Marcus Vinicius Dias

A Lei 10.520 de 2002, muito bem definiu objetos comuns como sendo “aqueles cujos padrões desempenho e qualidade possam ser objetivamente definidos pelo edital, por meio de especificações usuais no mercado”. Para a aquisição de bens e serviços comuns, poderá ser adotada a licitação na modalidade de pregão, nos termos do artigo 1 da referida Lei.
A modalidade de Concorrência destina-se a promover a contratação de compras, locações, serviços e obras. No que tange às compras e serviços, é cabível esta modalidade quando não se caracteriza um objeto comum.
<a href="https://www.jota.info/produtos/saude?utm_source=Banner%20site&amp;utm_medium=Artigos&amp;utm_campaign=CTA_Saude_materias"><img class="aligncenter wp-image-292716 size-full" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/cta-jota-pro-saude.png" width="688" height="688" /></a>A nova Lei 14.133 de 2021 segue, neste sentido, em entendimento similar à anterior, reservando a utilização do pregão apenas para objetos “comuns”. Dentro de uma perspectiva concreta e clara, o objeto comum é aquele disponível no mercado, que não apresenta diferenças qualitativas. De modo mais assertivo, o objeto comum destina-se a atender às necessidades comuns e ordinárias da Administração, de modo que oscilações pequenas na qualidade se tornam irrelevantes.
Acerca do tema o TCU, em voto do ministro Valmir Campelo, ressalta que “a questão da opção pelo pregão ou por outro tipo de certame, portanto, é muito mais técnica do que jurídica. Por isso, exige informações ou orientações que não estão no texto frio das normas, mas nos resultados práticos que foram ou que potencialmente podem ser obtidos com a utilização de uma ou outra modalidade licitatória”.
Aspecto muito considerado no sistema de saúde suplementar, a assimetria de informação tem sido ignorada na avaliação do cabimento da modalidade pregão por parte da Administração. Não podendo ter conhecimento de todos os aspectos relacionados à qualidade da prestação por parte do contratado, o contratante público pode correr o risco de ficar com o dilema dos limões, termo cunhado por George Akerlof, em artigo seminal que inaugurou a Regulação.
Nos casos em que o adquirente ignora ou não tem controle sobre os atributos qualitativos do produto ou do serviço fornecido, e adota de modo isolado o critério de menor preço para a escolha do contratado, o resultado produzido é a contratação que não é a mais vantajosa para a Administração, podendo gerar prejuízos insanáveis.
Neste sentido, o pregão é um procedimento adequado e vantajoso para a contratação de serviços em que a variação qualitativa não se dá de modo relevante e significativo, apontado a doutrina para o fato de que a generalização do pregão propicia um verdadeiro autoengano da Administração Pública e a conduzirá previsivelmente para uma contratação não satisfatória.
A solução de pronto para se evitar esta armadilha reside em se elevar o rigor na caracterização do objeto comum, de modo que as contratações que contemplem variações qualitativas se tornem potencialmente incompatíveis com o pregão.
Nos casos em que ficar demonstrado que a variação no que diz respeito à qualidade é relevante para assegurar a satisfação das finalidades buscadas pela Administração, a nova Lei de Licitações consagra formalmente o entendimento de que o critério de Técnica e Preço se fundamenta nas peculiaridades do interesse administrativo a ser satisfeito.
<blockquote class="jota-article__eye">Portanto, podemos enquadrar tais serviços como de natureza especial, que são aqueles que apresentam peculiaridades e diferenciações. A elevação do nível dos seus atributos é apta a produzir uma solução mais vantajosa para a Administração.</blockquote>
E nestes casos, a modalidade de contratação que melhor atende ao interesse público de contratar a opção mais vantajosa é a Concorrência por critério de Técnica e Preço.
A preocupação com a qualidade dos serviços de saúde cresceu enormemente na última década, dando espaço para as discussões que envolvem a melhoria da qualidade e das medições de desempenho clínico.
O Instituto of Medicine define como qualidade em saúde “o grau em que os serviços de assistência médica para indivíduos e populações aumenta a probabilidade de se atingir os resultados desejados para a saúde e seu nível de consistência com os conhecimentos profissionais atuais”. 
Este mesmo instituto destaca seis características que definem cuidados médicos de alta qualidade, quais sejam: segurança, eficácia, foco no paciente, atendimento em tempo hábil, eficiência, equanimidade.
Se por um lado o avanço científico e civilizatório levou a um aumento de serviços de saúde e de acesso à tecnologia na área assistencial, estes mesmos avanços não significaram automaticamente a melhoria nos cuidados médicos de alta qualidade.
Nos EUA a partir do célebre estudo “Errar é humano” estimou-se que aproximadamente 65 mil mortes que ocorrem em hospitais naquele país poderiam ser evitadas. E o fato de 16% do PIB americano ser gastos com serviços médicos aponta para o fato que para além de uma necessidade assistencial, racionalizar os gastos em saúde é uma necessidade orçamentária.
