Mariana Saragoça

Julia Barker

O setor aguardou com muita ansiedade a publicação, pela Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/ana">ANA</a>), do balanço final referente à comprovação de capacidade econômico-financeira dos prestadores de serviços. Com a divulgação dos dados no final do mês de abril, constatou-se que cerca de 50% dos municípios possuem operadores que conseguiram comprovar a capacidade econômico-financeira com vistas à universalização dos serviços até o ano de 2033.
Nessa linha, as CESBs e demais operadores aprovados deverão seguir com os esperados termos aditivos com a inclusão das novas metas para a manutenção dos serviços. Por outro lado, fato é que muitas companhias não conseguiram (ou sequer apresentaram tempestivamente a documentação pertinente) comprovar a capacidade econômico-financeira, ficando sujeitas, portanto, à declaração de irregularidade de seus contratos vigentes e obrigação, por parte dos entes titulares, de licitar os serviços. Dentro deste universo, houve companhias que já descumpriram, de largada, o prazo de 31 de dezembro de 2021, tais como os prestadores dos estados do Amazonas, Pará, Piauí, Acre, Tocantins, bem como outras que receberam análise negativa das agências reguladoras aplicáveis<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>.
Um dos principais questionamentos levantados após a divulgação das informações está relacionado à forma como ocorrerá a condução dos <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/unidades-regionais-de-saneamento-meio-compulsorio-ou-voluntario-de-prestacao-20042022">processos de relicitação</a> pelos respectivos poderes concedentes, órgãos de controle e agências reguladoras locais, mantendo-se a prestação ininterrupta dos serviços. Ainda não é possível prever se assistiremos morosos processos judiciais e/ou fórmulas não tradicionais para que os prestadores “reprovados” mantenham seus contratos.
Não obstante isso, outra novidade de grande importância para o setor foi a publicação, também no mês de abril, do <a href="http://www.planalto.gov.br/CCivil_03/////_Ato2019-2022/2022/Decreto/D11030.htm">Decreto 11.030/2022</a>, que teve como objetivo assegurar o acesso aos recursos federais pelos atores do setor, prorrogar prazos exíguos trazidos pelo novo Marco Legal do Saneamento e estabelecer regramento para os contratos considerados irregulares.
A verdade é que, em regra, as novas alterações tiveram o condão de garantir um regime de transição com maior estabilidade, observando também as peculiaridades de casos não capturados originalmente pela Lei <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/lei/l14026.htm">14.026/2020</a>, do novo Marco Regulatório do Saneamento Básico.
À título de reminiscência, ao lançar mão de estímulos e condicionantes para que os entes titulares e operadoras tivessem acesso aos recursos públicos e financiamentos, o novo marco acabou por não prever taxativamente prazos factíveis para o cumprimento das medidas. Por tal motivo, nos primeiros meses de vigência, o setor assistiu a muitos questionamentos e um temporário blecaute na obtenção de recursos federais, situação contornada com a publicação do Decreto nº 10.588/2020, que dentre outras medidas, prorrogou os prazos referentes às exigências atribuídas aos atores do setor.
Mesmo após a publicação do <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/decreto/D10588.htm">Decreto 10.588/2020</a>, o cronograma continuou gerando dúvidas jurídicas e apreensão. Nessa toada, a publicação do novo decreto parece ter vindo em boa hora, em especial ao ampliar por mais um ano o prazo para conclusão dos processos de regionalização.
Em linhas gerais, continuam elegíveis ao acesso a recursos públicos federais os entes titulares que não iniciaram ou concluíram os processos de regionalização (desde que estejam tramitando nas assembleias legislativas ou que a adesão dos municípios ainda não tenha sido concretizada), não estando incluídos municípios que deliberaram pela não adesão às estruturas de regionalização, bem como aqueles que tenham publicado edital de licitação municipal após a publicação da Lei 14.026/2020. Como exemplo, foi conferido mais tempo a Minas Gerais, São Paulo e Mato Grosso, que seguem debatendo suas estruturas.
No que tange ao regime de transição para os contratos de prestação classificados como irregulares (operadores que não conseguiram comprovar a capacidade econômico-financeira), o Decreto 11.030/2022 conferiu a manutenção do acesso aos recursos públicos federais e financiamentos, desde que assumidos os seguintes compromissos/condicionantes temporais: 1) até 30.11.2022 deverão aderir a mecanismo de prestação regionalização e comprovar a contratação de modelagem para a concessão dos serviços; 2) até 31.03.2024 deverão publicar edital de licitação para a concessão dos serviços, em substituição aos contratos irregulares; e 3) até 31.03.2025 deverão substituir integralmente os contratos de programa por contratos de concessão.
