Regulação

Contribuições para a pauta regulatória do novo governo – parte 5

Último artigo da série que apresenta 5 passos fundamentais para o fortalecimento das agências reguladoras

agências reguladoras
Crédito: Rafael Neddermeyer/Fotos Públicas

Este artigo integra a série “Contribuições para a pauta regulatória do novo governo”, que lista passos considerados fundamentais para o fortalecimento da atuação das agências reguladoras no governo Lula. A intenção é contribuir para a criação de uma agenda que resgate, no contexto contemporâneo, os pressupostos que fundamentaram a implementação do modelo das agências reguladoras no país, essenciais para a qualidade e eficiência de sua atuação.

No primeiro artigo, apresentamos uma breve introdução que procurou contextualizar a importância de uma atuação independente das agências, bem como os fatos que têm prejudicado o adequado cumprimento de suas funções. Também listamos o fortalecimento do corpo diretivo das agências reguladoras como primeiro aspecto a ser considerado para o seu fortalecimento institucional. Seguindo os passos considerados para o aprimoramento da atuação dos órgãos reguladores, destacamos, no segundo artigo, a relevância do constante aprimoramento do seu processo decisório.

O terceiro artigo, por sua vez, abordou a limitação da atuação dos órgãos de controle sobre o espaço decisório das agências reguladoras. Já o quarto artigo tratou da importância da qualificação do planejamento das políticas regulatórias e do diálogo institucional entre os Poderes Executivo e Legislativo e as agências reguladoras.

Neste quinto e último artigo da série, indicamos a autonomia orçamentária como aspecto a ser igualmente tutelado pelo novo governo, a fim de se assegurar uma adequada atuação das agências reguladoras.

Passo 5: Zelo pela autonomia orçamentária das agências reguladoras

Juntamente às demais ações listadas, é fundamental que os recursos necessários ao bom desempenho das funções atribuídas às agências sejam assegurados.

O tema foi priorizado pela Lei das Agências, que previu a autonomia administrativa e financeira como aspectos fundamentais para a garantia de uma atuação independente dos órgãos reguladores, juntamente com sua autonomia funcional. Mais especificamente, por meio do art. 3º, § 1º, as agências reguladoras passaram a constituir órgãos setoriais específicos, e não mais unidade orçamentária vinculada ao seu órgão supervisor. A mudança atendeu às críticas doutrinárias quanto à dotação orçamentária das agências estar situada dentro do orçamento dos respectivos ministérios, sem identificação, o que as sujeitava às diretrizes e cortes orçamentários feitos pelo ministério ao qual se vinculam.

Sob o novo formato, as agências passam a ter interlocução direta com o Ministério da Economia (ou outro ministério que venha sucedê-lo) para negociar os recursos necessários, o que tende também a ser positivo sob a perspectiva de autonomia gerencial das agências. No entanto, é preciso ir além para, de fato, garantir esse propósito.

Em teoria, as agências deveriam ser autossustentáveis e captar as receitas necessárias ao seu bom funcionamento por meio de recursos próprios, como a cobrança de taxas de fiscalização, multas e outorgas. Ou seja, os recursos obtidos junto ao próprio setor regulado deveriam ser suficientes para viabilizar o funcionamento adequado das agências reguladoras, inclusive para que tenham condições para implementar todos os pontos de melhoria institucional – como os que indicamos anteriormente. Da mesma forma, uma vez aprovado um orçamento, a destinação de recursos deveria ser plenamente assegurada. Infelizmente, não é isso que se observa na prática.

No caso da Aneel, estudo da FGV apurou, por exemplo, que o contingenciamento sofrido pela agência em R$ 66 milhões levou à suspensão do serviço da Central de Teleatendimento em 2016 por falta de verbas, causando prejuízos às atividades essenciais do órgão, fato igualmente repercutido pela imprensa. Até mesmo chegou a ser anunciada a possível interrupção da transmissão online das reuniões públicas da diretoria, comprometendo a transparência na realização e divulgação de seus atos.

Também a Anatel, na elaboração da proposta orçamentária para 2015, chegou a alertar o Ministério das Comunicações sobre a necessidade de expansão da sua dotação, tendo em vista o risco de paralisação de atividades consideradas essenciais como o atendimento do call center e a realização de fiscalizações.

São situações que ilustram um problema sério que corrói o sistema regulador brasileiro. Os recursos arrecadados pelas agências reguladoras são, na prática, destinados à conta única do Tesouro Nacional[2] e precisam ser realocados para retornar às respectivas agências. Disso pode resultar uma efetiva alocação de recursos às agências muito menor que os valores efetivamente arrecadados[3], inclusive a ponto de prejudicar o seu regular funcionamento, como já ilustrado.

Idealmente, as regras orçamentárias deveriam considerar a natureza especial das agências reguladoras[4], de modo a não comprometer suas atividades e, com isso, colocar em risco a disciplina de setores essenciais para o país. De todo modo, é fundamental que o Executivo elabore a proposta de lei orçamentária anual com a consideração do planejamento apresentado pelas Agências e dos recursos por elas entendidos como necessários para arcar com suas despesas, sob pena de gerar a paralisação de atividades essenciais[5].

A fixação de uma dotação diferente daquela projetada pelas agências deveria vir acompanhada da demonstração de que é suficiente para fazer frente às despesas de custeio e de investimento da respectiva agência, como orienta o TCU no Acórdão 749/2017-Plenário. Tal medida resguarda a competência do Ministério da Economia (ou outro ministério que venha sucedê-lo) para coordenar a elaboração do orçamento da União, mas pressupõe a devida motivação técnica de suas decisões, em deferência às prerrogativas e à autonomia legalmente assegurada às agências reguladoras.

Atualmente há uma distorção: as taxas cobradas pelas agências oneram o setor, mas não geram, em contrapartida, uma atividade de regulação e fiscalização compatível com o volume de recursos arrecadados. Em outras palavras, o setor paga, mas não recebe, e a agência cobra, mas não tem autonomia para gerir os valores recolhidos.

Assim, é importante que a autonomia financeira das agências reguladoras seja preservada, na prática, pelo Executivo, sendo desejável, para tanto, uma maior deferência às propostas orçamentárias que lhe são submetidas, bem como a manutenção desses recursos nos decretos de contingenciamento, de modo a assegurar a efetiva destinação dos recursos financeiros previstos pelas suas respectivas leis de criação para o exercício de suas funções.


[1] Agradecemos a valiosa contribuição da Camila Cavalcanti Garcia como assistente de pesquisa de base para a elaboração deste artigo.

[2] Lei nº 10.707/2003, art. 98.

[3] Essa realidade é retratada em JORDÃO, Eduardo e RIBEIRO, Maurício Portugal. Como desestruturar uma agência reguladora em 3 passos simples. Revista de Estudos Institucionais, v. 3, p. 180-209, 2017.

[4] O tema foi também tratado pelo TCU no Acórdão 2.261/2011-TCU-Plenário.

[5] Ainda no exemplo da Anatel, reportou o TCU: “[a] título de exemplo, dentre as atividades que corriam risco de paralisação estavam o atendimento do ‘call center’ e a realização de fiscalizações, atividades de extrema relevância para melhoria dos serviços do setor. Ainda segundo o documento, a falta de expansão do orçamento da agência poderia provocar a paralisação da central de atendimento no segundo semestre de 2015 e prejuízos nas ações de fiscalização, notadamente por conta da impossibilidade de locomoção dos fiscais e falta de calibração de instrumentos de fiscalização” (TCU, Acórdão nº 749/2017).

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