A partir deste movimento, ganhou força o debate sobre a importância dos serviços médicos praticarem não somente suas atividades com base em conhecimentos dos princípios básicos de desempenho e das melhorias na qualidade, mas também com base nas expectativas dos órgãos reguladores e de outras organizações externas em relação aos serviços de saúde.
Grande parte das discussões sobre o custo e a qualidade dos serviços de saúde está mudando o foco para o conceito de valor. Define-se valor como o melhor resultado assistencial possível por unidade monetária investida. E neste sentido, a Medicina Baseada em Valor seria o conceito de melhor resultado ou desfecho assistencial possível, pelo menor custo unitário.
A estrutura conceitual da Medicina Baseada em Valor facilita o alinhamento dos envolvidos na prestação de serviços médicos para o foco no paciente e uma remuneração com base na capacidade de criar valor agregado para o mesmo.
Michael Porter defende que a medição do valor gerado pela prestação dos serviços de saúde possa modificar o modelo assistencial do tradicional pagamento por “quantidade de serviços prestados” para o pagamento por qualidade e performance.
Compreendendo que há diferenças qualitativas possíveis entre os prestadores de serviços médicos (não existisse, toda a discussão de medicina baseada em valor não faria sentido) a Administração, ao buscar selecionar um prestador deste tipo de serviço deve fugir da modalidade pregão, onde apenas o componente preço é levado em consideração.
Sabedora de que há, para além de habilitações mínimas necessárias para o exercício da atividade médica, qualificações adicionais (especializações por pós graduações ou por programas de residência médica, mestrado, doutoramento e pós doutoramento, além da experiência profissional propriamente dita a cargo do tempo) que podem influenciar diretamente no expertise do profissional e, portanto, no desempenho de suas funções assistenciais e, por conseguinte, no desfecho clínico dos agravos de saúde dos pacientes por ele assistido, a Administração não deve se furtar em levar em consideração quesitos qualitativos no procedimento de seleção dos prestadores médicos com os quais pretende contratar.
Desfechos clínicos como taxa de mortalidade, taxa de infecção hospitalar, taxa de reinternação por um mesmo agravo, taxa de satisfação do usuário com o serviço prestado, entre outros, devem estar no radar dos gestores públicos contratantes de serviços de saúde.
E o acompanhamento permanente destes critérios pactuados, condicionando o pagamento integral do contrato administrativo de prestação de serviços médicos ao cumprimento das métricas, não apenas quantitativas, mas especialmente as qualitativas, de modo a buscar a geração de uma cadeia de valor em saúde ao usuário, traduzida em melhoria da assistência pública a partir de melhora nos índices de desfechos clínicos.
Como forma de um acompanhamento transparente e independente do aspecto qualitativo, poder-se-ia considerar a contratação de um elemento estranho ao contrato, como um auditor.
No intuito de contratar um serviço comprometido com a geração de valor assistencial para o usuário do SUS, a Administração deve desde o nascimento do processo de contratação, que é a licitação, zelar pela seleção da proposta e do serviço mais vantajoso, dentro de uma lógica de menor preço monetário que tenha a possibilidade de alcançar o melhor resultado assistencial possível, desde o edital.
Mas para além de certificações e habilitações apriorísticas, deve a Administração, de pronto, em seus procedimentos licitatórios em contratações de serviços médicos, buscar a qualidade assistencial máxima possível, não devendo abrir mão de consignar seus pagamentos à resultados pré-estabelecidos de metas qualitativas de assistência médica.
Diante do exposto acima, resta claro que, em virtude de se prezar por um serviço médico de qualidade prestado por seus contratados ao sistema público de saúde, a Administração, ao reconhecer que há diferenças qualitativas possíveis na prestação de serviços médicos, bem como que há níveis distintos de qualificações superiores às mínimas exigidas para o exercício da atividade profissional médica, deve eleger como modelo licitatório para a contratação destes serviços a modalidade Concorrência do tipo Técnica e Preço e furtar-se da contratação por meio de pregão, a fim de evitar contratar com um prestador que não tem a capacidade assistencial para a prestação de um serviço que gere valor ao usuário.
&nbsp;
<div id="sdr-inbound-form-artigos-impacto-nas-instituicoes-8c5227dd4ede3347a6c6" role="main"></div>
<script type="text/javascript" src="https://d335luupugsy2.cloudfront.net/js/rdstation-forms/stable/rdstation-forms.min.js"></script> 
<script type="text/javascript"> new RDStationForms('sdr-inbound-form-artigos-impacto-nas-instituicoes-8c5227dd4ede3347a6c6', 'UA-53687336-1').createForm();</script>

doctor-563428_1280

https://images.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/copy-of-jota-logo-high-cmyk.jpeg

JOTA

Como a Medicina Baseada em Valor pode servir de guia para a Administração Pública

Contratação pública de serviços médicos: a modalidade importa?

Como a Medicina Baseada em Valor pode servir de guia para a Administração Pública