Adriano Teixeira

No dia 28.10.2015, o Senado Federal aprovou o PLC (Projeto de Lei da Câmara) n. 101/2015, de iniciativa da Presidente da República, que tipifica o crime de terrorismo e condutas afins (apologia ao, recrutamento e financiamento do terrorismo). O texto final é o substitutivo de relatoria do senador Aloysio Nunes Ferreira. Devido a alterações no texto promovidas no Senado, o projeto volta à Câmara Federal para apreciação dos deputados. A principal e mais polêmica modificação no texto original é a exclusão da norma que afastava a aplicação da Lei a manifestações políticas, movimentos sociais e reivindicatórios.
A pretensão do governo federal e do Congresso Nacional de criminalizar autonomamente atos considerados terroristas e condutas acessórias não é nova.<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a> O projeto que ganhou mais destaque na mídia e no meio jurídico foi o PLS 499/2013, sobretudo por ter sido apresentado à época das diversas e massivas manifestações populares ocorridas no Brasil, em junho daquele ano. No entanto, há algo de essencial neste Projeto que o distingue de seus predecessores: ele tramita em regime de urgência (45 dias) nos termos do art. 64, § 1º, da Constituição da República, combinado com os art. 122 e 375 do Regimento Interno do Senado. É de saltar aos olhos que um projeto de lei penal, que comina penas máximas no limite do permitido (30 anos, conforme o art. 75, caput, do Código Penal) e mínimas (que mal merecem essa denominação) de, por exemplo, 16 e 24 anos (o que o faria ser provavelmente o diploma normativo mais severo de todo o ordenamento jurídico brasileiro), seja votado em caráter de urgência, com o fito de prevenir e reprimir condutas das quais não se tem sequer registro na história recente do Brasil.
O açodamento deste processo legislativo causa ainda mais preocupação, tendo-se em vista, primeiro, a complexidade da matéria regulada, relacionada sobretudo à dificuldade de definição do termo terrorismo, e, segundo, devido ao próprio conteúdo do texto, cuja redação está longe de ser ideal para constituir uma lei penal que observe um dos princípios constitucionais fundamentais e elementares do direito penal: o da legalidade (art. 5º , XXXIX, CF).
Nesta sede, impõe-se, portanto, discutir, ainda que brevemente, os seguintes aspectos: 1) a fundamentação da necessidade, reputada como urgente, de tipificação do terrorismo e das suas condutas acessórias; e 2) os principais problemas do texto que será analisado novamente pela Câmara Federal.
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A suposta necessidade de (urgente) tipificação do crime de terrorismo
Os argumentos que constam das fundamentações oficiais e que suportariam a urgente tipificação do terrorismo podem ser divididos em duas espécies, a saber: os argumentos materiais e os formais ou políticos.
Como dito, os argumentos materiais expedidos para a criminalização do terrorismo no Brasil não são novos. Já tive oportunidade de discutí-los em outra sede<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>, de modo que aqui basta formular uma ligeira síntese daquilo que já desenvolvi em maiores detalhes.
Para fundamentar a criminalização do terrorismo, parte-se geralmente da premissa de que, embora uma ação terrorista invariavelmente envolva delitos previstos nas legislações de qualquer país (homicídio, lesão corporal, sequestro, uso de explosivos etc.), o verdadeiro ato terrorista encarna um injusto especial, que deve ser apreendido por um tipo penal específico. No estudo acima referido, já externei a opinião de que essa premissa é verdadeira. Esse também parece ser o ponto de vista majoritário tanto na literatura filosófica quanto na literatura jurídico-penal, embora ainda não se tenha chegado a um consenso a respeito exatamente do que se trata esse injusto ou mal especial do terrorismo.<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>
Assentada essa premissa, aponta-se que o Brasil não pode permanecer defasado em relação à maioria dos países que ultimamente criaram ou aprimoraram sua legislação antiterrorista. Embora se reconheça que até o momento não há registro de atentados terroristas no país, argumenta-se que não disporíamos de uma legislação para reagir adequadamente caso efetivamente ocorressem ações de terrorismo em território brasileiro.
