Igor Pereira Oliveira

Manoel Moreira de Souza Neto

Uma avaliação do <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/tcu">Tribunal de Contas da União</a> (TCU, Acórdão 2579/2021-Plenário) indica que o governo federal tem buscado institucionalizar boas práticas na definição de estratégias e políticas associadas à infraestrutura, como, por exemplo, a instituição de uma Estratégia Federal de Desenvolvimento, de um Plano Integrado de Longo Prazo de Infraestrutura e Guias de Avaliação Socioeconômica de Custo-Benefício de Projetos de Infraestrutura.
Nesse prisma, o processo de adesão do Brasil à Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/ocde">OCDE</a>) pode ser um enforcement importante para a institucionalização das melhores práticas internacionais. O Comitê de Governança Pública da OCDE observará a capacidade das instituições públicas brasileiras de promover a mudança sistêmica como forma de responder aos desafios econômicos, sociais e ambientais através de políticas inovadoras e baseadas em evidências.
No plano supralegal, a Emenda Constitucional 109/2021 se constitui em relevante marco, na medida em que os órgãos e as entidades da administração pública passaram a ser constitucionalmente responsáveis pela avaliação das políticas públicas. Além disso, leis de iniciativa dos Poderes Executivos (plano plurianual, diretrizes orçamentárias e orçamentos anuais) devem observar, no que couber, os resultados da mencionada avaliação.
No âmbito da União, o Conselho de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas (CMAP) é uma instância do Centro de Governo<a href="#_edn1" name="_ednref1">[1]</a>, com caráter consultivo e interministerial, instituído pelo Decreto nº 9.834/2019, mas funcionando desde 2016 como um comitê, conforme Portaria Interministerial nº 102/2016. Trata-se de ator fundamental para o processo sistemático, integrado e institucionalizado de análise das políticas públicas, com objetivo de aprimorar os programas e a qualidade do gasto público, por força dos arts. 14 e 16 da Lei 13.971/2019, que instituiu o Plano Plurianual da União 2020-2023.
Desde a sua criação, o CMAP realizou pelo menos quatro grandes avaliações voltadas às políticas públicas de infraestrutura: Conta de Desenvolvimento Energético (CDE); Programa Minha Casa Minha Vida; Conservação e Recuperação de Ativos de Infraestrutura da União – Manutenção de Rodovias; e Projeto de Integração do Rio São Francisco (PISF)<a href="#_edn2" name="_ednref2">[2]</a>.
Contudo, ainda faltam ações mais concretas para induzir a melhoria das políticas avaliadas, ficando a cargo dos chamados órgãos setoriais (ministérios finalísticos) a discricionariedade de acatar ou não as recomendações daquele Conselho, cujo protagonismo não inclui todos os requisitos da abordagem holística de Centro de Governo, como, por exemplo, a capacidade de fazer ajustes na política pública, possivelmente devido a seu papel consultivo.
Somente a título de exemplo, cita-se o caso da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), fundo setorial bilionário que financia diversas políticas públicas do setor energético a partir de subsídios públicos e privados. O TCU, mesmo antes de qualquer sinalização efetiva do Brasil de fazer parte da OCDE, tem reiterado uma série de ineficiências de políticas suportadas pelo mencionado fundo, mas pouco se avançou até o momento, demostrando a falta de ações mais coordenadas e efetivas para fazer frente aos problemas identificados. Vale citar trecho do voto do Acórdão TCU 1376/2022-Plenário:
<blockquote class="jota-article__citation">"O efetivo alcance da modicidade envolve, portanto, um exercício de coerência, abrangendo as demais variáveis formadoras do preço da energia, além de 'acordos' entre diversos ministérios e também diretrizes de centro de governo. Por isso, aliás, o Conselho Nacional de Política Energética é composto por dez ministros de Estado e o Presidente da Empresa de Pesquisa Energética, incluindo, entre outros, os ministérios de Minas e Energia, da Economia, da Infraestrutura, do Meio Ambiente, do Desenvolvimento Nacional e o Ministro Chefe da Casa Civil".</blockquote>
A política do Projeto de Integração do Rio São Francisco (PISF) é outro exemplo, examinada de forma abrangente em recente julgado (Acórdão TCU 1462/2022-Plenário), no qual fica evidenciada a fragilidade como um todo da política de integração hídrica e a falta de ações efetivas para realinhá-la.
Esse ponto, registre-se, deve atrair a atenção dos entes da federação, com vistas a observar que não basta criar um Conselho ou Comitê nos moldes do CMAP para garantir a existência de um Centro de Governo efetivo. Além disso, a OCDE fez valiosas e recentes ponderações sobre a situação do Brasil<a href="#_edn3" name="_ednref3">[3]</a>:
<blockquote class="jota-article__citation">“(...) the existing system to track the results of public policies and programmes is primarily used as a reporting system linked to the PPA but is not systematically and effectively fed back into the decision-making process at the CoG. Furthermore, the complexity of the planning and prioritisation system has led to overlapping monitoring units. Beyond the PPA, the data and information being tracked are also subject to weaker assurance mechanisms and barriers to their interoperability. Although monitoring reports are created and published, the publication format does not support its use by policy makers. Developing and harmonising monitoring tools and working routines within Casa Civil, aimed at the implementation of cross-cutting government priorities, will be pivotal to addressing these issues. The creation of the Public Policy Monitoring and Evaluation Council (CMAP) represents a step forward in the creation of an evaluation system. However, there is no clarity on when and how CoG bodies can systematically use the evaluation information generated by CMAP.  (...)” (grifos acrescidos)</blockquote>
