Eduardo Perazza de Medeiros

Diego Rodrigues Mendonça Galvão

Maurício Sada Neto

Mateus da Silva Pessanha Moreira

Afora o alarmante número de óbitos, a Covid-19 vem causando drásticos impactos na economia e, a reboque, nas relações contratuais. No Brasil, contratos<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a> de diversas naturezas e com os mais variados objetos foram descumpridos.
Tais inadimplementos, por sua vez, quando não solucionadas amigavelmente – isto é, por concessão de ambas as partes –, têm sido levados ao Poder Judiciário (ou ao Tribunal Arbitral quando aplicável) para lá serem discutidos e resolvidos.
<a href="https://www.jota.info/produtos/poder?utm_source=Banner%20site&amp;utm_medium=Artigos&amp;utm_campaign=CTA_Poder_materias"><img class="size-medium wp-image-292717 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-poder.jpg" alt="" width="688" height="688" /></a>No início de fevereiro de 2020, em decorrência da pandemia da Covid-19, foi promulgada a Lei Federal nº 13.979/2020, que estabelece medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública decorrente do surto do coronavírus.
Os governos estaduais e municipais, de igual modo – avalizados por decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal (STF)<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a> em que se corroborou a competência concorrente daqueles no que se refere ao tema saúde pública –, editaram decretos com vistas a neutralizar a contaminação pelo coronavírus.
A título de exemplo, o Governo do Estado de São Paulo, em resposta ao avançar da pandemia, editou o Decreto nº 64.881/2020, que determinou a suspensão do atendimento presencial ao público em estabelecimentos comerciais e prestadores de serviços, especialmente em casas noturnas, “shopping centers”, galerias e estabelecimentos congêneres, academias e centros de ginástica, além do consumo local em bares, restaurantes, padarias e supermercados (artigo 2º).
As proibições seguiram o mesmo caminho no estado do Rio de Janeiro. Por intermédio do Decreto nº 46.973/2020, o Governo do Estado impôs a suspensão de diversas atividades, incluindo-se aí o funcionamento de “shopping center”, centro comercial e estabelecimentos congêneres (artigo 4º, XIV).
Além destas, outras normativas foram editadas nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro disciplinando uma série de medidas de prevenção à Covid-19 e, ainda, postergando os prazos originariamente arbitrados para suspensão de atividades empresariais não-essenciais<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>.
Dentre estas, tem-se o Decreto nº 48.573/2021, editado pelo município do Rio de Janeiro. A sobrevinda destes atos normativos, conquanto essenciais à preservação da saúde humana, tem causado efeitos deletérios na economia. Empresários (lojistas/comerciantes) de atividades consideradas não-essenciais se veem impedidos de exercer suas atividades e auferir receitas. Tal circunstância, como num efeito cascata, contribuiu para o inadimplemento de uma série de obrigações, dentre elas, trabalhistas, fiscais e contratuais.
No que se refere às obrigações contratuais (entenda-se as de cunho eminentemente civil), nos casos em que houve a mútua vontade das partes e o desejo recíproco de preservação da relação contratual outrora entabulada (atributo da função social do contrato)<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>, aditivos contratuais foram firmados com vistas a se repactuar e/ou flexibilizar específicas obrigações cujo cumprimento, num primeiro momento, diante da grave crise econômica causada pela pandemia da Covid-19, se mostrou inviável.
Houve, porém, situações em que a repactuação das obrigações não se restou possível. Nesses casos, o impacto econômico contribuiu muita das vezes para o encerramento de atividades comerciais. O inadimplemento contratual e as penalidades a ele correlatas, por conseguinte, estão sendo objeto de judicialização.
Ocorreram, também, situações em que as partes se valeram do Poder Judiciário para buscar tutela jurisdicional que lhes permitisse, ao menos enquanto perdurarem as políticas de isolamento social e, sobretudo, o fechamento do comércio determinado pelo Poder Público, a redução ou a repactuação de certas obrigações. Essa prática se deu em considerável escala nas relações locatícias.
Visando-se a manutenção da relação contratual, porém, diante do evento pandemia, com significativas alterações das obrigações estabelecidas, locatários de estabelecimentos empresariais ingressaram no Poder Judiciário postulando a suspensão e/ou a repactuação dos aluguéis.
As ações que trazem em seu bojo a referida pretensão, arrimando-se no que elucida a boa-fé contratual objetiva (CC, artigo 422) e a função social do contrato, abordam, em comum, que a suspensão ou, no limite, a redução dos alugueres se faz pertinente com vistas a se readequar o equilíbrio econômico financeiro (CC, artigos 478 a 480).
<blockquote class="jota-article__eye">A jurisprudência pátria tem enfrentado, casuisticamente, a intervenção estatal e a gradação, quando e se aplicável, em que ela deve se dar para a readequação do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos de locação.</blockquote>
Segundo a jurisprudência, é preciso, dentre outros fatores, analisar se resta, inequivocamente, demonstrada a dificuldade financeira do contratante/locatário de arcar com as suas obrigações, isto é, se o evento Covid-19 (e os atos administrativos dele decorrentes) causou, no caso, significativos abalos na situação econômica.
