Acacio Miranda da Silva Filho

Um fato tem saltado aos olhos nos últimos tempos: a grande quantidade de advogados implicados em operações policiais e processos penais, especialmente naqueles mais espetaculosos e midiáticos. E mais: algumas fases da Operação Lava-Jato – especialmente a “E$quema S” – fizeram com que recordações das quase três décadas de regime de exceção política vigente no país voltassem à tona.
Especialmente porque, neste período, dentre os vários pilares democráticos achincalhados, os inerentes a um julgamento justo e imparcial foram os mais afetados, e tal circunstância se deu, principalmente, através do enfraquecimento da advocacia, conforme bem ilustrado pelo documentário “Os Advogados Contra a Ditadura: Por Uma Questão de Justiça”.
<a href="https://conteudo.jota.info/poder-contato"><img class="size-medium wp-image-292717 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-poder.jpg" alt="" width="688" height="688" /></a>Obviamente, os advogados não diferem das demais categorias de cidadãos, portanto, estão sujeitos a todas as formas de responsabilidades em virtude das condutas por si praticadas.
Porém, há uma circunstância legal apta a diferenciá-los quando do exercício da função: a imunidade profissional consagrada pelo Estatuto da Advocacia, como corolário lógico do Direito de Defesa.
Referida imunidade decorre de garantia fundamental consagrada pela Constituição Federal de 1988, e tem como objetivo primário evitar interferências na atuação profissional do advogado, de forma a preservar todas as possibilidades de defesa ao acusado, especialmente dos excessos cometidos pelo aparato estatal e judicial.
Apesar disso, recentemente, o fenômeno denominado populismo penal vem experimentando novas vertentes, e essas apontam a advocacia como corresponsável pela perpetuação da criminalidade moderna (especialmente a corrupção e a lavagem de capitais).
Em relação ao populismo, não foram poucas as oportunidades onde tratamos das suas três subespécies. No populismo midiático, a imprensa transforma a violência em espetáculo, fazendo com que os cidadãos em geral atribuam a esta um dimensionamento irreal, distante da sua percepção sensorial.
Neste ponto, surge a questão cerne do populismo penal: quanto maior é a exploração da criminalidade de massa, maior é a sensação de risco vivenciada pela população, e, como consequência, maiores serão os pleitos para “solucionarem” o problema, e um maior número de soluções “mágicas” aparecerá.
No populismo legislativo, sob a perspectiva positivista, os crimes são as condutas previstas na legislação penal, cuja sanção a ser imposta no caso de desrespeito é a pena. Diante disso, cabe ao legislador escolher quais condutas serão criminalizadas, em um ato de voluntariedade e poder. Tal circunstância corresponde ao conceito formal de crime.
Apesar disso, a evolução da sociedade conduziu o Direito Penal a uma função mais atual, que corresponde à tutela dos bens jurídicos essenciais à manutenção da vida em sociedade. Esta circunstância está associada à legitimação na aplicação do Direito Penal, que depende de elementos estruturais (dano material ou imaterial) e de um conteúdo (bem jurídico merecedor da tutela penal).
Obviamente, as teorias mais modernas do Direito Penal, entre elas o Direito Penal de “Ultima Ratio”, dispõe que a criminalização de uma conduta depende de justificativas vinculadas ao conceito material de Direito Penal, ou seja, não basta a confecção da norma pelo legislador, sendo necessário que esta esteja legitimada na importância social do bem tutelado, e no grau de lesividade ou perigo proporcionado pela sua prática.
E a partir daí cabe o tratamento do populismo penal legislativo, uma vez que este instituto corresponde à confecção de leis pelo poder legislativo, com vistas à criminalização de determinada conduta, somente para satisfazer anseios de combate à violência, de forma irracional.
Sob o aspecto do conceito material do direito penal, sua  expansão não encontra bases aptas a sustentá-la, uma vez que os seus aspectos legitimadores são desprezados, dando-se preferência ao discurso punitivista, e, consequentemente, à edição de novas leis que não dispõem de elementos que justifiquem a sua edição.
Já no populismo judicial, o problema é que a exploração que a imprensa dá aos crimes, além do tratamento legal trazido pelo Poder Legislativo, não são fins em si mesmos, uma vez que as duas circunstâncias dependem do resultado final do espetáculo: o julgamento penal.
