Reginaldo Angelo dos Santos

Não são poucos os operadores do Direito Tributário que defendem que a instituição da arbitragem tributária no Brasil tem como uma das principais causas incentivadoras a maior eficiência na condução do tema, com decisões mais especializadas e a ampliação do acesso à Justiça, considerando especialmente o interesse público primário, consubstanciado pelo interesse do Estado.<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>
Em que pese a implantação de um sistema multiportas de resolução de conflitos não se constituir em solução para todos os problemas do contencioso tributário brasileiro, é inegável que meios adicionais, adequados e apropriados amenizariam o problema da morosidade na solução de litígios, trazendo mais eficiência e rapidez para o nosso sistema de contencioso, seja no âmbito administrativo ou judicial. Este é tema que será abordado nesse breve artigo, tendo como pano de fundo alguns números do contencioso tributário brasileiro.
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Em sua 16ª edição, o Relatório Justiça em Números 2020 traz informações circunstanciadas a respeito do fluxo processual no sistema de justiça brasileiro coletadas em 2019, as quais compreendem o tempo de tramitação dos processos, os indicadores de desempenho e produtividade, as estatísticas por matéria do direito, além de números sobre despesas, arrecadações, estrutura e recursos humanos.<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>
O Poder Judiciário finalizou o ano de 2019 com 77,1 milhões de processos em tramitação, que aguardavam alguma solução definitiva. Tal número representa uma redução no estoque processual, em relação a 2018, de aproximadamente 1,5 milhão de processos em trâmite, sendo a maior queda de toda a série histórica contabilizada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), com início a partir de 2009.<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>
Verifica-se, portanto que, no período de 1 ano, o Judiciário brasileiro solucionou um milhão e quinhentos mil processos, ou seja, ainda que tenha ocorrido a maior queda da história desde 2009, quando o CNJ começou a contabilizar os números, tal redução representou apenas 2% do estoque de processos em tramitação no país.
Ainda segundo o CNJ, a litigiosidade no Brasil permanece alta e a cultura da conciliação, incentivada mediante política permanente do CNJ desde 2006, ainda apresenta lenta evolução. Em 2019, apenas 12,5% de processos foram solucionados via conciliação. Em relação a 2018, houve aumento de apenas 6,3% no número de sentenças homologatórias de acordos, em que pese a disposição do novo Código de Processo Civil (CPC), que, em vigor desde 2016, tornou obrigatória a realização de audiência prévia de conciliação e mediação. Conforme registrado no citado Relatório, aproximadamente 31,5% de todos os processos que tramitaram no Poder Judiciário foram solucionados.<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>
Adentrando especificamente na questão tributária, ainda segundo o CNJ, os processos de execução fiscal representam 39% do total de casos pendentes e 70% das execuções no Poder Judiciário, com taxa de congestionamento de 87%. Ou seja, de cada cem processos de execução fiscal que tramitaram no ano de 2019, apenas 13 foram baixados. Desconsiderando esses processos, a taxa de congestionamento do Poder Judiciário cairia 8,1 pontos percentuais, passando de 68,5% para 60,4% em 2019.<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a>
A maior taxa de congestionamento de execução fiscal está na Justiça Federal (93%), seguida da Justiça Estadual (86%) e da Justiça do Trabalho (84%). A menor é a da Justiça Eleitoral (80%). <a href="#_ftn6" name="_ftnref6">[6]</a> Parte deste congestionamento na Justiça Federal pode ser atribuído aos processos relativos aos Conselhos de Classe, representados por execuções fiscais de cobrança de anuidades profissionais. Há varas federais de execução fiscal que chegam a ter 70% de seus processos representados por este tipo de demanda. A questão das matérias arbitráveis é passível de matéria de artigo específico, mas desde já adiantamos que a cobrança de anuidades dos Conselhos de Classe poderia ser, sem sombra de dúvidas, matéria submetida à arbitragem tributária, considerando seu diminuto grau de discussão técnica jurídica.
