Pandemia

Contratos: consequências do novo coronavírus

Está em curso construção de nova realidade que se impõe progressivamente sobre os efeitos de direito expectados

contratação de servidores temporários
Crédito: Pixabay

Não é de hoje que o debate sobre a qualidade impositiva dos ajustes contratuais em face de fatos ou situações supervenientes graves e imprevisíveis, que alteram a realidade social, ocupa os estudiosos do direito, adensa os tribunais e incomoda o conjunto da sociedade.

Isso tanto mais se verifica pela quantidade de sujeitos de direito colhidos pela situação nova que afete os ajustes negociais de uma mesma categoria concertados, ou se dissemina, qual a extensão da novel realidade, afetando distintas e diversas relações jurídicas contratuais. É dessa última situação que tratamos, dada a magnitude da pandemia que nos colheu.

Por certo, apesar de todos os esforços já milenarmente desenvolvidos nos estudos e aplicações do direito, sempre haverá quem se atreva a brandir a assertiva que, não obstante empalidecida no último século, foi festejada nos tempos recentes, pacta sunt servanda.

O acordo de vontades, não obstante aparentar para o direito “parnasiano” um elemento de segurança, com efeito, não logra se antepor à realidade da vida social, já tendo sido afastado pelas situações acolhidas processualmente desde Roma antiga sob a cláusula rebus sic stantibus, pela teoria da imprevisão, entre outras, sempre que o formalismo pretendeu superar o Direito enquanto fenômeno social, para impor sacrifícios injustificáveis a uma das partes.

É ilustrativo relembrar as crises gravíssimas experimentadas pela sociedade ocidental ao longo do século XIX e início do século passado que provocaram uma radical e profunda mudança na ordem jurídico-social de então, cujo principal fruto foi nova e necessária disciplina dos contratos de trabalho caracterizados por modalidades laborais e categorias de empregados.

A magnitude já percebida da pandemia que nos assola, sem dúvida, agravada pelo desconserto que ao país vem sendo imposto, digamos, há tempos, permite antever a sombria realidade sendo construída a cada dia, que colherá especificamente o plano da execução dos contratos preexistentes, de todos os matizes, categorias e espécies.

Está em curso a construção de uma nova realidade que se impõe progressivamente sobre os efeitos de direito expectados, em razão de fatores e elementos disponíveis ou acessíveis sob contornos de uma realidade em vias de ser suprimida pela nova que, não há dúvida, se imporá.

Nessa medida, em meio ao turbilhão de ideias que se pode antever, de posições diversionistas, alienadas, anárquicas ou simplesmente néscias, é prudente e imperioso, desde logo, deitar atenção aos novos dias e arregaçar as mangas, solidamente fincados nos alicerces da teoria geral do Direito e alçados aos ombros dos pensadores e doutrinadores clássicos que, com anterioridade, já perquiriram a respeito da efetividade de contratos colhidos por mudanças graves, amplas e fundamentais na sociedade, modificadoras das situações jurídicas das partes e do ambiente social em que se situavam.

Por aí, sob marcos para tratamento do tema já lançados, por exemplo, por Larenz, Oertmann e Windscheid e que reclamam ser revisitados com atenção e seriedade, para as hipóteses de discussão dos contratos desde seu objeto até os elementos necessários para sua execução, com possibilidade ou não da exoneração de dever contratual!

Isso ganha particular importância em relação às cláusulas financeiras concebidas sob uma realidade que, até recentemente, com preponderante “financeirismo”, granjeou terreno em detrimento dos interesses nacionais, sociais e coletivos, que, não raro, afastou a indispensável presença do Estado a tutelar o espaço social, que, disseram, seria ocupada pela milagrosa “mão invisível”…

A tarefa já se apresenta nos debates atinentes a encargos, atualizações monetária e cambial ultrapassando a perspectiva estrita dos negócios privados, alcançando as relações do Estado a partir da finança pública, passando pelas relações contratuais de concessões até as distintas modalidades de endividamento público.

Aos estudiosos do Direito, o desafio está aí!