<blockquote class="jota-article__eye">Ou seja, as consequências do populismo penal midiático e legislativo são devastadoras, mas não envolvem o julgamento do caso em concreto, por ser este mister do Poder Judiciário.</blockquote>
Contudo, no momento em que os órgãos deste poder deixam de lado a observância das garantias que lhe são próprias, a fim de construir decisões que agradem à maioria da população, agindo sob o discurso do “bem contra o mal”, surge a consequência nefasta do populismo penal judiciário: a sobreposição das garantias fundamentais pelo desejo de punir.
Inúmeros são os casos em que isso tem ocorrido atualmente no Brasil e o que causa mais perplexidade não é o fato dos juízes, que são técnicos especializados e cientes da sua função social, aceitarem agir em conformidade a este jogo, mas o fato destes magistrados encamparem a figura de “salvadores da pátria”, mesmo que isso custe a imparcialidade da magistratura.
E neste ponto, com base nestes argumentos, cabe-nos discorrer sobre as ações populistas que vem sendo adotadas pelo Congresso Nacional e por alguns órgãos do Poder Judiciário, tendo como alvo primário a advocacia e as suas prerrogativas profissionais.
São exemplos o Projeto de Lei 442/2019, de autoria do deputado Federal Rubens Bueno (Cidadania/PR), que visa equiparar à Lavagem de Capitais o recebimento de honorários pelo advogado quando este soubesse ou tivesse condições de conhecer a origem ilícita do pagamento.
Também o PL 4341/2012, de autoria do ex- deputado Chico Alencar (PSOL/RJ), que tem exatamente os mesmos termos e a mesma justificativa do anteriormente citado (o que mostra que tanto direita como esquerda atuam de forma populista, sem qualquer preocupação em observar direitos e garantias fundamentais inerentes a todos os cidadãos). Ainda o PL 4516/2020, de autoria do senador Arolde de Oliveira (PSD/RJ), sob o mesmo viés.
Outros aspectos que notoriamente decorrem das propostas são o fato dessas envolverem o crime de Lavagem de Capitais, uma espécie de celebridade do “neopunitivismo”, posto ser o único crime que esteve presente em todas as fases da Operação Lava-Jato.
Ainda a opção por não atacar diretamente o Direito de Defesa, usando como estratégia o ataque aos “honorários dos advogados dos bandidos ricos”. E a sedutora falácia da atuação contra os “novos criminosos” (que praticam atos de corrupção e crimes empresariais), fato que encontra apoio da população mais carente, posto ser forma de estabelecer "igualdade social”.
Além da inserção do advogado no papel de “cumplice dos criminosos”, o que, retoricamente, está bem longe da missão de guardião do Direito de Defesa.
Por oportuno, a derradeira face desta escalada populista contra a advocacia está na atuação de alguns órgãos do Poder Judiciário, em detrimento às garantias constitucionais que estes deveriam preservar.
No caso da “Operação Esquema $”, pairam dúvidas acerca da inobservância, por parte do magistrado responsável, da inviolabilidade do sigilo profissional dos escritórios de advocacia.
Isso porque, como forma de assegurar a plenitude do direito de defesa, o Estatuto da Advocacia prevê que os escritórios de advocacia não serão objeto de busca e apreensão cuja finalidade seja a colheita de elementos probatórios a serem utilizados contra o defendido.
E a possibilidade do “Estado Acusador”, fazendo uso dos seus mecanismos de sobreposição, alcançar e inutilizar essas provas, nos regimes não democráticos, onde as regras só prevalecem “aos amigos da corte”, é bastante grande (a título histórico, isso aconteceu em todos os regimes ditatoriais no último século).
Antes que digam que esses direitos só interessam aos advogados, vale lembrar que, enquanto pilares da manutenção da justiça, são afetos a estes os mecanismos do direito de defesa, e este é absoluto, uma vez que não escolhe causas, que não tem qualquer preconceito, um direito que acolhe até os seus críticos contumazes, sem qualquer preferência entre o esquerdo ou o direito.
Mesmo que a capacidade de compreensão de alguns esteja turva em virtude do excesso de ideologia e da falta de racionalidade, mesmo que só reste a nós advogados defendermos o direito de defesa de forma isolada, nós o faremos, porque a história já mostrou que "a advocacia não é uma profissão de covardes".
<hr />
O episódio 48 do podcast Sem Precedentes faz uma análise sobre a atuação do Supremo Tribunal Federal (STF) em 2020 e mostra o que esperar em 2021. Ouça:
https://youtu.be/-hMj5lwWXEE

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JOTA

Novas vertentes do 'populismo penal' apontam a advocacia como corresponsável pela perpetuação da criminalidade

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