O tempo médio de tramitação do processo de execução fiscal baixado no Poder Judiciário é de 8 anos. Ao desconsiderar os processos de execução fiscal, o tempo médio de tramitação do processo baixado na fase de execução passaria de 5 anos e 11 meses para 3 anos e 3 meses no ano de 2019. Os tribunais da Justiça Federal apresentam os maiores tempos de tramitação dos processos de execução fiscal, em média 10 anos. A Justiça Estadual leva, em média, 7 anos e 10 meses para baixar um processo de execução fiscal, enquanto a Justiça do Trabalho 7 anos e 1 mês e a Justiça Eleitoral 4 anos e 7 meses.<a href="#_ftn7" name="_ftnref7">[7]</a>
Em contraponto ao tempo de resolução obrigatória do procedimento arbitral no regime português, por exemplo, a diferença é gritante, considerando que naquele país, o processo arbitral deve ser solucionado em 6 meses, permitindo-se adiamentos de 2 em 2 meses, de forma que o prazo adicional total não ultrapasse 6 meses. Ou seja, por imposição legal, o processo arbitral naquele país deve ser inteiramente solucionado em 1 ano.<a href="#_ftn8" name="_ftnref8">[8]</a>
<blockquote class="jota-article__eye">No Brasil, analisando os processos tributários de maneira geral, segundo relatório produzido pelo Insper, em São Paulo, a estimativa é que o contencioso tributário brasileiro alcançou 5,44 trilhões de reais em 2019.</blockquote>
Este valor torna-se ainda mais expressivo quando avaliado em termos do PIB, principal medida de desempenho econômico de um país, alcançando 75% deste índice, em 2019. Este percentual foi obtido a partir da composição das estimativas de contencioso tributário, judicial e administrativo, nos 3 níveis federativos.<a href="#_ftn9" name="_ftnref9">[9]</a>
O contencioso judicial e administrativo da União responde pela maior parte do estoque total: 3,82 trilhões de reais ou 52,7% do PIB, em 2019. Entre os entes subnacionais, destacam-se os Estados e Distrito Federal, que respondem por 1,18 trilhões de reais, isto é, 16,2% do PIB. E, por último, no nível municipal, em razão da heterogeneidade desses entes federativos em termos de porte e condições socioeconômicas, optou-se, nesta análise, por segregá-los em 2 grupos: (i) capitais e (ii) demais Municípios. As 26 capitais analisadas, considerando-se as vias administrativas e judiciais, respondem por um contencioso de 270 bilhões de reais, o que equivale a 3,7% do PIB. Os demais Municípios reúnem um estoque de contencioso tributário judicial que alcança 170 bilhões de reais ou 2,5% por PIB.<a href="#_ftn10" name="_ftnref10">[10]</a>
As estimativas acima são resultado da composição dos estoques de processos tributários em discussão tanto na via judicial como na via administrativa. Assim, quando decompostos, observa-se, conforme esperado, que a via judicial responde por 74% do estoque do contencioso total, ao somar 4,01 trilhões de reais em processos. Já a via administrativa, considerando-se o somatório das estimativas obtidas para União, Estados, Distrito Federal e capitais, alcança 1,43 trilhões de reais.<a href="#_ftn11" name="_ftnref11">[11]</a>
A celeridade buscada pelo sujeito passivo para solução do conflito também poderia encontrar resposta numa eventual implantação de um regime de arbitragem tributária. Segundo dados publicados na página do CARF na internet em 07/02/2019<a href="#_ftn12" name="_ftnref12">[12]</a>, o estoque de processos naquela data era de 122.371 casos, destacando que seriam necessários 77 anos para julgar todo o volume.
Ressalta ainda o tribunal administrativo que o tempo de julgamento das Câmaras Superiores é de 1 ano e 2 meses, das Turmas Ordinárias, de 2 anos e 10 meses, e das Turmas Extraordinárias, 6 anos e 1 mês. Ou seja, percorrer toda a via administrativa, além de contribuir para o esgotamento do já assoberbado sistema de contencioso administrativo federal, tornaria a solução do litígio muito mais demorada que qualquer procedimento arbitral razoável.