No entanto, essa argumentação não justifica a urgência da criminalização do terrorismo, não sem uma discussão mais robusta, principalmente com uma participação mais intensa da ciência jurídico-penal. Se, hipoteticamente, um ato terrorista vier a ocorrer em solo brasileiro, o eventual autor não restará, evidentemente, impune, ao menos não por falta de lei. Na realidade, é provável que ele receba uma pena altíssima – imagine-se um atentado a bomba, que provoca a morte de centenas de pessoas: o agente seria provavelmente punido por homicídio triplamente qualificado (art. 121, § 2º, I [“motivo torpe”], III [“explosivo”], IV [“recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido”] CP), explosão (art. 251, CP), posse de artefato explosivo (art. 16, parágrafo único, III, Lei 10.826/2013), provavelmente em concurso material (como reza a malsinada tradição da justiça brasileira), o que levaria à punição próxima ou até superior a 30 anos.
Não se pode falar, portanto, em lacuna de punibilidade. Não é por acaso que vários países viveram por um longo tempo e muitos ainda vivem sem um tipo penal específico que apreenda o injusto do terrorismo.
Um outro argumento, de caráter formal ou político, encontra-se já na mensagem oriunda Presidência da República quando do envio do Projeto para o Congresso Nacional.<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a> O Brasil, principalmente ao tipificar a conduta de financiamento do terrorismo, estaria cumprindo uma das resoluções do Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiamento do Terrorismo (GAFI)<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a>, entidade intergovernamental da qual faz parte. Especula-se que o cumprimento da recomendação do GAFI seja o motivo determinante da urgência da tramitação do PLC 101/2015.<a href="#_ftn6" name="_ftnref6">[6]</a> Como se adiantou, o cumprimento da recomendação do GAFI é um compromisso político, não jurídico. Do ponto de vista do Direito Internacional, as recomendações do GAFI não vinculam os estados membros, ou seja, não lhes criam direitos nem deveres. Os países que aderem ao grupo aceitam submeter-se às avaliações do GAFI, que verifica o cumprimento de suas recomendações. Quando um país não as cumpre, recai sobre ele, de fato, grande pressão política. <a href="#_ftn7" name="_ftnref7">[7]</a> Faz-se menção ainda à Convenção da ONU para Supressão do Financiamento do Terrorismo, de 1999, promulgada no Brasil em 2005 através do Decreto 5.640, que estabelece que cada Estado Parte deve adotar as medidas necessárias para tratar como crime a conduta de financiamento do terrorismo (art. 4º c/c art. 2º). Não se pode dizer, todavia, que o Governo ou o Congresso têm verdadeira pressa em implementar essa Convenção, pois desde sua promulgação já se vão 10 anos.
Deixando de lado a discussão sobre se razões diplomáticas são suficientes para legitimar a criação de uma lei penal, o essencial é que o Brasil não precisaria introduzir, a toque de caixa, toda uma legislação antiterrorista, com a criação de vários tipos penais, apenas para livrar-se dessa pressão internacional. O que o GAFI e a ONU indicam é apenas a criminalização do financiamento do terrorismo. Ou seja, bastaria que o Governo e o Congresso concentrassem esforços na criação de “apenas” um tipo penal. Seria algo ao menos mais praticável a curto prazo. Isso foi exatamente o que fizeram, por exemplo, Alemanha e Áustria, que criaram recentemente o tipo penal “financiamento do terrorismo” (§ 89c StGB e § 278d öStGB, respectivamente), embora ainda não tenham tipificado o crime específico de terrorismo. Evidentemente, essa solução não impediria que posteriormente se discutisse, com calma, a tipificação do terrorismo e de condutas acessórias, como fizeram Portugal e Espanha.<a href="#_ftn8" name="_ftnref8">[8]</a>
Não há, portanto, urgência em tipificar o terrorismo no Brasil. Um tema de tamanha complexidade demanda uma reflexão cuidadosa, desenvolvida com a participação do legislativo, do judiciário e da ciência.
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O Projeto
A outra razão fundamental que contraindica a aprovação do PLC 101/2015 é o seu conteúdo, ou seja, seu próprio texto. Nesta sede, não se pretende e nem se está em condições de fazer uma análise pormenorizada de todo o teor do Projeto de Lei. Cabe apenas apontar os principais problemas que depõem contra a sua urgente tramitação e aprovação.
