrança”, dispondo a Súmula 271 da mesma Corte, de outro, que a concessão “de mandado de segurança não produz efeitos patrimoniais em relação a período pretérito, os quais devem ser reclamados administrativamente ou pela via judicial própria”.<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>
Note-se que referidos enunciados sumulares foram editados em contextos temporais, casuísticos e materiais completamente distintos, urgindo, dessa comparação, um novo (e iminente) enfrentamento da problemática – apenas a título ilustrativo, recordemos que a Súmula 271 originou-se na discussão acerca da possibilidade de pagamento de verbas para servidores públicos decorrente do reconhecimento do pleito de direito conferido contra a Administração Pública; seu desfecho desaguou na edição do §4º do art. 14 da Lei nº 12.016/09, determinando que o pagamento de vantagens pecuniárias a servidor público, independente da sua esfera, somente será efetuado relativamente às prestações que se vencerem a contar da data do ajuizamento da ação, cuja interpretação se poria restritiva a seus termos, sem que dela se recolha, portanto, efeitos mais amplos (percebe-se daí, vale repisar, que a discussão que formalizou essa súmula sequer envolveu matéria tributária, valendo o mesmo para a legislação derivada).
Seja como for, vedada a expedição de precatório em sede de mandado de segurança, o contribuinte passou a ser obrigado, sempre que inviável a compensação, a ajuizar ação autônoma de repetição de indébito tributário pelo rito ordinário, fazendo-o apenas para operacionalizar o direito à restituição já reconhecido em decisão transitada em julgado no writ.
Ou seja, para os casos em que o contribuinte obtém o reconhecimento da inexistência de relação jurídico-tributária, mas não obtém o direito à restituição do indébito tributário pela via do precatório, o contribuinte disporia de cinco anos a partir do trânsito em julgado do mandado de segurança, para ajuizar nova demanda, a de repetição de indébito.
Nesse tocante, há jurisprudência no âmbito do Superior Tribunal de Justiça (STJ), reconhecendo que a impetração de mandado de segurança interrompe o prazo prescricional em relação à ação ordinária de repetição do indébito tributário, de modo que somente a partir do trânsito em julgado do mandamus iniciar-se-ia a contagem do prazo da restituição dos créditos indevidamente recolhidos.<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>
Em termos práticos, indo na contramão do sincretismo processual que há muito vigora em nosso ordenamento jurídico processual, o contribuinte passou a se utilizar da ação ordinária de repetição de indébito para, após o trânsito em julgado do mandado de segurança, liquidar a sentença do writ e viabilizar a expedição do precatório, sendo a repetição despida de qualquer discussão quanto ao mérito da tese – uma vez que o direito à restituição estaria reconhecido no mandado de segurança –, de molde a servir como mero veículo formal.
Pois é justamente pela ausência de incompatibilidade da proibição, em abstrato, da emissão de precatório em sede de mandado de segurança que a jurisprudência mais recente passou a reconhecer a viabilidade da providência.<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>
O cabimento da expedição de precatório em sede de mandado de segurança, adviria da interpretação conjunta dos seguintes precedentes:
<blockquote class="jota-article__citation">REsp 1.324.152/SP (repetitivo): Para fins do art. 543-C do CPC, firma-se a seguinte tese: "A sentença, qualquer que seja sua natureza, de procedência ou improcedência do pedido, constitui título executivo judicial, desde que estabeleça obrigação de pagar quantia, de fazer, não fazer ou entregar coisa, admitida sua prévia liquidação e execução nos próprios autos".</blockquote>
<blockquote class="jota-article__citation">REsp 1.114.404/MG (repetitivo): "A sentença declaratória que, para fins de compensação tributária, certifica o direito de crédito do contribuinte que recolheu indevidamente o tributo, contém juízo de certeza e de definição exaustiva a respeito de todos os elementos da relação jurídica questionada e, como tal, é título executivo para a ação visando à satisfação, em dinheiro, do valor devido”.</blockquote>
Para além disso, também as súmulas 213 e 461 do STJ corroboram a orientação, quando consignam, respectivamente: (i) que o “mandado de segurança constitui ação adequada para a declaração do direito à compensação tributária”, e que (ii) o “contribuinte pode optar por receber, por meio de precatório ou por compensação, o indébito tributário certificado por sentença declaratória transitada em julgado”.
Com base nesse racional, decisões recentes passaram a reconhecer o cabimento da expedição de precatório em sede de mandado de segurança, mediante cumprimento da sentença mandamental, sobretudo porque o art. 100 da Constituição não excetua a sentença mandamental das regras referentes à expedição de precatórios.
Nos autos do Recurso Extraordinário nº 889.173/MS (Rel. Min. Marco Aurélio), submetido à sistemática da repercussão geral, o Supremo Tribunal Federal reafirmou orientação no sentido de que o pagamento dos valores devidos pela Fazenda Pública deve observar o regime de precatórios previsto no art. 100 da Constituição Federal.
E tanto isso é verdade que, nos AI 712.216-AgR, restou consignado, pela Suprema Corte, que “[a] jurisprudência da Corte é no sentido de que todo pagamento devido pela Fazenda Pública está adstrito ao sistema de precatórios estabelecido na Constituição, o que não exclui, portanto, a situação de ser derivado de sentença concessiva de mandado de segurança”.
