Fernanda Meôky Barbosa Cosme

Durante as últimas semanas a mídia vem noticiando o caso de contaminação de lotes de cervejas de fabricação da Cervejaria Backer, que apresentaram amostras contaminadas com as substâncias tóxicas dietilenoglicol e etilenoglicol.<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>
A situação acendeu o debate envolvendo os direitos dos consumidores que, de alguma forma, foram atingidos pela falha na prestação dos serviços por parte da fabricante, seja por contato direto com a cerveja contaminada, seja por adquirirem um produto que está potencialmente impróprio para uso.
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Não há dúvidas de que aqueles que adquiriram ou consumiram diretamente cervejas da Backer de lotes contaminados merecem ser reparados, e para melhor entender exatamente quais os direitos resguardam a situação jurídica posta, necessário voltar-se ao Código de Defesa do Consumidor - CDC.
A doutrina consumerista costuma fazer distinção entre os conceitos de vício e defeito do produto. O primeiro, conforme definição extraída da redação do caput do artigo 18 do CDC<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>, pode ser entendido como uma incompatibilidade existente no produto que acaba tornando-o impróprio ou inadequado ao consumo a que se destina ou lhe diminua o valor.
<blockquote class="jota-article__eye">O defeito do produto, por sua vez, acaba sendo mais abrangente, caracterizando-se como tudo o que gera dano além do vício, atingindo a integridade física do consumidor. O defeito é previsto no art. 12 do CDC e é conceituado na legislação de consumo como como fato do produto.</blockquote>
Assim, em síntese, enquanto o vício representa uma falha no dever de adequação, o defeito – ou fato do produto - decorre de falha no atendimento ao dever de segurança imputado aos fornecedores de produtos e serviços no mercado de consumo. A depender do enquadramento jurídico dado à situação, surge para o consumidor lesado uma forma diferente de pleitear o seu direito.
Feitas tais considerações sobre os conceitos de vício e defeito do produto, podemos nos questionar qual deles se aplica ao caso de contaminação das cervejas da Backer. A resposta precisa ao referido questionamento, como quase todas as questões jurídicas, está intrinsecamente ligada à análise de cada caso concreto, mas, de maneira geral, passa pela divisão de dois grandes grupos de consumidores afetados: o primeiro, classificado como o grupo de consumidores que apenas adquiriu alguma ou várias garrafas de cerveja dentre as pertencentes aos lotes contaminados; e o segundo, aqui considerado como o grupo daqueles que tiveram contato direto e acabaram consumindo a cerveja contaminada.
A situação menos grave, sem dúvidas, é a dos consumidores que apenas adquiriram as cervejas contendo contaminação, mas que não consumiram ou tiveram contato direto com o produto. Para estes, os prejuízos estão limitados à esfera econômica, e apesar da potencialidade de lesão, não afetam a integridade física do consumidor. Dessa forma, o primeiro grupo trata de consumidores afetados por um vício do produto, nascendo para estes o direito à triple escolha do art. 18, §1º do CDC: I) substituição do produto por outro da mesma espécie; II) restituição imediata da quantia paga; III) abatimento proporcional do preço.
Das três opções apontadas, in casu, apenas a segunda parece viável, já que além de o produto estar totalmente impróprio para consumo, a confiança depositada em produtos da Cervejaria resta extremamente prejudicada para arriscar uma substituição. O prazo para reclamar por tais vícios é decadencial de 30 (trinta) dias, nos termos do art. 26, inciso I do CDC.
Além da esfera material, há que se ponderar os efeitos extrapatrimoniais causados aos consumidores do primeiro grupo, já que a simples aquisição de produto em condições impróprias para o consumo não apenas frustra a justa expectativa do consumidor na fruição do bem, como também coloca a sua saúde em potencial risco.
<blockquote class="jota-article__eye">O Superior Tribunal de Justiça, ao decidir sobre situação semelhante ao caso em comento (comercialização de leite da marca Parmalat em condições impróprias para consumo - REsp 1.334.364<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>), determinou a condenação por danos morais e materiais.</blockquote>
O segundo grupo de consumidores, por sua vez, envolve aqueles afetados por um fato do produto, haja vista que a situação a que foram submetidos extrapolou à esfera econômica em si, atingindo diretamente a saúde dos consumidores. Inclusive, além de casos de internação por contaminação, foram noticiadas mortes<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>, o que pode ser entendido como o dano no grau mais elevado que o consumidor pode sofrer.
Dessa forma, com base no art. 12 do CDC, os consumidores pertencentes ao segundo grupo deverão ser indenizados pelos danos que lhe foram causados em decorrência do acidente de consumo devido ao defeito do produto. Aqui incluem-se os danos materiais diretos (gastos com a aquisição do produto) e indiretos (internação em hospital e gastos com medicamentos, por exemplo), sem prejuízos dos lucros cessantes e danos morais. O prazo para reclamação, nesses casos, é prescricional de 05 (cinco) anos (art. 27 do diploma consumerista). Além disso, é evidente que para aqueles que vieram a óbito, a indenização deve ser pleiteada por seus herdeiros.
Portanto, os consumidores afetados em casos como estes devem ficar atentos ao enquadramento jurídico da situação por si vivenciada, pois a depender do dispositivo do Código de Defesa do Consumidor aplicável, estarão sujeitos a prazos diferenciados para reclamação, além de diferenciar a abordagem dos direitos exigidos ao fornecedor ou fabricante.
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Disponível em: &lt; <a href="https://www.otempo.com.br/cidades/em-mais-10-lotes-de-cervejas-da-backer-foi-encontrado-dietilenoglicol-diz-mapa-1.2290167">https://www.otempo.com.br/cidades/em-mais-10-lotes-de-cervejas-da-backer-foi-encontrado-dietilenoglicol-diz-mapa-1.2290167</a> &gt;. Acesso em 29 jan. 2020.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Disponível em: &lt; <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078.htm">http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078.htm</a> &gt;. Acesso em 29 jan. 2020.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> Disponível em: &lt; <a href="https://ww2.stj.jus.br/websecstj/cgi/revista/REJ.cgi/ITA?seq=1486498&amp;tipo=0&amp;nreg=201201474170&amp;SeqCgrmaSessao=&amp;CodOrgaoJgdr=&amp;dt=20160223&amp;formato=PDF&amp;salvar=false">https://ww2.stj.jus.br/websecstj/cgi/revista/REJ.cgi/ITA?seq=1486498&amp;tipo=0&amp;nreg=201201474170&amp;SeqCgrmaSessao=&amp;CodOrgaoJgdr=&amp;dt=20160223&amp;formato=PDF&amp;salvar=false</a> &gt;. Acesso em 29 jan. 2020.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> Disponível em: &lt; <a href="https://economia.ig.com.br/2020-01-15/policia-confirma-segunda-morte-por-sintomas-relacionados-a-cerveja-belorizontina.html">https://economia.ig.com.br/2020-01-15/policia-confirma-segunda-morte-por-sintomas-relacionados-a-cerveja-belorizontina.html</a> &gt;. Acesso em 29 jan. 2020.

Cerveja

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JOTA

Como o Código de Defesa do Consumidor resguarda os direitos dos consumidores afetados

Contaminação da cerveja Backer: vício ou fato do produto?

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