O crime de terrorismo é assim definido pelo projeto: “Atentar contra pessoa, mediante violência ou grave ameaça, motivado por extremismo político, intolerância religiosa ou preconceito racial, étnico, de gênero ou xenófobo, com objetivo de provocar pânico generalizado.” <a href="#_ftn9" name="_ftnref9">[9]</a>
Sabe-se que o principal embaraço na questão da legislação antiterrorista é definir o conceito de terrorismo. Em nível internacional, ainda não se chegou a um consenso, e há muito a filosofia e a ciência política vêm se debatendo em torno da definição de ato terrorista. No entanto, desses reiterados esforços pode-se vislumbrar uma certa convergência ao menos acerca da estrutura do conceito de terrorismo.<a href="#_ftn10" name="_ftnref10">[10]</a> <a href="#_ftn11" name="_ftnref11">[11]</a> Essa estrutura pode ser chamada de dupla ou bifocal e consiste basicamente no seguinte: um crime grave contra uma vítima direta (ex: homicídio, lesão corporal, sequestro etc.) como meio de atingir psicologicamente (ameaça, intimidação coação, inflição de medo e pânico) vítimas indiretas. 
Essa estrutura está presente na definição do projeto. Porém, o tipo permanece inadequado. A formulação “atentar contra pessoa, mediante violência ou grave ameaça” não é de boa técnica. O termo “atentar”, caso não seja interpretado restritivamente, pode alcançar condutas que não correspondam à gravidade e especificidade do injusto do terrorismo. Seria preferível que a ação principal, contra a vítima direta ou primária, fosse identificada como um crime doloso contra a vida, a integridade física ou a liberdade pessoal. Ou seja, o crime de terrorismo só se configuraria com a efetiva realização de um dos tipos previstos na Parte Especial do Código Penal, como homicídio e suas qualificações (art. 121 e ss.), lesões corporais (art. 129 e ss.), estupro (art. 213), sequestro (Art. 148) etc. Assim procedem, para repetir o exemplo, as leis portuguesa e espanhola.<a href="#_ftn12" name="_ftnref12">[12]</a> Desse modo, o tipo ganharia em precisão, ficaria mais restrito, e, com isso, compatível com o princípio da legalidade.
Reputo ainda a inserção da motivação do ato no tipo em questão como desnecessária e até perigosa, sobretudo a expressão “por extremismo político”. Essa expressão parece-me igualmente vaga. Determinar o que é uma política extremista dependeria em demasia da subjetividade do juiz e de sua visão política e de mundo. Além disso, pode-se vislumbrar o perigo de o magistrado, ao afirmar a presença da motivação política, tender a automaticamente ter como preenchido o outro elemento subjetivo relativo à finalidade.<a href="#_ftn13" name="_ftnref13">[13]</a>
Assim, tendo em vista a indeterminação tanto do aspecto objetivo da conduta quanto do aspecto subjetivo da motivação, o tipo penal do terrorismo que o Congresso ora visa introduzir em nosso ordenamento jurídico padece de indeterminação. Consequentemente, com a exclusão da norma que afastava a aplicação da lei a manifestações e atos reivindicatórios, persiste, sim, o perigo de que eventuais conflitos ou excessos no âmbito dessas ações sejam reprimidos por meio dessa lei que seria, repita-se, a mais severa de nossa legislação.
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Conclusão
Não há razões, nem materiais, nem formais ou políticas, que justifiquem a açodada tramitação e a aprovação do PLC 101/2015. Um projeto de lei antiterrorista, que introduziria as punições mais severas do ordenamento jurídico brasileiro, não pode tornar-se direito positivo sem antes ser objeto de uma discussão plural e cuidadosa e de se livrar de seus fundamentais vícios, talvez tão perigosos para a democracia brasileira quanto as condutas que ele supostamente quer prevenir.
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> O próprio Senador Aloysio Nunes Ferreira já havia apresentado sua proposta, o PLS 761/2011. Menciona-se também o Projeto do Deputado Walter Feldman (PL 4.674/2012).
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Teixeira, Criminalizar o terrorismo no Brasil? Reflexões acerca do PLS 499/2013, em: Boletim do IBCCRIM n. 260, Julho/2014.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> Minha posição defendida em detalhes em Teixeira, Was ist böse am Terrorismus?, Zeitschrift für Rechtsphilosophie, 1/2013, p. 57-76 (tradução no prelo).
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> Documento disponível no site do Senado Federal: <a href="http://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/122772">http://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/122772</a> (acesso em 31.10.2015).