No mesmo sentido, para o STJ, os “débitos da Fazenda Pública devem ser pagos pelo regime dos precatórios, não lhes permitindo a exclusão dessa sistemática o simples fato de serem proveniente de sentença concessiva de mandado de segurança”.<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>
No fim das contas, o que se infere é que, a depender da perspectiva pela qual se analise a questão, é possível construir interpretação pela possibilidade ou não do cabimento de expedição de precatório em sede de mandado de segurança, sendo base desse estado de dúvida justamente a divergência interpretativa dos enunciados sumulares e da jurisprudência que tem sido levada ao Poder Judiciário reiteradamente.
Dadas essas circunstâncias, acreditamos que a alteração legislativa pontual, nos moldes a seguir propostos, mediante a inclusão de novo §5º ao art. 14 da Lei 12.016/2009, resolveria a celeuma, reduzindo a litigiosidade inerente ao problema que, verdadeiramente, não tem razão de ser no cenário processual-tributário atual.
<blockquote class="jota-article__citation">Art. 14.  (...) § 5º O pagamento de valores devidos pela Fazenda Pública, tanto de natureza tributária como não tributária, assegurados em sentença concessiva de mandado de segurança ao sujeito passivo poderá ser efetuado, a juízo do titular do direito creditório, mediante a expedição de precatório, nos termos do artigo 100 da Constituição Federal e da Lei 13.105 de 16 de março de 2015, relativamente a fatos ocorridos antes ou depois do ajuizamento da ação mandamental.</blockquote>
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Nesse sentido, são os seguintes precedentes: MS 26740 ED, Relator Ministro Ayres Britto, Segunda Turma, julgamento em 7.2.2012, DJe de 22.2.2012; MS 27565, Relator Ministro Gilmar Mendes, Segunda Turma, julgamento em 18.10.2011, DJe de 22.11.2011; MS 31690 AgR, Relator Ministro Celso de Mello, julgamento em 11.2.2014, DJe de 27.2.2014.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Nesse sentido, são os seguintes precedentes: AgRg no REsp 1.348.276 / RS, Primeira Turma, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 18.12.2012; AgRg no Ag 1.240.674/RS, Segunda Turma, Rel. Min. Castro Meira, DJe 2.6.2010; AgRg no REsp 1.181.970/SP, Segunda Turma, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 15.04.2010; REsp 1.181.834/RS, Segunda Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 17/08/2010, DJe 20/09/2010; AgRg no REsp. n. 1.210.652 - RS, Segunda Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 23.11.2010.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> Não há dúvidas quanto ao cabimento de precatório para recolhimentos indevidos feitos a partir da data de impetração do writ of mandamus. Isso porque, a Súmula 271 do STF somente consigna que o mandado de segurança não possui efeito patrimonial em relação ao período anterior (pretérito) à impetração do mandamus, o que não se aplica aos casos em que o recolhimento do tributo foi realizado após a impetração do Mandado de Segurança. A Lei nº 12.016, artigo 14, §4º, aplicável por analogia, prevê o direito do Impetrante de restituir os valores indevidamente recolhidos após o ajuizamento da ação, in verbis: § 4o  O pagamento de vencimentos e vantagens pecuniárias assegurados em sentença concessiva de mandado de segurança a servidor público da administração direta ou autárquica federal, estadual e municipal somente será efetuado relativamente às prestações que se vencerem a contar da data do ajuizamento da inicial. Inclusive, diversas são as decisões proferidas pelos tribunais pátrios e pelo próprio STF sobre a matéria, no sentido de reconhecerem a possibilidade de o contribuinte pleitear a restituição/compensação dos valores indevidamente recolhidos após a distribuição do mandamus. Nesse sentido, veja-se: TRF-3 - Agravo de Instrumento nº 23465/SP - 0023465-62.2013.4.03.0000 (TRF-3) – Publicado em 21/11/2013; REsp 1500648/MG, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA,julgado em 05/02/2015, DJe 11/02/2015; TRF-5 - Apelação Civel AC 237533/RN - 2000.05.00.056508-0 (TRF-5) Data de publicação: 17/09/2007; TRF-1 - Apelação em Mandado de Segurança AMS 20602/DF 1997.01.00.020602-2 (TRF-1)- Data de publicação: 20/11/1997; TRF-5 - Embargos de Declaração na Apelação Cível AC 326105 PE 0013286302002405830001 (TRF-5)- Data de publicação: 12/11/2009; TJ-MG - 100240813553560011 MG 1.0024.08.135535-6/001(1) (TJ-MG - Data de publicação: 26/02/2010.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> No mesmo sentido: REsp 1522973/MG, Rel. Ministra DIVA MALERBI, SEGUNDA TURMA, julgado em 04/02/2016, DJe 12/02/2016; REsp 1569400/RJ, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 23/02/2016, DJe 01/03/2016); REsp 1.212.708/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 11/4/2013, DJe 9/5/2013; AgRg no REsp 1466607/RS, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 05/03/2015, DJe 11/03/2015; REsp 1596218/SC, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 02/08/2016, DJe 10/08/2016); AgRg no REsp 1176713/GO, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, julgado em 01/10/2015, DJe 07/10/2015.

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JOTA

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