Segundo Lorreine Messias, que também assina o relatório do Insper, os recursos tributários em disputa poderiam ser empregados na formação de capital produtivo: qualificação de mão de obra, bens de capital e melhoria dos processos produtivos e de gestão. “Em função da complexidade tributária e insegurança jurídica, os recursos passam a ser direcionados à constituição de provisões tributárias, contratação de assessorias jurídicas e contábeis, despesas judiciais, oferecimento de garantias judiciais, entre outros custos de transação nos quais empresas acabam incorrendo para poder operar”.<a href="#_ftn13" name="_ftnref13">[13]</a>
Como se observa, os números são preocupantes. Para além disso, medidas já adotadas em âmbito federal, tais como o Regime Diferenciado de Cobrança dos Créditos, Pedido de Revisão de Dívida Inscrita, Oferecimento Antecipado de Garantias e Negócio Jurídico Processual, além da Transação Tributária, também adotada por alguns Estados e Municípios, tendem a amenizar e diminuir a demanda por cobranças de créditos tributários no Judiciário.
É necessário, entretanto, que o debate sobre métodos adequados e apropriados para resolução de conflitos vá além do crédito tributário já constituído e soluções autocompositivas, avançando para métodos heterocompositivos, como a arbitragem; superado, como está, o dogma da indisponibilidade do crédito tributário.
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O episódio 53 do podcast Sem Precedentes discute ações sobre a Lei de Segurança Nacional, que tem sido usada em inquéritos contra críticos de Bolsonaro. Ouça:
https://www.youtube.com/watch?v=1062owtx9o4
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> O interesse do Estado está claramente estabelecido no art. 3º da Constituição Federal, nos seguintes termos:
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II - garantir o desenvolvimento nacional;
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Este interesse público, primário, não se confunde com o interesse secundário, que é o interesse da Administração Pública. e.g. a arrecadação.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Relatório Justiça em Números 2020 – CNJ - Apresentação
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> Relatório citado – CNJ - Apresentação
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> Relatório citado – CNJ - Apresentação
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> Relatório citado – CNJ – pag. 155
<a href="#_ftnref6" name="_ftn6">[6]</a> Relatório citado – CNJ – pag. 156
<a href="#_ftnref7" name="_ftn7">[7]</a> Relatório citado – CNJ – pag. 161
<a href="#_ftnref8" name="_ftn8">[8]</a> DL 10/20211 (Regime Jurídico de Arbitragem Tributária – RJAT) Artigo 21.º - 1 - A decisão arbitral deve ser emitida e notificada às partes no prazo de seis meses a contar da data do início do processo arbitral. 2 - O tribunal arbitral pode determinar a prorrogação do prazo referido no número anterior por sucessivos períodos de dois meses, com o limite de seis meses, comunicando às partes essa prorrogação e os motivos que a fundamentam.
<a href="#_ftnref9" name="_ftn9">[9]</a> Contencioso Tributário no Brasil – Relatório 2020 – Ano de referência 2019 – pág. 6 - Núcleo de Tributação do Insper – Coordenação: CANADO, Vanessa Rahal – Publicado em Dez/2020.
<a href="#_ftnref10" name="_ftn10">[10]</a> Relatório citado – Insper – pág. 7
<a href="#_ftnref11" name="_ftn11">[11]</a> Relatório citado – Insper – pág. 8
<a href="#_ftnref12" name="_ftn12">[12]</a> <a href="http://idg.carf.fazenda.gov.br/noticias/situacao-do-atual-estoque-do-carf">http://idg.carf.fazenda.gov.br/noticias/situacao-do-atual-estoque-do-carf</a>
<a href="#_ftnref13" name="_ftn13">[13]</a> <a href="https://www.conjur.com.br/2021-jan-22/contencioso-tributario-alcancou-75-pib-2019-pesquisa">https://www.conjur.com.br/2021-jan-22/contencioso-tributario-alcancou-75-pib-2019-pesquisa</a> | acesso em 08/03/2021.

lupa

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