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> [5] <a href="http://www.fatf-gafi.org/media/fatf/documents/recommendations/pdfs/FATF_Recommendations.pdf">http://www.fatf-gafi.org/media/fatf/documents/recommendations/pdfs/FATF_Recommendations.pdf</a>, p. 13, C.5 (“Countries should criminalise terrorist financing on the basis of the Terrorist Financing Convention, and should criminalise not only the financing of terrorist acts but also the financing of terrorist organisations and individual terrorists even in the absence of a link to a specific terrorist act or acts. Countries should ensure that such offences are designated as money laundering predicate offences”); <a href="http://www.un.org/en/sc/ctc/docs/bestpractices/fatf/9specialrec/fatf-9specialrec.pdf">http://www.un.org/en/sc/ctc/docs/bestpractices/fatf/9specialrec/fatf-9specialrec.pdf</a>, p. 4, Nota interpretativa.
<a href="#_ftnref6" name="_ftn6">[6]</a> O Presidente do COAF (Conselho de Controle de Atividades Financeiras, órgão ligado ao Ministério da Fazenda), Antônio Gustavo Rodrigues, teria dito que a não criminalização do financiamento do terrorismo poderia fazer com que o Brasil entrasse para uma espécie de lista negra do GAFI, o que poderia gerar até desvantagens financeiras. Cf. <a href="http://www.cartacapital.com.br/internacional/ausencia-de-lei-contra-financiamento-do-terrorismo-pode-gerar-sancoes-contra-o-brasil-9737.html">http://www.cartacapital.com.br/internacional/ausencia-de-lei-contra-financiamento-do-terrorismo-pode-gerar-sancoes-contra-o-brasil-9737.html</a>; <a href="http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/10/151020_lei_terrorismo_ms_cc">http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/10/151020_lei_terrorismo_ms_cc</a> (acesso em 31.10.2014).
<a href="#_ftnref7" name="_ftn7">[7]</a> Sieber/Vogel, Terrorismusfinanzierung: Prävention im Spannungsfeld von internationalen Vorgaben und nationalem Tatstrafrecht, Schriftenreihe des Max-Planck-Instituts für ausländisches und internationales Strafrecht, 2015, p. 39-40.
<a href="#_ftnref8" name="_ftn8">[8]</a> CP Espanhol, art. 573, 573 bis; Portugal: Lei de Combate ao Terrorismo (Lei n. 60/2015), Art. 2º c/c art. 4º.
<a href="#_ftnref9" name="_ftn9">[9]</a> O parágrafo segundo equipara a ato terrorista, desde que presentes os elementos subjetivos do caput, ações de perigo comum (explosão, incêndio etc.), que ponham em risco um grupo de pessoas (destruição, danificação de veículos, aeronaves, embarcações, escolas, hospitais, distribuição de energia elétrica) e a interrupção de serviços e sistemas de comunicação.
<a href="#_ftnref10" name="_ftn10">[10]</a> Cf. Sieber/Vogel, op. cit, p. 34.
<a href="#_ftnref11" name="_ftn11">[11]</a> Um bom exemplo seria a definição exposta na Resolução 1566 (2004) do Conselho de Segurança da ONU: “Criminal acts, including against civilians, committed with the intent to cause death or serious bodily injury, or taking of hostages, with the purpose to provoke a state of terror in the general public or in a group of persons or particular persons, intimidate a population or compel a government or an international organization to do or to abstain from doing any act, which constitute offences within the scope of and as defined in the international conventions and protocols relating to terrorism”.
<a href="#_ftnref12" name="_ftn12">[12]</a> Cf. supra.
<a href="#_ftnref13" name="_ftn13">[13]</a> Esse passo, reputado como inconstitucional por ferir o princípio da legalidade, é chamado pelos alemães de “Verschleifung”, o que levou a Corte Constitucional a postular o chamado “Verschleifungsverbot”, que seria a proibição de atestar a presença de uma elementar típica automaticamente a partir da verificação da presença de outra (BverfGE 126, p. 170 ss.). Por exemplo, no crime de estelionato, a partir da constatação da fraude afirmar automaticamente a presença doo dano patrimonial.

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JOTA

Não há urgência em tipificar o terrorismo no Brasil.

Contra a apressada aprovação do Projeto de Lei Antiterrorismo (PLC 101/2015)

Não há urgência em tipificar o terrorismo no Brasil.