Ao observar o PPA 2020-2023, percebe-se que o governo federal ainda apresenta dificuldades para pleno atendimento ao §1º do art. 165 da Constituição Federal, pois há uma baixa regionalização das metas. Segundo o Ministério da Economia, existem dificuldades nos órgãos responsáveis por programas finalísticos do PPA para a referida regionalização<a href="#_edn4" name="_ednref4">[4]</a>.
Ademais, consignou o TCU ao Congresso Nacional a manutenção de pendências no PPA 2020-2023 registradas em 2019, como a “inexistência de uma estratégia nacional de longo prazo, contemplando um sistema de indicadores-chave nacionais”, fundamental para dar o “tom de topo” em relação às prioridades nacionais em infraestrutura.
Outro diagnóstico realizado em 2021 indicava que o Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR) não realizava a avaliação de estudos de viabilidade técnica, econômica e ambiental de empreendimentos de transporte público de média e alta capacidade financiados pela pasta, tampouco possuía normativos e manuais que regulassem as rotinas e procedimentos voltados para a apresentação desses estudos por estados e municípios (Acórdão TCU 408/2021-Plenário). Embora tal falha tenha origem e deva ser tratada no âmbito do ministério finalístico, o Centro de Governo poderia ter um papel ativo no sentido de fomentar/viabilizar a confecção pelo MDR dos estudos básicos para o desenho de políticas, planos e ações eficientes.
Ademais, o Acórdão TCU 871/2022 evidenciou a autorização para construção de 2.000 novas escolas, creches e quadras, mesmo com 3.500 obras inacabadas no setor de educação. Não é à toa que esse tema foi incluído na Lista de Alto Risco da administração pública federal<a href="#_edn5" name="_ednref5">[5]</a>:
<blockquote class="jota-article__citation">O problema afeta diversas políticas públicas, com graves consequências econômicas e sociais, impactando negativamente a prestação de serviços de educação, saúde e segurança pública. O volume total de recursos atrelados a obras paralisadas supera centenas de bilhões de reais e afeta milhões de pessoas em todas as unidades da Federação. Também compromete a qualidade de vida da população como um todo e o desempenho da economia, na medida em que afeta a disponibilidade de infraestrutura e gera graves ineficiências na alocação dos escassos recursos públicos, comprometidos com empreendimentos que deixam de gerar os benefícios finais para os quais foram concebidos. (grifos acrescidos)</blockquote>
Diante disso e considerando que a OCDE incluiu em seu recente escopo de avaliação o desafio do Brasil em investir em infraestruturas de qualidade de uma forma transparente, responsável e inclusiva, caberá à Corte de Contas federal continuar contribuindo para que ações tempestivas e sistemáticas venham a enfrentar os desafios da construção de políticas de infraestrutura racionalizadas, eficientes e alinhadas às necessidades do desenvolvimento nacional, tendo como enforcement adicional o processo de adesão do Brasil àquela organização internacional.
*
Eventuais opiniões são pessoais e não expressam posicionamento institucional do TCU.
<hr />
<a href="#_ednref1" name="_edn1">[1]</a>  Centro de Governo ou Órgãos Centrais de Governo são denominações dadas à composição de atores estatais com grande potencial de interferência no ciclo de políticas públicas que, no Brasil, incluem instâncias da Presidência da República, Ministério da Fazenda e Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Conceito disponível em <a href="https://portal.tcu.gov.br/referencial-para-avaliacao-da-governanca-do-centro-de-governo.htm">https://portal.tcu.gov.br/referencial-para-avaliacao-da-governanca-do-centro-de-governo.htm</a>
<a href="#_ednref2" name="_edn2">[2]</a> Avaliações disponíveis em <a href="https://www.gov.br/economia/pt-br/acesso-a-informacao/participacao-social/conselhos-e-orgaos-colegiados/cmap/politicas/politicas-1">https://www.gov.br/economia/pt-br/acesso-a-informacao/participacao-social/conselhos-e-orgaos-colegiados/cmap/politicas/politicas-1</a>.
<a href="#_ednref3" name="_edn3">[3]</a> OCDE. Centre of Government Review of Brazil. Junho de 2022. Disponível em <a href="https://www.oecd.org/publications/centre-of-government-review-of-brazil-33d996b2-en.htm">https://www.oecd.org/publications/centre-of-government-review-of-brazil-33d996b2-en.htm</a>
<a href="#_ednref4" name="_edn4">[4]</a> Maiores detalhes nos trabalhos que resultaram nos Acórdãos TCU 2.515/2019 e 3.090/2020, ambos do Plenário.
<a href="#_ednref5" name="_edn5">[5]</a> Versão de junho de 2022, disponível em <a href="https://portal.tcu.gov.br/lista-de-alto-risco-na-administracao-publica-federal.htm">https://portal.tcu.gov.br/lista-de-alto-risco-na-administracao-publica-federal.htm</a>.

chris-briggs-ZjmKvH9pBrM-unsplash

https://images.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/copy-of-jota-logo-high-cmyk.jpeg

JOTA

O processo de adesão à OCDE como vetor de desenvolvimento de infraestruturas eficientes e sustentáveis

Contribuições do controle externo para a melhoria das políticas públicas

O processo de adesão à OCDE como vetor de desenvolvimento de infraestruturas eficientes e sustentáveis