
Este artigo integra a série “Contribuições para a pauta regulatória do novo governo” que lista passos considerados fundamentais para o fortalecimento da atuação das agências reguladoras no governo Lula. A intenção é contribuir para a criação de uma agenda que resgate, no contexto contemporâneo, os pressupostos que fundamentaram a implementação do modelo das agências reguladoras no Brasil, essenciais para a qualidade e eficiência de sua atuação.
No primeiro artigo, apresentamos uma breve introdução que procurou contextualizar a importância de uma atuação independente das agências, bem como os fatos que têm prejudicado o adequado cumprimento de suas funções. Também listamos o fortalecimento do corpo diretivo das agências reguladoras como primeiro aspecto a ser considerado para o seu fortalecimento institucional. Seguindo os passos considerados para o aprimoramento da atuação dos órgãos reguladores, destacamos, no segundo artigo, a relevância do constante aprimoramento do seu processo decisório. O terceiro artigo, por sua vez, abordou a limitação da atuação dos órgãos de controle sobre o espaço decisório das agências reguladoras.
Nesta oportunidade, apresentamos o quarto passo fundamental a ser considerado, envolvendo uma maior qualificação do planejamento das políticas regulatórias e do diálogo institucional entre os Poderes Executivo e Legislativo, de um lado, e as agências reguladoras, de outro.
Passo 4: Maior qualidade no planejamento, na elaboração das políticas públicas e no diálogo entre Executivo, Legislativo e agências
Ainda que as agências reguladoras federais tenham sido concebidas para atuar de forma independente na formulação de políticas regulatórias, em consonância com as competências legais que lhe foram atribuídas pelo Legislativo e com as políticas públicas setoriais estabelecidas pelo Executivo, é comum situações de conflito entre os limites de atuação de cada uma das esferas.
Desde a criação das agências, colecionamos exemplos de tensão entre a atuação do Executivo e órgãos reguladores, associados a uma pretensão legítima do Executivo de guiar a atuação das agências em conformidade com as políticas públicas propostas. Temos visto também a edição de atos normativos pelo Legislativo que, muitas vezes, adentram as competências reservadas pelo próprio Congresso Nacional aos órgãos reguladores e acarretam modificações abruptas, nem sempre adequadamente ponderadas, nos rumos das políticas regulatórias[1]. Um terceiro fenômeno igualmente observado é o maior destaque da atuação das agências diante de uma omissão do Executivo no exercício de suas prerrogativas.
Estes fatos demonstram que o exercício das competências das agências reguladoras é dinâmico e influenciado por circunstâncias políticas inerentes a um sistema democrático. Frente a essa constatação, é preciso buscar meios para um melhor diálogo institucional e cooperação entre agências, Executivo e Legislativo, com o fim de obter: (i) o maior aproveitamento da expertise técnica e amplo conhecimento setorial das agências reguladoras na formulação de políticas públicas e orientação da atuação do Legislativo; e (ii) um maior alinhamento entre a atuação regulatória e as políticas públicas a serem priorizadas pelo Executivo.
São exemplos de ações alinhadas com tais objetivos que poderiam ser fortalecidas pelo futuro governo:
- O aprimoramento das políticas públicas e das ações voltadas ao planejamento setorial por parte do Executivo, com uma definição mais clara dos objetivos e metas a serem considerados pelas políticas regulatórias, muitas vezes inexistentes ou pouco claros em determinados setores;
- Uma maior abertura do Poder Executivo à colaboração das agências na elaboração de políticas públicas, com o aproveitamento de sua expertise técnica e amplo conhecimento dos setores em que atua. Para tanto, são salutares medidas voltadas à integração de membros das agências em grupos de trabalho constituídos para a formulação de políticas públicas, a integração de seus dirigentes em conselhos responsáveis pela formulação de tais políticas ou, ao menos, a possibilidade de sua participação nas deliberações em caráter opinativo;
- Um maior esforço das agências reguladoras na sistematização e divulgação dos dados nos setores em que atuam, para um maior conhecimento a respeito não apenas pela sociedade, mas também pelo Legislativo e Executivo;
- Uma atuação mais ativa do Executivo no curso dos processos normativos conduzidos pelas agências reguladoras, especialmente durante as etapas de consulta pública voltadas à discussão dos instrumentos de planejamento da atuação regulatória (e.g., Plano Estratégico, Plano de Gestão Anual e Agenda Regulatória), buscando uma maior convergência dos temas com as políticas públicas a serem priorizadas pelo Executivo, de forma aberta e transparente; e
- Um maior envolvimento das agências reguladoras nos debates conduzidos pelo Legislativo, com interface sobre os setores de sua atuação, sendo também salutar, neste sentido, a oitiva e envolvimento dos reguladores nas discussões conduzidas pelos parlamentares. Ademais, o envio do relatório anual pelas agências reguladoras de suas atividades ao Senado Federal e à Câmara dos Deputados exigido pelo artigo 15 da Lei das Agências, com a sua respectiva discussão em comissões específicas, pode também contribuir para esse diálogo com o Legislativo, na medida em que, nesta oportunidade, as principais questões setoriais podem ser apresentadas aos parlamentares. O relatório também pode ser uma oportunidade para identificar questões que demandem atuação do Poder Legislativo, o que poderia conferir maior celeridade para a solução de problemas setoriais.
A existência de procedimentos bem delimitados e transparentes na esfera regulatória é bastante salutar para o fortalecimento deste diálogo, possibilitando maior visibilidade dos espaços e momentos propícios a essa interação. Como apontado em artigo anterior, também é conveniente uma postura ativa das agências reguladoras neste sentido, buscando envolver os órgãos com competências afetas aos temas regulados no bojo dos processos normativos, visando um alinhamento prévio dos temas e uma maior cooperação institucional, evitando situações de conflito ou de sobreposição de competências[2].
[1] Vide, nesse sentido: SALINAS, Natasha Schmitt Caccia; GUERRA, Sérgio. O Congresso Nacional e a Frágil Autonomia das Agências Reguladoras. Conjuntura Econômica (Rio de Janeiro), v. 74, p. 26-28, 2020.
[2] Diretriz nesse sentido passou a ser, inclusive, prevista pela Lei das Agências, nos termos do seu art. 19, parágrafo único, III, que estabelece a inclusão, entre as metas de desempenho administrativo e operacional a serem disciplinadas pelo “plano de gestão anual”, as ações relacionadas à “promoção da cooperação com os órgãos de defesa da concorrência e com os órgãos de defesa do consumidor e de defesa do meio ambiente, quando couber”.