A nova redação prevê que o descumprimento dos compromissos resultará no dever de ressarcimento, pelo ente titular dos serviços, dos recursos públicos federais, mediante restituição dos valores ou liquidação antecipada, conforme aplicável. Neste ponto, futuramente, poderão residir dúvidas jurídicas quanto aos riscos e formas de eventual ressarcimento.
Há quem defenda que o Decreto 11.030/2022 não só extrapolou a matéria de competência, como se utilizou de atalhos discricionários para tratar e regular situações de fato dos diferentes operadores. Isto é, prazos foram mantidos em determinadas situações e dilatados em outras, podendo estar eivado de inconstitucionalidades.
Desde a publicação no novo marco, a instituição dos chamados blocos de referência ainda era objeto de muitos questionamentos e, com o novo Decreto estabeleceu-se que, enquanto a União não editar ato instituindo blocos de referência para as localidades em que não foram criadas as unidades regionais de forma tempestiva, os convênios de cooperação ou consórcios públicos serão reconhecidos como blocos de referência, desde que cumpridas uma série de condicionantes, cabendo aos órgãos da administração pública federal responsáveis pela alocação de recursos/financiamentos aferir o cumprimento das exigências<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>.
Um ponto digno de preocupação é o limite previsto para unificação das datas de vigência dos contratos de programa, na hipótese de prestação regionalizada. O novo texto passou a prever um limite temporal de três anos para a unificação, não necessariamente relacionado com estudos técnicos e de viabilidade envolvendo os municípios e os possíveis blocos de regionalização. Assim, não é possível afastar o risco de que municípios que seriam economicamente viáveis para uma futura licitação não possam compor o mesmo bloco.
Outra ponderação relevante está relacionada à atribuição genérica conferida ao pelo novo decreto ao dispor que “compete ao titular a imediata adoção de providências para transição para uma forma de operação regular, nos casos em que o contrato não puder ser regularizado”, citando medidas como as etapas preparatórias para a extinção antecipada dos contratos irregulares (e.g. cálculo de indenizações e elaboração de estudos para a modelagem de novos projetos). Para tanto, o Decreto elenca as seguintes hipóteses: 1) contratos de programa que não tenham sido objeto de requerimento de comprovação de capacidade econômico-financeira; 2) contratos de programa cujo prestador não tenha obtido decisão favorável no processos; 3) contratos de programa cujo prestador tenha obtido decisão favorável, mas cuja decisão tenha perdido seus efeitos; 4) contratos que programa que não tenham internalizado, tempestivamente, as metas de expansão e atendimento; 5) contratos de programa prorrogados em desconformidade com as disposições legais, bem como outras hipóteses.
Sabe-se que a segurança jurídica é o principal pilar para continuar a alavancar o setor de saneamento, sendo consenso que os prazos de implementação irão ditar a qualidade e a cadência da implementação das medidas previstas no novo Marco nos municípios brasileiros. De outro ângulo, alterações excessivas abrem margem para uma concepção de incerteza e possíveis reinterpretações jurídicas – em detrimento da expectativa de maior transparência e participação social.
Ainda que a determinação de irregularidade dos contratos de programa não implique a interrupção automática dos serviços, podendos os entes titulares manterem a prestação por meio do atual operador pelo período necessário para a efetiva transferência, é necessário utilizarmos com cautela o chamado regime de transição e os novos prazos, garantindo o avanço do setor em linha com o que preconizou originalmente o novo Marco.
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> De acordo com as informações públicas divulgadas pela ANA: 1) cinco prestadores privados submeteram documentação às entidades reguladoras, as quais não encaminharam o resultado da avaliação à ANA; 2) três prestadores tiveram avaliação não favorável – Águas de Serra do Ramalho; CAERD no município de Ji-Paraná e COPANOR em 83 municípios de Minas Gerais.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Deverão ser observadas de maneira concomitante as seguintes exigências: 1) o Estado não ter aprovado nenhuma lei complementar/ordinária para a instituição de regionalização; 2) tenha havido a assinatura de convênio de cooperação ou aprovação de consórcio público pelos municípios; 3) tenha havido a contratação de estudo de modelagem para a concessão regionalizada do arranjo intermunicipal.

EsgotoCeuAbertoValterCampanatoAgenciaBrasil

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JOTA

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Comprovação de capacidade econômico-financeira: quais os próximos capítulos?

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