Este, aliás, é o fator primordial de análise sem o qual não há de subsistir qualquer pretensão de revisão dos alugueres. Afinal, via de regra, as cláusulas contratuais devem ser cumpridas (princípio da pacta sunt servanda).
O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), ao se deparar com uma destas hipóteses, determinou a redução temporária da verba locatícia, em 50% do valor original, no período compreendido entre março a dezembro de 2020<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a>.
De igual maneira, aliás, também já entendeu o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) tendo, na oportunidade, destacado que o “desconto no valor dos aluguéis durante a paralisação das atividades está sendo dado para garantir a viabilidade do empreendimento nesse interregno específico, e não para criar uma nova dívida exigível no conturbado cenário de flexibilização que se inicia ou no futuro período de pós-pandemia”<a href="#_ftn6" name="_ftnref6">[6]</a>.
Em situações específicas, o e. TJSP<a href="#_ftn7" name="_ftnref7">[7]</a><a href="#_ftn8" name="_ftnref8">[8]</a> tem entendido que se poderá até haver a isenção temporária do pagamento de alugueres, como nos casos de locação de estabelecimentos comerciais situados em shoppings centers, durante o período em que, por força de determinação emanada pelo Poder Público, o comércio teve de permanecer fechado e suportando despesas mensais (fundo de promoção e propaganda, funcionários, condomínio, segurança, franqueadores, tributos, fornecedores, etc.).
Nestas, porém, dada a particularidade dos contratos de locação em shoppings centers, que detêm “uma intrínseca e muito intensa necessidade de cooperação intersubjetiva”<a href="#_ftn9" name="_ftnref9">[9]</a>, embora se tenha admitido, até mesmo, a suspensão temporária dos aluguéis, a jurisprudência do e. TJSP tem mantida a obrigação do locatário quanto ao pagamento das despesas condominiais, porquanto, “além de se trataram de despesas comuns a todos os lojistas do shopping, destinam-se à manutenção do local e ao pagamento de empregados”<a href="#_ftn10" name="_ftnref10">[10]</a>.
O advento da pandemia e dos atos administrativos dela decorrentes – estes que, dentre outras coisas, determinaram o fechamento de estabelecimentos comerciais considerados “serviços não essenciais” – contribuíram para o significativo aumento de ações em que os locatários buscam judicialmente, ainda que por prazo temporário, a isenção ou a repactuação dos alugueres.
O Judiciário, por sua vez, tem enfrentado específica e casuisticamente as situações que lhe são postas, inexistindo, até o momento, um consenso quanto às hipóteses em que a isenção ou a redução do locativo deverá se dar e, em relação a este último, o seu respectivo percentual.
De todo modo, depreende-se da análise casuística que o entendimento que tem se consolidado é no sentido de que, em determinadas situações, a pandemia justifica a intervenção estatal para a garantia do equilíbrio financeiro nas locações comerciais.
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<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Nas exatas palavras de Maria Helena Diniz, o “contrato constitui uma espécie de negócio jurídico, de natureza bilateral ou plurilateral, dependendo, para a sua formação, do encontro da vontade das partes, por ser ato regulamentador de interesses particulares, reconhecida pela ordem jurídica, que lhe dá força criativa” (in Curso de Direito Civil Brasileiro, Volume 3: Teoria das Obrigações. 20ª ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 23).
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> STF, ADI nº 6.341/DF, Plenário, min. rel. Marco Aurélio.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> Os Decretos, via de regra, estipularam como atividades essenciais: supermercados, farmácias e serviços de saúde (hospital, clínica, laboratório e estabelecimentos congêneres).
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> Nas palavras de Carlos Roberto Gonçalves, “o atendimento à função social pode ser enfocado sob dois aspectos: um individual, relativo aos contratantes, que se valem do contrato para satisfazer seus interesses próprios, e outro, público, que é o interesse da coletividade sobre o contrato. Nesta medida, a função social do contrato somente estará cumprida quando a sua finalidade – distribuição de riquezas – for atingida de forma justa, ou seja, quando o contrato representar uma fonte de equilíbrio social” (in Direito Civil Brasileiro, Volume 3: Contratos e Atos Unilaterais. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 26).
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> TJSP; Agravo Interno Cível 2191227-50.2020.8.26.0000; rel. des. Walter Exner; 36ª Câmara de Direito Privado; DJ: 29/10/2020
<a href="#_ftnref6" name="_ftn6">[6]</a> TJRJ; Agravo de Instrumento nº 0053875-79.2020.8.19.0000; rel. des. Nilza Bitar; 24ª Câmara Cível; DJ: 16.09.2020
<a href="#_ftnref7" name="_ftn7">[7]</a> TJSP; AI nº 2118168-29.2020.8.26.0000, 32ª Câmara de Direito Privado, rel. des. Luis Fernando Nishi, j. 15.07.2020, DJe 15.07.2020.
<a href="#_ftnref8" name="_ftn8">[8]</a> TJSP; AI nº 2104141-41.2020.8.26.0000, 32ª Câmara de Direito Privado, rel. des. Kioitsi Chicuta, j. 25.06.2020, DJe 25.06.2020.
<a href="#_ftnref9" name="_ftn9">[9]</a> MARTINS-COSTA, Judith. A relação contratual de “shopping center”. Revista do Advogado, ano XXXII, vol. 116, jul. 2012, p. 117.
<a href="#_ftnref10" name="_ftn10">[10]</a> TJSP – AI nº 2125636-44.2020.8.26.0000, 33ª Câmara de Direito Privado, rel. des. Mario A. Silveira, DJ 01.07.2020.

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JOTA

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